Brasileiro tira dinheiro de ações estrangeiras. Ainda é bom investir lá fora?

Inflação, juros e guerra na Ucrânia mudaram o cenário
Pontos-chave:
  • Desafio do Fed é combater a inflação, que está no maior nível em 40 anos nos EUA
  • Diversifique a carteira internacional, fazendo rebalanceamentos conforme o momento

A expectativa de alta da inflação e dos juros no mundo, agravada pela guerra na Ucrânia, abalou os mercados e mudou o cenário para os brasileiros que investem no exterior. Com as perspectivas mais complicadas, os brasileiros começaram a sacar o dinheiro de investimentos estrangeiros acessíveis na Bolsa brasileira, como os BDRs e os ETFs (fundos que acompanham a carteira de indicadores, nesse caso, estrangeiros).

Nos dois primeiros meses do ano, o volume de vendas de BDRs foi maior que o de compras pela primeira vez em dois meses consecutivos nos últimos 12 meses. Em janeiro, a B3 contabilizou R$ 2,6 bilhões em cancelamentos desses papéis e R$ 2 bilhões em emissões. Em fevereiro, registrou R$ 2 bilhões em cancelamentos e R$ 1,6 bilhão em emissões.

Os dados da bolsa de ETFs também apontam a saída dos brasileiros. O IVVB11, que replica a carteira do S&P 500 e é gerido pela BlackRock, é disparadamente o ETF indexado a um índice estrangeiro mais negociado na B3. Em fevereiro, o número de investidores do IVVB11 caiu em comparação ao mês anterior pela primeira vez nos últimos 12 meses. O número de investidores diminuiu de 180,2 mil para 173,7 mil.

O ano começou com o mundo acompanhando o desafio do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) de combater a inflação no maior nível em 40 anos nos EUA. O Fed elevou o tom, na linha de precisar subir os juros para conter os preços. O cenário ficou ainda mais complicado após a Rússia invadir a Ucrânia, em 24 de fevereiro. O conflito aumenta a incerteza de até onde o Fed subirá os juros e em qual ritmo para controlar a inflação ainda mais pressionada.

A recomendação é continuar investindo no exterior

Com esse cenário, é de se esperar que haja aumento da aversão a risco e da volatilidade e diminuição do retorno das ações em comparação ao ano passado. Contudo, até nesse cenário, o conselho de investir no exterior continua, de acordo com especialistas. Eles afirmam que os brasileiros evoluíram como investidores globais, acessando BDRs, ETFs e fundos de gestores do mundo todo por meio de bancos e corretoras do Brasil, e que devem seguir nesse caminho, independentemente do momento.

“A recomendação de diversificação no exterior é estrutural e veio para ficar, até para investidores com menos dinheiro. O primeiro cenário internacional de dificuldade não deve fazer as pessoas demonizarem esses investimentos”, afirma Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos da XP. “Os brasileiros deveriam estar calejados e entender que cenários são cíclicos, pois se há um país que passa por crises, é o Brasil”, diz.

É hora de cautela

Entretanto, boa parte dos especialistas diz que o cenário exige cautela, ou seja, é bom evitar exagerar em compras e vendas de investimentos estrangeiros. Assim, quem ainda não investe no exterior pode começar aos poucos e quem já investe deve manter ou diminuir a parcela, se tiver exagerado conforme os seus objetivos e perfil. Em resumo: não é hora de ir com muita sede ao pote.

O que fazer com os investimentos internacionais?

Alguns especialistas indicam que dá para diversificar mais a carteira internacional, fazendo rebalanceamentos conforme o momento, mas sem abandonar ativos. Além de ações, eles citam ativos alternativos, atrelados à commodities e energia, e renda fixa. Os brasileiros podem acessar esses investimentos por meio de BDRs, ETFs e fundos de ações e multimercados, ou abrindo conta em uma corretora dos Estados Unidos.

Sgavioli, da XP, afirma que cautela é uma boa palavra para os investidores lembrarem agora. Ele compara os riscos econômicos da guerra à uma nuvem escura no mar. “Imagine que você está em um barco à vela e avistou uma chuva à frente, ainda distante, que pode se aproximar ou se dissipar. Você não vai acelerar o barco, nem recolher todas as velas, assim como não vai se arriscar demais em investimentos, nem abandoná-los ”, diz. Sgavioli sugere que os investidores, com exceção dos mais conservadores, tenham entre 11% e 35% da carteira com exposição ao exterior, dividida entre ações, ativos alternativos e renda fixa.

Nicholas McCarthy, responsável pela estratégia de investimentos para clientes do Itaú Unibanco, também afirma que está cauteloso em relação ao mercado internacional. Ele não aconselha nem aumentar, nem diminuir os investimentos no exterior agora. McCarthy indica dividir a carteira internacional entre renda variável e renda fixa, pensando em um prazo entre 18 e 24 meses.

“Tomar decisões de investimentos depois que a guerra começou é muito difícil. Quem não fez nada com as suas aplicações nos Estados Unidos está se recuperando”, afirma. “Achamos que algo tem que mudar sempre e temos dificuldade de entender que a economia é mais um transatlântico do que um Mini Cooper, andando um pouquinho mais à esquerda, depois um pouquinho mais à direita”, diz.

Já Renato Breia, sócio-fundador da casa de análises Nord Research, é mais cauteloso com o Brasil e menos com o exterior. Ele afirma que é uma boa hora para os investidores começarem a ter investimentos internacionais ou para aumentar a parcela desses ativos na carteira, se estiverem menos alocados do que gostariam. “As pessoas acham que agora não é uma boa hora para investir no exterior porque as bolsas de Nova York e o dólar caíram, mas os investimentos devem ser pensados de forma contracíclica. Quando todo mundo acha que não é um bom momento, aí sim é uma boa hora”, diz.

Ele avalia que a eleição pode trazer riscos e que a economia do Brasil não está entre as mais fortes do mundo, diferente da dos Estados Unidos, apesar do cenário mais difícil. “Nesse sentido, investir no exterior é mais conservador do que deixar o dinheiro em uma economia mais frágil na crise”, afirma.

Ter ou não ETF de S&P 500?

Um dos jeitos mais fáceis e baratos de investir no exterior é por meio de ETFs. Apesar do cenário mais complicado esperado, boa parte dos especialistas continua aconselhando ETFs de S&P 500 (o IVVB11 é o mais negociado), que acompanham a carteira do principal indicador de ações de Nova York, para os investidores que desejam começar a investir no exterior ou aumentar a parcela da carteira.

“Para os investidores leigos, o melhor é comprar IVVB11, faça chuva ou faça sol. Em um período de 15 anos, o retorno de 90% dos ativos perde para o do S&P 500”, afirma Alberto Amparo, responsável pela análise internacional na Suno Research. Na avaliação dele, a maioria dos fundos que compram ações no exterior cobram taxas de administração caras para o que entregam.

Outra alternativa é comprar BDRs de companhias do exterior diretamente na bolsa brasileira. Contudo, os especialistas afirmam que investir nesses recibos de ações é mais difícil do que em ETFs ou fundos que investem no exterior, porque exige mais conhecimento para escolher as empresas. “BDR é uma opção de bem mais alto risco”, afirma Fernando Siqueira, executivo responsável pela área de análise da Guide Investimentos.

Outras alternativas de renda variável

Os fundos de ações e multimercados que investem no exterior caçam as oportunidades globais em momentos difíceis e há produtos de gestoras do mundo acessíveis nas plataformas de investimentos brasileiras, destaca Siqueira. Contudo, esses produtos costumam cobrar mais caro que os ETFs pela gestão ativa e o investidor precisa entender como o fundo investe antes de comprar.

Sgavioli, da XP, aconselha aumentar os investimentos em ETFs ou fundos de ações e multimercados atrelados a commodities e energia, por exemplo. Esses produtos compram ações de companhias ligadas a esses ativos, acompanhando ou não a carteira de um indicador.

“Aconselhamos aumentar os investimentos em ETFs ou fundos ligados a commodities ou energia nesse ambiente de inflação e juros mais altos desde novembro e continuaremos nessa direção. Os ativos reais têm valor intrínseco e tendem a se valorizar nesse cenário”, afirma.

Criptomoedas: ainda polêmicas

Outra alternativa de investimento no exterior são os ETFs ou fundos de criptomoedas. O segundo ETF atrelado a um índice internacional mais negociado na bolsa brasileira é o HASH11, da gestora Hashdex. O produto replica um indicador de criptomoedas da Nasdaq. Contudo, esses investimentos ainda são polêmicos. “Recomendo não comprar nada de criptomoedas. Historicamente, as pessoas acham que investir em inovação é uma boa ideia, mas não é. É especulação”, afirma Amparo, da Suno.

Renda fixa dos EUA com a alta de juros

Alguns especialistas aconselham investir uma parcela da carteira de investimentos no exterior em renda fixa nos Estados Unidos com o objetivo de diminuir o risco, mas essa indicação não é uma unanimidade. Com a expectativa de alta de juros nos EUA, os títulos de renda fixa tendem a dar retornos mais altos. Contudo, o aumento de juros acabou de começar. “Acho que vale a pena esperar. A renda fixa dos Estados Unidos ainda rende muito pouco”, afirma Siqueira, da Guide Investimentos.

Além disso, ainda é difícil para os pequenos investidores brasileiros acessarem os títulos de renda fixa dos Estados Unidos, sem uma plataforma como a do Tesouro Direto do Brasil. Dá para investir nesses papéis por meio de fundos que investem no exterior, mas a maioria ainda é direcionada para investidores qualificados, que possuem acima de R$ 1 milhão em aplicações financeiras.