Com queda da bolsa e do real, investidores buscam proteção no dólar e euro. Mas vale a pena?

Ibovespa acumula perdas, e moedas fortes registram ganhos

Desde o fim da eleição presidencial no Brasil, as especulações a respeito da política fiscal adotada no novo governo vêm penalizando a bolsa. De um mês pra cá, o Ibovespa acumula perdas na casa de 6%. Simultaneamente, moedas fortes como o dólar e euro acumulam ganhos expressivos no mês. O resultado disso foi uma alta na procura de aplicações no exterior e nas próprias divisas por parte dos investidores.

No último mês, esse movimento foi sentido tanto por bancos tradicionais, como é o caso do Santander, quanto por plataformas que oferecem investimentos no exterior, como a corretora Avenue.

Segundo especialistas, a combinação de bolsa brasileira caindo e dólar subindo foi um dos principais motivadores dessa tendência, que passou a ser vista como uma forma de proteção para os investidores.

Por que a bolsa e o real caíram?

O cenário de desvalorização do Ibovespa e do real é parcialmente explicado pelas incertezas geradas na transição de governo, segundo William Castro, estrategista-chefe da Avenue.

Isso porque, até agora, pouco se sabe sobre o nome cotado para assumir o Ministério da Economia. Além disso, as sinalizações de um possível furo no teto de gastos do orçamento do próximo ano ajudam a incrementar ainda mais a aversão aos ativos de risco no Brasil.

O resultado disso é uma migração dos investidores para ativos considerados mais seguros, o que faz com que a bolsa caia.

Além de penalizar a bolsa, essas incertezas também fazem efeito no câmbio, especialmente em um momento em que os juros nos Estados Unidos e Europa estão mais altos. Isso porque, com juros maiores por lá, os títulos públicos desses países (considerado mais seguros do que o Brasil) rendem mais. Assim, investidores preferem sair de mercados mais arriscados para investir em outros mais seguros, principalmente quando esses ativos estão com uma rentabilidade maior.

“A valorização do dólar tem acontecido não só contra o real, como contra em outras moedas, inclusive as desenvolvidas, como euro e a libra. O real, inclusive, vinha se destacando desse movimento de queda das outras moedas em relação ao dólar por conta do boom das commodities, que trouxe dinheiro estrangeiro para cá. Porém, nas últimas semanas, tivemos o ambiente político criando uma volatilidade maior no mercado brasileiro e no real, e aí ele foi numa direção que as outras moedas já tinham ido, de queda”, afirma Gustavo Aranha, sócio e diretor de distribuição da GeoCapital, gestora especializada em ações no exterior.

Mas afinal, investir em dólar ou euro é um bom negócio?

Leonardo Siqueira, superintendente de investimentos do Santander, conta que há cerca de três meses as remessas de dinheiro para o exterior entre os clientes do banco aumentaram. De um mês pra cá, esse movimento ganhou ainda mais tração. Apesar de concordar que diversificar o portfólio com ativos de outros países é uma boa estratégia, o executivo afirma que é preciso entender qual é a melhor forma de fazer isso.

“Investir direto na moeda, por exemplo, não faz tanto sentido. Primeiro porque você paga uma taxa para comprar essa moeda. Mesmo se for em uma conta de pagamentos que você ‘abastece’ em dólar, há um custo embutido nisso”, explica Siqueira.

Para o executivo, caso a pessoa queira investir diretamente em uma divisa, a melhor opção é um fundo cambial. “O fundo cambial funciona assim: dentro dele há vários títulos públicos e derivativos daquela moeda. Então, ele ganha os juros dos títulos públicos mais a variação da moeda. Então faz muito mais sentido comprar, por exemplo, dólar mais alguns juros do que só dólar”, diz.

Gustavo Aranha, da GeoCapital, afirma que a melhor estratégia é dividir a carteira de modo que uma parte do investimento seja em real e outra parte esteja em outra moeda. A ideia é ter rendimento nos ativos que estão nas duas carteiras ao invés de ter rendimento meramente com a valorização cambial.

“O desafio é não ficar misturando as carteiras. Não se pode pensar ‘tenho US$ 1 mil, que são R$ 5 mil ‘, e sim pensar como se fossem dois portfólios diferentes e buscar rentabilidade em ambos”, afirma o executivo. Dessa forma, o investidor teria determinados ativos na carteira em real e outros na carteira em dólar e, assim, ficaria exposto a mercados e dinâmicas diferentes. “Porque pense, ter dólares e não fazer nada com isso é a mesma coisa que ir na casa de câmbio, comprar US$ 100, guardar na gaveta e pensar ‘eu investi’. Mas você simplesmente tem aquela moeda, não está realmente investindo”, diz.

Segundo o executivo, uma parte “dolarizada” da carteira pode ser composta por fundos de ações globais em dólar, que não precisam da abertura de uma conta no exterior. “É como se fosse um BDR. Você investe aqui no Brasil, em reais, mas a valorização desses fundos são a do dólar mais o retorno do próprio fundo. É difícil para o cliente entender que é dólar, porque no extrato está em reais, mas na prática, ele ‘dolarizou’ parte do seu portfólio”, afirma.

Outra alternativa é o investimento direto no mercado exterior, por meio de plataformas que oferecem esse tipo de serviço, como é o caso da Avenue. Segundo William Castro, estrategista-chefe da companhia, este tem sido um bom momento para investir em renda fixa no exterior, especialmente nos EUA, justamente pela alta dos juros por lá.

“Os clientes ultimamente têm procurado garantir a alta do dólar mais 5% ou 6% ao ano e isso tem sido possível e já é um rendimento maior do que o CDI (Certificado de Depósito Interbancário, taxa de juros utilizada nos empréstimos entre os bancos e usada como principal índice dos investimentos de renda fixa, sua variação acompanha de perto a taxa Selic)”, afirma o executivo.

Ele destaca, no entanto, que o mercado americano é muito amplo e a estratégia deve variar de acordo com o perfil de cada investidor. “Para quem quer tomar mais risco, pode investir em ações [de empresas americanas], pensando em um horizonte maior”, afirma.

Seja qual for o instrumento escolhido, o que os especialistas destacam é a necessidade de diversificação. “A gente sempre recomenda ter um portfólio diversificado. E ‘dolarizar’ um pouco da carteira é importante. E isso pode ser feito no Brasil, por meio de ativos atrelados a moedas ou mesmo com plataformas que acessam mercado lá fora. A melhor escolha varia de perfil para perfil”, afirma Igor Cavaca, principal executivo de gestão de investimentos da corretora Warren.

Segundo o executivo, há também quem procure proteção em commodities metálicas, especialmente no ouro, como aconteceu em 2020. Ele afirma, no entanto, que esse é um movimento mais comum quando há muita incerteza. Além disso, com o cenário de juros altos, os investidores têm preferido investir em renda fixa.

“Quando olhamos para ouro e outras commodities metálicas o efeito ainda não está tão claro. O fato de termos uma renda fixa cada vez mais atrativa nos EUA, faz com que o título do tesouro norte-americano remunere melhor que o ouro”, afirma. “Commodities metálicas são ativos mais usados quando há muita incerteza ou choques, como em 2020, ano em que o ouro subiu muito. Mas agora, dado que temos títulos também usados com reservas remunerando muito melhor, esse ativo tende a ter menos demanda”, afirma.

Brasil x exterior

Há ainda quem acredite que em um momento como o atual, é possível “se proteger” por meio do próprio mercado local. Leonardo Siqueira, do Santander, afirma que o banco tem projeções melhores para o país do que para o exterior, por exemplo.

“Os juros no Brasil estão em 13,75% ao ano, e nos EUA estão em torno de 4%. Então, o daqui é muito maior”, afirma o especialista. Para ele, os títulos públicos locais poderiam ser uma alternativa de proteção para a carteira tão ou melhor do que as de outros países. “Expatriar dinheiro para ganhar 4% ao ano enquanto pode ganhar 13% aqui não faz sentido”, completa.

Ele ainda afirma que as perspectivas para os ativos de renda variável são melhores no Brasil do que no exterior. “O consenso da Bloomberg mostra uma projeção de alta de 13% para o S&P em 12 meses. Para o Ibovespa, a projeção é de 36%”, diz.

Cavaca, da Warren, também afirma que eles estão mais otimistas com o mercado local do que com o exterior. “Hoje, quando olhamos o cenário internacional versus o brasileiro, estamos mais posicionados em Brasil do que fora. Justamente porque o Banco Central do Brasil fez uma política monetária contracionista antes de todo mundo”, afirma. Ele pondera, no entanto, que o cenário político pode trazer mais riscos.

De todo modo, o especialista destaca que, independentemente do contexto, é fundamental manter a diversificação no exterior. A opinião é compartilhada pelos demais. O tamanho dessa diversificação na carteira, no entanto, depende do perfil do investidor.

Para William Castro, da Avenue, “quanto mais, melhor”. “Se você olhar a fortuna dos maiores bilionários brasileiros, quem têm menos alocação no exterior tem na casa dos 70%. Os clientes de maior poder aquisitivo têm muito. Então, eu diria que não é 5% nem 10%, é 30% ou mais”, afirma. Para Siqueira, do Santander, a recomendação é de 5% de alocação no exterior.

O importante, segundo os especialistas, é que o investidor “aplique certo”, respeitando seu perfil de investidor, objetivos e buscando o máximo de informações possíveis sobre os ativos e mercados que está exposto.