CVM não deve mudar regras de abertura das carteiras de fundos

Gestores devem divulgar mensalmente as carteiras, com até dez dias de defasagem
Pontos-chave:
  • Gestores acham que a inteligência artificial não impede que eles sejam copiados
  • Fundos quantitativos têm R$ 20 bilhões sob gestão

A CVM não deve mudar as regras de abertura de carteiras de fundos. Pelo menos não no curto prazo. Depois de a empresa Smart Money Brasil começar a vender o serviço de abertura da carteira dos fundos de investimento mais renomados do mercado, na virada do ano foi listado na B3 um ETF que está dando o que falar: o GURU11, criado pela Teva Índices, em parceria com a Inter Invest e a EQI.

O objetivo do GURU11 é replicar a carteira dos melhores fundos de ações num período de cinco anos. Nessa sua primeira formação há entre 10 e 11 carteiras de conhecidas gestoras de recursos como Leblon Equities, Dynamo, Investidor Profissional (IP), Kapitalo, Pátria, Bogari, AZ Quest, Opportunity e Tempo Capital. Esses gestores só conseguem ser copiados graças à junção de dois elementos: a divulgação das carteiras no site da CVM e os algoritmos.

O que diz a lei

Pela regra da CVM, os gestores devem divulgar mensalmente a carteira dos seus fundos, com até dez dias de defasagem. No entanto, eles podem “esconder” algumas informações por até 90 dias, com algum argumento plausível, como por exemplo, ainda estar montando uma nova estratégia de investimento. Além disso, há a divulgação diária das cotas dos fundos, o que aumenta ainda mais a transparência dessas carteiras. De posse dessas informações, que são públicas, e com o uso de algoritmos é possível replicar tais carteiras e conseguir os mesmos desempenhos que elas. É exatamente isso que a Teva Índices se propôs a fazer com o GURU11.

Entre essa dezena de gestores cujas carteiras estão sendo replicadas pelo GURU11 há alguns bastante incomodados. Eles argumentam que gastam tempo, dinheiro, estudos de uma infinidade de informações e a contratação de grandes equipes de análise para conseguirem chegar em ações que julgam que serão os grandes destaques na Bolsa nos próximos meses. Daí montam as posições dos fundos nessas ações que, se tudo der certo, proporcionarão bons ganhos aos seus cotistas.

Só que agora, com a criação do GURU11, todo esse tempo, trabalho e dinheiro são facilmente “copiados”, sem nenhum tipo de pagamento de royalties ou direitos de propriedade intelectual, o que não parece justo, na visão desses gestores. Segundo pessoas envolvidas nessa discussão, eles estudam a possibilidade de processar na Justiça os envolvidos (Teva Índices, Inter Invest e EQI) na criação do GURU11 exatamente por apropriação de propriedade intelectual.

No entanto, a outra frente de atuação desses gestores, e que eles julgam ser a mais importante, é junto à CVM, no sentido de mudar as regras de divulgação de informação das carteiras. Eles argumentam que a regra brasileira leva os gestores e suas posições a uma exposição excessiva e que o melhor seria se a divulgação dos dados passasse a ser parecida com o que já acontece nos Estados Unidos.

Mudanças em discussão

Os gestores estão discutindo os parâmetros das divulgações de informações dos fundos com a CVM há algum tempo, mesmo antes desse ETF ser criado. Como resultado dessas conversas, em 2020 a autarquia já fez algumas mudanças no sentido de dificultar a “cópia” das carteiras. Entre as mudanças, os gestores passaram a poder divulgar as posições em ações em cifras arredondadas, sem a necessidade de ter a última casa depois da vírgula e também foram autorizadas a divulgar a posição total do fundo nas ações A, B, C, D, sem dividir por ativo e nem dar o nome do papel.

Os gestores aprovaram as mudanças, mas acham que, com a tecnologia dos algoritmos e da inteligência artificial, elas não são suficientes para que eles possam ficar tranquilos de que não serão copiados. Bom, a criação do GURU11, a despeito de todas essas mudanças, comprova que de fato ainda é possível replicar as carteiras.

Segundo fontes a par do assunto, a CVM ouviu o pleito dos gestores, as sugestões deles, mas parece estar bastante resistente em fazer qualquer outro tipo de mudança na regra de fundos, no sentido de tornar a divulgação das informações menos frequente ou menos transparente para o cotista. Para a autarquia, tal movimento seria um retrocesso na transparência da indústria brasileira de fundos, o que o órgão não tem o menor interesse em promover.

Para Gabriel Verea, presidente da Teva Índices e um dos responsáveis pela criação do GURU11, a mudança na divulgação dos fundos, no sentido de reduzir a frequência de acesso aos dados, seria um claro movimento de redução também da transparência do setor. “O investidor só tem a ganhar quanto maior for a transparência daquilo que ele investe. Eu confio na CVM e imagino que ela irá ouvir o mercado antes de tomar qualquer atitude. E acho que boa parte do mercado também é a favor do maior nível de transparência”, diz Verea.

Sobre a possibilidade de os gestores que têm suas carteiras replicadas pelo GURU11 irem à Justiça com o argumento de apropriação de propriedade intelectual, Verea contra-argumenta que a montagem de uma carteira de ações não é passível de registro, portanto, não faria sentido dizer que uma estratégia de investimento é uma propriedade intelectual.

O que é o GURU11

Com apenas 15 dias de captação, o GURU11 já possui 2.200 cotistas e um patrimônio líquido de cerca de R$ 40 milhões, o que representa uma aplicação média por cotista de R$ 18 mil, valor abaixo das cifras que os investidores costumam aplicar nesse seleto grupo de uma dezena de gestores.

Por que isso é importante para você?

Os fundos quantitativos, baseados em algoritmos, já têm R$ 20 bilhões sob gestão. Eles trabalham não apenas com ordens de compra e venda. Os robôs ajudam os gestores humanos na gestão do dinheiro dos investidores. Quem já tem renda variável, por exemplo, na carteira precisa ficar de olho nessa tendência. A participação dos algoritmos no mercado financeiro nos próximos anos só tende a crescer. 

Com reportagem do Valor Investe