Sergio Vale: ‘Problema de crédito não será resolvido com mágica’

Economista-chefe da MB Associados avalia que governo Lula precisa ter paciência se quiser colocar a economia no eixo

O caso Americanas (AMER3) foi a ‘cereja do bolo indigesta’ que elevou o alerta para o problema de crédito no Brasil. A avaliação é de Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Depois que a varejista revelou um rombo contábil bilionário – e entrou em recuperação judicial, a cena corporativa foi inundada por outras notícias de companhias que estão em sérias dificuldades ou até mesmo correndo o risco de fechar as portas.

Em entrevista à Inteligência Financeira, Vale aponta que o principal reflexo é que os bancos passaram a provisionar mais dinheiro contra potenciais calotes e estão mais receosos para fazer empréstimos.

2023 difícil

O economista destaca que o cenário é efeito de “uma crise econômica contínua que se arrasta há quase dez anos” e que se deteriorou recentemente com os juros altos e a inadimplência recorde entre os consumidores. As pessoas, reforça ele, “estão sufocadas” e direcionando seus gastos para itens básicos.

“O fato de o bancos estarem mais precavidos depois do episódio Americanas coloca uma dificuldade adicional para as empresas”, afirma. “A tendência é que a tomada de crédito continue difícil até sinais claros de que a economia está melhorando”, acrescenta.

O economista da MB Associados aponta que a perspectiva preocupante pode mudar se o governo Lula tiver paciência e baixar a temperatura em embates, como o observado contra a atuação do Banco Central.

“O problema de crédito não será resolvido com mágica”, afirma. “Se o governo tiver paciência para aprovar a reforma tributária e apresentar uma regra fiscal confiável e duradoura, que sinalize um controle de gastos, o ambiente pode ficar mais favorável.”

Caminho para Selic começar a cair

Sergio Vale reitera que as falas de Lula contra o BC contribuíram para piorar as expectativas macroeconômicas. “A autoridade monetária já vinha sinalizando no ano passado que poderia cortar os juros no segundo trimestre de 2023”, lembra. “Os ruídos políticos elevaram as projeções para a inflação no boletim Focus com o risco de uma piora fiscal e fizeram com que muitos agentes financeiros passassem a ver pouco espaço para a redução da Selic este ano.”

A reoneração dos combustíveis e a apresentação do novo arcabouço fiscal, prevista para o mês de março, trazem mais estabilidade, considera o economista-chefe da MB Associados. Ele não vê a possibilidade de o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) já baixar os juros na reunião deste mês (dias 21 e 22), mas não descarta uma sinalização de que o ciclo de cortes pode começar antes do esperado.

“A nossa expectativa ainda está em redução dos juros apenas no terceiro trimestre, com a Selic fechando 2023 em 12,25%”, destaca. “Cair antes disso, no segundo trimestre, vai depender de um esforço do governo no âmbito fiscal e de que o BC tenha sinais claros sobre o controle da inflação”, afirma.

Como o investidor pode lidar com o cenário?

Diante de uma perspectiva de juros ainda altos, economia em desaceleração, consumidores arredios e empresas com dificuldade para tomar crédito, Sergio Vale continua vendo o Tesouro Direto como “um porto seguro” para os investidores.

Para quem busca uma exposição maior a riscos na bolsa de valores, o economista diz que é preciso ter cautela com os setores mais impactados por essa paralisia econômica, como varejo e serviços. “As commodities continuam sendo grandes vedetes com potencial de crescimento”, avalia.

A boa notícia com o novo governo, na visão do economista, é que o setor de energia renovável ganhou relevância com a mudança na questão ambiental.

“O investidor estrangeiro tem olhado muito e pode trazer resultados positivos olhando para frente”, completa Vale.