Lula chegou e você saiu da bolsa? Cuidado com as emoções ao investir

Investidores mandam dinheiro para os EUA e apostam no dólar por medo, não por um movimento estratégico

A entrada de um novo governo no dia 2 de janeiro levou a um movimento de liquidação na bolsa de valores brasileira. Muitos investidores se estressaram com papéis expostos aos riscos políticos e, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de volta à Presidência da República, decidiram sair total ou parcialmente da B3.

Seja por percepção de que a economia iria piorar com Lula ou por aversão ao risco político, muitos investidores acharam melhor sair da renda variável do que “pagar para ver”. Mas é preciso muito cuidado na hora de adotar novas posições com as finanças, dizem especialistas.

Com Lula, investidora abandonou a bolsa e apostou no dólar

A brasileira Eva (que prefere não ter seu nome completo revelado) mora nos Estados Unidos.

Eva sempre foi rentista da poupança, ressaltando seu jeito “simples” de investir — sem sofisticações ou investimentos ousados, grandes apostas no ativo do momento.

No entanto, depois de perceber que a poupança perdia para a inflação (até outubro de 2022), passou a investir no mercado de ações em 2019. Para a brasileira, a economia do país estava indo bem e não havia margem para pessimismo.

Mesmo com a pandemia, Eva não ‘stopou’, como dizemos no jargão do mercado. Não abandonou a bolsa de valores em momentos críticos da covid-19, mas a eleição de Lula foi a gota d’água.

“Provavelmente o Brasil vai sofrer com a economia por causa de uma mudança de governo que tem uma mentalidade socialista e que vai atacar a iniciativa e a propriedade privada”, acredita a investidora.

Então, ela abandonou a bolsa de valores depois da posse de Lula, no dia 2 de janeiro. Eva liquidou completamente sua posição na B3, mesmo com perfil mais conservador e, segundo ela, investindo em ativos mais seguros da bolsa. “Eu não quero correr riscos na vida financeira, não vou esperar para ver”, diz Eva. Resolveu, no lugar, migrar a maior parte do patrimônio para o mercado cambial, investindo em dólar.

Eva escolheu o dólar porque, segundo ela, era um investimento mais fácil e com maior liquidez. “Mesmo que o dólar tenha alta ou baixa, é mais fácil se recuperar de um período ruim do que a bolsa”, aponta. Eva identificou o que chamou de “estabilidade momentânea” da moeda americana.

Por que os investidores fugiram das estatais?

O assessor da Dom Investimentos, Felipe Molinari, também observou um movimento de fuga da bolsa de valores após a eleição de Lula à presidência.

O risco político no preço dos ativos a partir do 2º turno das eleições de 2022 começou a incomodar muitos clientes, que manifestaram desejo de stopar na B3.

As principais dores de cabeça eram as ações das estatais, diz Molinari. Isso porque a perspectiva de eleição de Lula desanimava principalmente os investidores de Petrobras (PETR3;PETR4).

“A maioria dos clientes posicionados em Petrobras ficou bastante preocupado, assim como com as demais estatais”, explica Molina. Banco do Brasil (BBSA3) foi outra dor de cabeça dos clientes.

Para defender investidores, a Dom diminuiu a exposição dos investidores aos papéis da bolsa ligados ao risco político, e iniciou operações de estrutura de derivativos para proteger clientes dos preços oscilantes.

A movimentação entre investidores começou no final do ano, a partir do início do 2º turno, relata Molina. Ele destaca que, geralmente, o perfil das pessoas que saíram da bolsa de valores com Lula é mais de direita e conservador.

“Tem clientes muito de direita, pessoas bastante conservadoras que acreditam no apocalipse e que queriam segurança de estar totalmente fora do risco, alocaram em renda fixa.”

“Algo que aconteceu também foi a aceleração de retirar o capital do país. Muitos clientes levaram seu capital daqui e levaram para os Estados Unidos. O investidor acha que está protegendo as finanças e a família, abrindo conta corrente internacional e investindo em fundos, ETFs [Exchange Traded Funds] ou bonds”, diz Molinari.

Investimentos milionários no mercado imobiliário… americano

Um financiador de imóveis brasileiro que mora em Orlando afirma que, desde a eleição, cada vez mais empresários tem migrado o patrimônio do Brasil para os EUA. Principalmente para investir no mercado imobiliário americano.

A fonte, que não quis se identificar, afirma que um de seus clientes, por exemplo, transferiu para os EUA um patrimônio de R$ 1 milhão que veio da bolsa de valores.

Com a entrada de Lula no Planalto, movimentos desse tipo “aumentaram tremendamente”, diz o agente. O destino das aplicações é o mercado imobiliário dos EUA, onde esses investidores procuram construir um patrimônio de longo prazo. No caso do cliente que investiu R$ 1 milhão, o objetivo é conquistar fundos para a aposentadoria.

“Tem corretores americanos que vem ao Brasil e apresentam propostas aos investidores que querem ‘dolarizar’ o patrimônio. Depois da mudança do governo isso parece que explodiu”, relata o financiador imobiliário

Dolarizar todo o patrimônio, no entanto, é um risco.

Sair da bolsa com Lula é um erro?

Ruídos políticos sempre fizeram preço em alguns ativos da B3, e essa não é uma exclusividade do governo Lula.

O dólar sempre foi considerado um bom investimento para alocar parte do patrimônio, mas não todo. Nesse sentido, o investidor deve evitar “radicalismos”, afirma Felipe Molinari.

Afinal, apostar no dólar, como fez Eva, expõe o rentista a novos riscos. “Hoje, a inflação global está disparada, inclusive nos EUA. O país está no teto de emissão de títulos públicos, porque imprimiu dinheiro durante a pandemia e está pagando a conta agora”, afirma o assessor da Dom Investimentos. Se houver algum tipo de calote ou rolagem da dívida americana, Eva poderia ver o patrimônio em dólar derreter.

Vale destacar que, em janeiro, o real foi a moeda que mais se valorizou ante o dólar americana no mundo.

Além disso, destaca Molinari, existem empresas de capital aberto na bolsa que ganham com a alta do dólar.

“Nem depois da posse do Lula vale a pena [sair da bolsa de valores]. É preciso tirar a emoção da estratégia de investimentos, mesmo que o mercado seja impulsivo”, diz.

Ao investidor mais preocupado com o ruído político, o assessor recomenda uma reestruturação de portfólio baseada na análise de ações negociadas na B3 e nos segmentos em que a empresa atua, como de energia, petróleo e gás natural.

Desde a posse de Lula, o Ibovespa acumula alta de 3,49%, de 3.710,50 pontos. “Se você tira tudo da bolsa de valores e ela anda, você perdeu o timing”, finaliza Molinari, alertando que o alto grau de risco político pode ser usado como oportunidade por investidores ‘sangue frio’.