Lulês para investidores: como falas do presidente impactam seus investimentos?

Lei das Estatais, independência do BC, reformas; saiba como discuros de Lula afetam a economia e o mercado financeiro e como se proteger do 'lulês'

Lula tem uma série de apelidos irônicos para se referir ao mercado financeiro.

Por vezes, adjetivou a Faria Lima como “sensível”, ou até empregou status divino ao “grande Deus mercado”.

Desde antes da posse do novo governo, contudo, a relação entre o presidente e agentes econômicos da bolsa tem sido turbulenta.

O presidente tem feito uma série de discursos que sinalizam mudanças e guinadas constitucionais que são mal vistas pelo mercado. Mudar a independência do Banco Central — como ele sinalizou nesta quinta-feira —, as modificações na Lei das Estatais e alterações em reformas são alguns dos pontos nevrálgicos que fazem o Ibovespa despencar para baixo.

Toda vez que Lula fala, a bolsa reage. A cada sílaba, investimentos caem e sobem como em uma gangorra. A volatilidade política do petista tem um dicionário, por mais imprevisível que seja, segundo investidores ouvidos pela Inteligência Financeira.

Perfil de Lula surpreendeu mercado financeiro?

O Lula com a faixa da presidência está diferente do Lula da campanha eleitoral, apontam economistas e investidores ouvidos pela reportagem.

Ao mesmo tempo em que não surpreende ninguém o presidente ser de esquerda e tomar medidas seguindo seu viés ideológico, era esperado uma postura mais austera no fiscal.

Conforme a situação fiscal do Brasil, a expectativa era de que, com a eleição, Lula tem mostrado discurso “um pouco diferente” de quem precisa controlar gastos, avalia Juliana Inhazs, economista do Insper.

“Acho que ninguém esperava um Lula diferente do que ele é. Ele não é liberal. Mas era aguardado a postura de um ‘Lula de 2003’, mas o presidente está muito mais [com a postura] à esquerda. Já o mercado apostava em uma forma moderada”, diz a economista, ressaltando que, contudo, “não houve estelionato eleitoral” — Lula nunca sinalizou que iria abaixar a cabeça para a Faria Lima.

O lulês e a bolsa de valores

Irreverente ao mercado financeiro, Lula tem feito discursos que pressionam não só a bolsa de valores como indicadores da economia, como os juros.

De forma geral, agenda do mercado financeiro costuma estar mais alinhada com governos de políticos de centro-direita, seguindo uma cartilha de menor participação do Estado na economia e maior controle de gastos, afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos.

“Contudo, precisamos entender que não são as ideologias que estão por trás da formação de preço. Tampouco o ruído político”, afirma. Contudo, as falas de Lula aumentam a incerteza sobre a agenda do do governo. E disso o mercado não gosta nem um pouco. “Os temas de prioridade do governo são conceituais, e não necessariamente práticos”

“Quando vemos que uma fala de um de um presidente ou de um político impacta no mercado, é porque a fala está muito atrelada às expectativas que se constroem sobre previsões para o futuro. E leva-se em conta uma série de fatores que podem, no final das contas, estarem certo ou errado”

Simone Pasianotto

O agente do mercado financeiro brasileiro enxerga o futuro de uma forma mais pessimista do que a média, diz a investidora. É como se Lula, nesse sentido, jogasse gasolina na pira do mau-humor.

Governo Bolsonaro também tinha risco político

Mas o ruído político não é exclusivo a Lula. Flávio Aragão, estrategista-chefe e sócio da 051 Capital, lembra que o mercado também reagia mal a Jair Bolsonaro em suas transmissões ao vivo na quinta-feira.

“Até um certo ponto, o mercado sempre reagia mal às live do Bolsonaro”, afirma Aragão. “Mas houve uma mudança na reação depois que os agentes perceberam que Bolsonaro não faria muito do que ele se propunha a fazer”, complementa. O investidor acredita que algo parecido está ocorrendo com Lula.

“Os discursos do Lula vão influenciar [o mercado financeiro] desde que o mercado entenda o que é ou não é provável de ser aprovação dentre as pautas abordadas”, aponta o sócio da 051 Capital.

Entre Lula e mercado financeiro, o que é sensível?

No vai-e-vem do Ibovespa, o lulês tem discursos mais sensíveis do que outras. O que mais preocupa o mercado no dialeto do petista, segundo Flávio Aragão, são falas sobre:

  1. Política de preços da Petrobras: o discurso sobre mudança nos preços praticados pela estatal para “abrasileirar” o custo da gasolina deve voltar com mais força. Em cerca de um mês, vence o prazo de validade da MP sancionada por Lula que prorroga a desoneração sobre os combustíveis. Até agora, houve um reajuste no preço da gasolina no governo Lula, mas há a preocupação de que, se o custo do barril de petróleo aumentar, o governo intervenha nos preços novamente.
  2. Lei das Estatais: O governo Lula planeja fazer mudanças na legislação aprovada à luz de escândalos de executivos da Petrobras em 2016. Se houverem alterações na Lei das Estatais, ações de Petrobras (PETR3;PETR4) e BB (BBSA3) na bolsa devem despencar.
  3. Reforma trabalhista: Para Aragão, o governo Lula deve alterar trechos na reforma para beneficiar trabalhadores autônomos por aplicativo. A mudança deve impactar negativamente o mercado.
  4. Reforma tributária: Mudanças na legislação tributárias são bem recebidas pelo mercado, assim como a taxação de dividendos. O que pode fazer pressão nos ativos é a criação de um imposto sobre grandes fortunas.

Banco Central também é tema sensível

Outro ponto sensível do discurso de Lula é acabar com a independência do BC. Toda vez que toca no assunto, o presidente faz críticas à autonomia da autoridade monetária.

Nesta quinta, Lula disse que não existe nenhuma razão para a taxa de juros estar em 13,75% [ao ano]”, e afirmou que vai “cobrar” a instituição pelo nível atual da Selic .

“Isso obviamente abala o mercado no sentido de que tivemos uma evolução com a independência do BC. A volta dessa medida é considerada um uma regressão até no ponto de vista institucional”, diz Paulo Luives, assessor da Valor Investimentos.

Ativos da bolsa que podem cair com discursos de Lula

A renda variável acaba sofrendo impacto negativo com os discursos de Lula pelo aumento nos prêmios de risco dos ativos.

O aumento da taxa de juros futuros provocado pelo ruído político de Lula leva ao aumento dos preços. Por exemplo, se a duration de um investimento — tempo médio em que um investidor espera para sacar os lucros — é de 10 anos e a taxa de juros é de 1% a.a., o reajuste do prêmio de risco será de 10%. Isso prejudica ativos de maior risco e com duration mais longa, como as small caps, afirma Aragão.

“E o prêmio de risco aumentou bastante porque Lula fez discursos fora da realidade do país.”

De acordo com Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, os mercados de câmbio e commodities, em especial o metal, são ativos de alta liquidez e risco, também sensíveis ao ruído político.

Discursos de Lula afetam economia?

Quando Lula fala, há um sinal claro de que o governo não pretende diminuir os gastos sociais a favor da responsabilidade fiscal.

A gastança do governo aberta pela PEC de Transição e os discursos de Lula indicam que pode haver um aumento da dívida da União para bancar projetos sociais e de desenvolvimento. Por sua vez, isso pode obrigar o BC a manter a taxa de juros num patamar elevado por mais tempo, afirma Juliana Inhazs.

Juros maiores por mais tempo significam uma cadeia produtiva mais cara, com altas taxas para empréstimos e crédito que empresas usam para seu capital de giro, pagar as contas e os funcionários. O custo dos empréstimos é repassado aos preços dos produtos, o que pode aumentar a inflação.

“Com custo dos empréstimos maior por mais tempo, é possível que tenhamos um choques de preços externo. A inflação mundial está em alta, o que é repassado para o preço dos produtos importados, dos quais a economia brasileira é bastante dependente”, explica a economista do Insper.

A economista, contudo, afirma que não é Lula “quem faz a inflação”, mas sim “alimenta a expectativa de inflação”. “[A expectativa de inflação] cria no mercado percepção de que preços vão subir. Então o que eu produtor faz? Reduz a produção e cobra mais caro pelo produto, antecipando o aumento de preços”, conclui.

Como proteger investimentos do risco político no Brasil?

Não há bala de prata para proteger os investimentos dos efeitos da instabilidade política no Brasil. Por enquanto, o governo Lula tem apenas 30 dias e ainda não está tão clara como se dará a condução da economia pelos próximos 3 anos e 11 meses.

O alerta de Aragão é diversificar a carteira de investimentos. “Um pouquinho de dólar, renda fixa e variável”, afirma.

A imprevisibilidade de Lula deve pressionar ativos no curto prazo, e o recomendável para Joelson Sampaio, professor e economista da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas) é se posicionar em investimentos de longo prazo.

É importante, para não cair em armadilhas, distinguir a quem Lula está falando e as pautas que são abordadas nos discursos. Pautas mais à esquerda devem enfrentar dificuldade de passar pela chancela do centrão, bloco político que inclui os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

“Eu acho que vai muito do local que ele está discursando. Se é para uma ala mais dura do núcleo [lulista] ele vai ser, obviamente, mais incisivo. Por exemplo, quando ele vai falar com sindicalistas. Ainda tivemos poucas falas dele direcionadas ao mercado, em algum evento corporativo.”

Paulo Luives, assessor da Valor Investimentos

Os investidores institucionais estão mais protegidos do que as pessoas físicas que operam na bolsa de valores, explica Aragão, ao afirmar que, por enquanto, discursos de Lula têm queimado caixa de quem opera por conta própria no mercado de capitais.

“O investidor pessoa física tem zero capacidade de distinguir quando Lula fala prega para os mais convertidos. Já o institucional está separando um pouco, mas sentindo os efeitos. É uma máquina de queimar patrimônio de pessoa física. Lula fala, o mercado cai, o investidor pessoa física não consegue filtrar e vende na baixa. Quando o mercado volta ao normal, e o fluxo de informação se ajusta, as ações sobem.”

Flávio Aragão, estrategista-chefe e sócio da 051 Capital