Dá para ganhar dinheiro (ou perder menos) com a volatilidade do dólar?

O real valorizou 4,2% em relação ao dólar em janeiro, mas já devolveu parte dos ganhos no começo de fevereiro. A IF ouviu especialistas para saber o que esperar do câmbio
Pontos-chave:
  • Selic, novo ciclo de commodities e juros nos EUA devem ditar os rumos do real em 2023

Um levantamento com base em dados da Bloomberg mostra que o real foi a moeda que mais valorizou frente ao dólar no mês de janeiro.

A pesquisa levou em consideração 11 países e também a zona do euro. Aliás, os números mostram que a valorização do real foi de 4,2%, seguida do dólar australiano (3,6%) e do peso mexicano (3,5%).

No iniciou do ano a cotação era de 1 dólar para R$ 5,36, chegando a R$ 5,06 no final do mês passado. Já em fevereiro, a curva voltou a subir e a moeda fechou a R$ 5,19 em 8 de fevereiro. 

O que explica a valorização do real?

Para analistas de mercado, a valorização da nossa moeda em janeiro está ligada às taxas elevadas de juros no país, à perspectiva de estabilidade dos juros nos Estados Unidos e na Europa a médio prazo e ao novo ciclo das commodities (matérias-primas).

Além disso, a aproximação de paridade entre o dólar e o euro, mais recentemente, também ajudou na valorização do real frente à moeda europeia. 

Com relação aos números, o fluxo cambial vem seguindo no azul. Em janeiro, o país registrou fluxo positivo de U$$ 4,176 bilhões, segundo o Banco Central (BC). 

Já nos primeiros três dias de fevereiro, de acordo com o último dado disponível pelo Banco Central, o valor também é positivo. Isto é, em U$$ 1,027 bilhão. Com isso, o saldo no ano é de U$$ 5,203 bilhões. 

Por outro lado, no ano passado, o fluxo ficou no vermelho. Os números foram corrigidos este mês, passando de uma entrada líquida de US$ 9,574 bilhões para uma saída de US$ 3,233 bilhões, segundo o BC, por conta de uma “falha na rotina de compilação”.

De acordo com analistas, parte desse fluxo negativo foi decorrente do processo eleitoral e das incertezas quanto ao futuro presidente. Após o atual governo ter dado sinais de que manteria os fundamentos da economia, o capital voltou a fluir no sentido positivo.

O que é ter uma moeda forte?

No entanto, para o Banco Daycoval, maior correspondente cambial do país, a valorização de janeiro foi insuficiente para se falar em impactos a longo prazo.

“Impactos na economia são sentidos quando você tem uma valorização ou desvalorização persistente, permanente. O que a gente viu em janeiro foi uma valorização importante, porém que não acabou se materializando, não persistindo”, explica o head de investimos do banco, Mauro Rached.

O executivo explica que, considerando a taxa de fechamento de ontem (8), a valorização foi de apenas 1,6%.

“Uma valorização de 10% mais ou menos seria mais benéfica do que maléfica para a economia na minha avaliação. Principalmente sobre os efeitos da taxa de investimento e sobre a própria visão de solidez, de robustez que essa valorização traria para a imagem da macroeconomia brasileira”, afirma.

O que significa para o seu bolso a valorização do real?

De acordo com analistas, os principais impactos imediatos, caso a valorização do real se mantenha, estão nos índices de inflação, nos preços de matérias-primas e no fluxo de transações comerciais do país.

“A grande vantagem da valorização de uma moeda frente ao dólar é ajudar no controle da inflação, o que os economistas chamam de âncora cambial. Mas esse fenômeno precisa ser consistente e não uma valorização esporádica, como foi o caso de janeiro”, afirma Alexandre Espirito Santo, Economista-Chefe da Órama e professor do IBMEC-RJ.

Outro efeito é sobre os preços das matérias-prima, explica o diretor de Alocação e Distribuição da InvestSmart, André Meirelles.

“Boa parte das matérias-primas e das commodities são cotadas em dólar. Por isso, quando a moeda americana se torna mais ‘barata’ em relação ao real, há uma queda no preço desses produtos em reais. Sendo assim, um real mais valorizado tende a reduzir a pressão sobre a inflação e beneficiar empresas importadoras via redução de custos, por exemplo”.

Ou seja, suas compras em dólar e viagens ao exterior ficariam mais baratas. No entanto, ainda é cedo para comemorar. A avaliação do mercado é que esses efeitos ainda não estão no horizonte. De acordo com o último relatório do Boletim Focus, a estimativa para o IPCA em 2023 subiu de 5,74% para 5,78%, oitava alta seguida.

Por que o real está valorizando?

Alguns pontos explicam o motivo dessa valorização do real frente ao dólar. Vamos a eles:

1. Juros altos

Para Elcio Cardozo, especialista em investimentos e sócio da Matriz Capital, a valorização está ligada à Selic.

“Hoje, o Brasil está com a maior taxa de juro real do mundo, se considerarmos as economias mais desenvolvidas. Isso incentiva o investidor estrangeiro a vir para o Brasil e, com o maior fluxo de moeda estrangeira entrando no país, o dólar cai”, explica.

2. Novo ciclo das commodites

Outro ponto que pode favorecer a valorização do real em 2023 é um novo ciclo de commodities em 2023. Segundo o Goldman Sachs, a tendência é de alta de mais de 40%. Produtos básicos como minério e soja formam o principal componente da pauta de exportações brasileiras.

Além disso, com a expectativa de maior abertura da economia chinesa após o relaxamento da política de covid zero, a tendência é aumento no consumo de commodities brasileiras como minério e soja, atraindo mais dólares para o Brasil.

3. Inflação nos EUA e na Europa

Já para Gustavo Cruz, Estrategista Chefe da RB Investimentos, a valorização do real no início do ano está relacionada às últimas notícias de inflação nos Estados Unidos e na Europa. “Quando estes números começam a vir mais fracos, aí também vêm os da Europa mais fracos, tem-se uma leitura de que não vai ser necessário subir tantos os juros nesses bancos centrais”, diz.

Segundo ele, a direção do real, na verdade, será determinada pelas decisões de juros nos Estados Unidos e qual vai ser a nova regra fiscal no Brasil.

Em mensagem aos trabalhos de abertura do Congresso na última semana, o presidente Lula disse que ainda no primeiro semestre enviará ao legislativo “novas regras fiscais que assegurem previsibilidade e credibilidade ao nosso País”. A ver.

Como ganhar dinheiro com a valorização do real?

Caso a tendência de valorização do real se confirme, ganha quem investe no mercado de ações.

“Existe uma tendência de descorrelação entre dólar e bolsa. Normalmente, quando a bolsa sobe, o dólar cai. Neste sentido, com uma valorização do real frente ao dólar, entendemos que muito provavelmente as ações listadas em bolsa tenderão a valorizar”, explica Elcio Cardozo, especialista em investimentos e sócio da Matriz Capital.

Quem perde dinheiro com a valorização do real?

Por outro lado, perde quem aplica em títulos atrelados à Selic (taxa básica de juros), em função da queda dos índices de inflação e com o espaço que se abre à queda dos juros.

Mas nem todos se beneficiam com essa mecânica, como explica Hugo Baeta, head de ações da AF Invest.

“Muitas companhias, que têm receita em dólar, tendem a ter um um resultado inferior. Na outra ponta, empresas que têm receitas em reais e custos em dólar têm resultados superiores”, diz

Ele explica que um outro ponto a atentar são quanto as empresas têm dívida em dólar. “Em um cenário em que o real valoriza, essas empresas vão reduzir bastante o endividamento, principalmente se a parte dos resultados delas forem mais ligados ao real”, afirma.

É o que também fala André Meireles, diretor de Alocação e Distribuição da InvesSmart. “A valorização do real pode impactar o mercado de ações, pois tende a reduzir custos de empresas importadoras e impactar na receita de empresas exportadoras, por exemplo. Caso tenha um efeito significativo nos preços, também pode ter impacto no mercado de renda fixa”, diz.