Dividendo dos fundos imobiliários é o maior em dois anos, mas valor das cotas caiu; entenda como funciona o investimento

Com exceção dos setores de shoppings e híbridos, todos os segmentos deram lucro
Pontos-chave:
  • A diferença entre preço e retorno pode ser atribuída ao descompasso de variáveis macroeconômicas
  • O aumento da inflação e dos juros mais a queda de preços impulsionaram os dividendos

O desempenho negativo do Ifix, índice que acompanha a performance dos fundos imobiliários, de queda de 2,28% no acumulado de 2021, pode causar uma primeira impressão equivocada em muitos investidores. Ainda que o indicador tenha encerrado o período no vermelho, é importante separar a variação do valor da cota, do retorno em dividendos. Isso porque, enquanto os preços dos ativos caíram no ano passado, a rentabilidade entregue pelos fundos seguiu a direção contrária e superou a dos últimos dois anos.

Por que dividendo dos FIIs e valor da cota são diferentes?

A diferença entre o preço da cota e o retorno do papel pode ser atribuída ao descompasso de variáveis macroeconômicas durante todo o ano de 2021. A inflação, que no início se mostrava sob controle, seguiu em uma trajetória ascendente e não deu outra alternativa ao Banco Central que não fosse o início do ciclo de aperto monetário. Não era esperada, porém, a velocidade na qual se daria o ritmo de aumento da taxa básica de juros.

Neste sentido, o descontrole inflacionário, embalado pelas restrições na cadeia produtiva em nível mundial, levou a categoria a fechar mais um ano no vermelho. Conforme lembra Felipe Gaiad, sócio da Hemisfério Sul Investimentos, em janeiro do ano passado, a projeção do Boletim Focus para a inflação de 2021 estava em 3,34%. No entanto, com a aceleração dos indicadores ao longo do ano, o cenário mudou – e muito – para pior.

O IPCA, índice que mede a inflação oficial do país, encerrou o ano em alta de 10,06%, maior nível desde 2015. Em paralelo, o IGP-M, principal indicador usado para o reajuste dos contratos de aluguel, registrou a segunda maior variação anual desde 2002, de 17,78%. “Quando o mercado estava esperando pelo fim do túnel em relação à pandemia, veio a inflação e nos mostrou que ainda haveria um longo trabalho a ser feito até chegar no fim desse mesmo túnel”, destaca.

Enquanto a inflação não dava sinais de arrefecimento, muito pelo contrário, a autoridade monetária, em uma tentativa de conter a pressão nos preços da economia, precisou aumentar a taxa de juros para muito além dos 3,25% projetados no primeiro Focus do ano passado. E foi também em razão deste movimento de alta abrupta que os fundos imobiliários amargaram perdas pelo segundo ano seguido em 2021.

Preço das cotas em queda

À medida que o cenário macroeconômico brasileiro foi se deteriorando, explica Gustavo Asdourian, sócio-fundador da Guardian Gestora, o preço das cotas dos fundos sofreu um forte impacto, maior, inclusive, do que no fluxo de dividendos pago pelas carteiras. “O investidor começou a comparar o preço da cota com a taxa de juros livre de risco e, nesse ajuste, as cotas dos fundos imobiliários caíram”, acrescenta.

Na mesma linha, Camila Almeida, sócia-fundadora da Habitat Capital, pondera que o momento pede cautela para entender o que é reação do mercado e o que é a performance do fundo em si. No que diz respeito ao retorno em dividendos, ela entende que o desempenho foi positivo ao longo de 2021. “Os dividendos melhoraram porque os ativos dentro dos fundos não foram impactados. Em contrapartida, a cotação dos preços não seguiu na mesma direção porque a alta dos juros levou o investidor a buscar mais produtos de renda fixa e, com isso, houve um movimento de ajuste nos portfólios”, afirma.

Dividendos em alta

Um levantamento realizado pela Teva Indices reafirma a tese da sócia-fundadora da Habitat e mostra que o retorno em dividendos de vários segmentos em 2021 ficou em patamares superiores se comparado aos dos dois anos anteriores. A aceleração da inflação e o aumento da taxa de juros, aliados às quedas de preços das cotas, impulsionaram os dividendos dos fundos, com exceção dos setores de shoppings e híbridos, que ainda não retomaram os níveis de 2019.

Para Asdourian, em relação à perspectiva de retorno, a classe de fundos imobiliários se beneficiou de uma recuperação forte em dezembro, quando o Ifix subiu mais de 8%, mas não o suficiente para salvar o restante do ano. E, justamente por isso, o sócio-fundador da Guardian afirma que existe uma porta de entrada. “Olhando para a classe como um todo, a gente [Guardian] acha que o retorno ainda está baixo e, por isso, em termos de fundamentos, acreditamos que é um momento de oportunidade de compra”, avalia.

Destaque para os fundos de papel

Em relação ao desempenho por setor, Asdourian explica que os fundos de recebíveis imobiliários, também conhecidos como fundos de papel, se destacaram em 2021 porque conseguiram capturar a alta de juros, no caso daqueles que estão atrelados ao CDI, e também a escalada da inflação, para os que estão ligados ao IPCA.

Diferente dos fundos de tijolo, a exemplo de lajes corporativas, galpões logísticos e shoppings, a carteira dos fundos de recebíveis é reajustada todo mês pelo indicador que está indexado em cada papel, seja o CDI ou o IPCA. Nos que são focados em imóveis físicos, por outro lado, a correção acontece anualmente apenas nos contratos de aluguel. “O segmento de papel está mais resiliente e bem defensivo para o portfólio, então acaba saindo na frente nesse momento”, reconhece Asdourian.

Conforme o estudo feito pela Teva Indices, no acumulado do ano passado, o “Índice de Fundos Imobiliários de Papel”, calculado pela própria empresa, apresentou performance positiva de 10,08%, contra uma queda de 1,02% do “Índice de Fundos Imobiliários Amplo”, que engloba os segmentos de papéis, tijolo e híbridos.

Queda nos setores de lajes e shoppings

Entre os fundos de tijolo, os setores de lajes corporativas e shoppings foram os que mais sofreram em razão da lenta recuperação da crise econômica provocada pela pandemia, bem como pela prorrogação das medidas de distanciamento social.

Camila destaca, que, apesar de os fundos de tijolo terem sofrido mais, os imóveis que compõem as carteiras não “evaporaram”, seja um escritório ou um shopping. Neste sentido, dado que o preço das cotas no mercado secundário ainda está abaixo do valor patrimonial do fundo, o momento pode ser visto como positivo para investir. “Esses fundos acabam tendo mais espaço para valorização, é como comprar um imóvel mais barato”, compara a sócia-fundadora da Habitat.

Em termos de fundamento, Asdourian acredita que há oportunidade no segmento de lajes corporativas, desde que o investidor saiba analisar os ativos e as regiões onde os imóveis estão localizados. Além de estar “barato”, avalia, a perspectiva é de potencial de ganhos, uma vez que, com a reabertura da economia em escala maior, o nível de vacância deve diminuir no médio e longo prazos. Outra razão diz respeito à retomada gradual do valor do aluguel, já que nos últimos meses muitos inquilinos conseguiram descontos ou não tiveram que lidar com o repasse da inflação.

Além dos fundos de lajes corporativas, o momento abre espaço para a valorização de outros setores mais descontados. Segundo a pesquisa feita pela Teva Indices, com exceção do índice de papel, todos os segmentos continuam descontados em relação ao valor histórico mais alto.

Perspectivas para 2022

Para este ano, o sócio-fundador da Guardian se diz motivado em relação à categoria, mas sem esquecer os cuidados que se deve ter com os pontos de atenção. Ele destaca que, mesmo com as dificuldades do ano passado, o número de investidores cresceu em torno de 30% em relação a 2020 e as emissões continuaram acontecendo em larga escala. “Então, mesmo com o Ifix registrando um desempenho abaixo de zero, a indústria de fundos imobiliários entregou resultados, o que reforça a tese de que a classe já está consolidada, apesar de ainda ter muito o que crescer”, afirma.

Gaiad, da Hemisfério Sul Investimentos, entende que a pandemia deve interferir menos na dinâmica dos negócios dos fundos imobiliários, principalmente nos segmentos de varejo, logístico e corporativo. Na economia como um todo, o profissional diz ter a sensação de que o pior momento da inflação já passou e que a tendência agora é arrefecer nos próximos 12 meses, ainda que, do outro lado, aconteça o aumento da taxa de juros para a casa dos dois dígitos.

“Para o mercado de fundos imobiliários, isso significa que, talvez, 2022 seja o ano mais difícil de prever. Também não podemos esquecer que no meio do caminho tem as eleições, ou seja, uma dose adicional de risco e volatilidade”, afirma. Ainda assim, ele acredita que o cenário para este ano deve ser mais positivo do que foi 2021.

Asdourian, da Guardian, afirma ainda que, para aquele investidor que tem estratégia de médio e longo prazos, o momento atual pode ser visto como um ponto de entrada, uma vez que o fluxo de dividendos está atrativo e o preço das cotas, por sua vez, defensivo, com uma boa margem de segurança. “Para o longo prazo é interessante montar ou aumentar posição, mas sem concentrar em um ativo ou em uma classe apenas”, conclui.

Com reportagem do Valor Investe