“Não é hora de fazer grandes alocações fora da renda fixa”, diz CEO do BTG Pactual

Para Roberto Sallouti, o foco é o baixo risco, ainda que haja ativos baratos

Roberto Sallouti, CEO do BTG, à esquerda. (Foto: Gustavo Zanfer/IF)
Roberto Sallouti, CEO do BTG, à esquerda. (Foto: Gustavo Zanfer/IF)

Na semana passada, o economista Roberto Sallouti, CEO do banco BTG Pactual, foi categórico. “Não é hora de fazer grandes alocações fora da renda fixa”, disse o executivo em um evento realizado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli USP), para um grupo restrito de universitários, ao qual a Inteligência Financeira teve acesso. O encontro teve como tema central “Incertezas econômicas atuais e como se proteger”.

Não foi à toa que Sallouti conversou com futuros engenheiros: boa parte do mercado financeiro é composto por talentos dessa área e isso vem acontecendo desde a década de 1970, culminando nos últimos anos.

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Segundo a consultoria de recrutamento Robert Half, os engenheiros têm qualificações como pensamento lógico, objetividade, raciocínio rápido, visão analítica e pragmatismo, que atraem a área de finanças. E o setor oferece salários médios na ordem de R$ 8.000 para quem ainda está no começo da carreira, o que fascina os candidatos.

Veja abaixo os principais trechos da conversa entre Sallouti e os estudantes de engenharia:

Quanto investir em criptomoedas

Eu sou apaixonado pela terminologia, mas tenho muita dúvida sobre o valor dos ativos virtuais. Então, nosso posicionamento enquanto banco é de sermos muito cautelosos. Mas essa é uma demanda de nossos clientes. A gente já disponibiliza alguns produtos ligados a criptoativos, e vamos disponibilizar uma plataforma para negociação, porém sempre ressaltando que a gente não recomenda que se tenha mais que 3 a 4% do portfólio em criptos.

Qual é o futuro das criptomoedas

A gente montou um comitê semanal de cripto no banco. Deve chegar o momento em que vai haver um central bank digital currency, uma moeda digital do Banco Central, com a qual eu vou poder dar mesada pro meu filho e falar que ele não pode gastar com bebida alcoólica porque eu restringi aquela moeda, isso tem um potencial interessante. Essa é uma profecia autorrealizável! Se todo mundo usar o bitcoin e o ethereum para transferir e guardar valor, ele vai ter muito valor. Mas se as pessoas não usarem, ele não tem valor algum. É uma tecnologia fenomenal e acho que vai ficar com a gente em diferentes formatos por muito tempo. A tokenização, é o futuro do mercado de capitais.

Inflação é um problema global

A gente vive um problema de inflação muito sério no mundo todo. A inflação no ano passado nos EUA foi de 7%, no Brasil foi 10% e na Inglaterra foi 8%. Ou seja, está tudo indo junto. Neste ano, o Brasil vai ser 8,5%, EUA vai ser 7%, na Europa vai ser entre 7 e 8%. É um problema é global. O FED, tardiamente, acordou, começou movimentos agressivos. Se você for ver a expectativa de inflação para o ano que vem nos EUA, no mercado de títulos públicos indexados à inflação (os TIPS), já está em 2,7%, 2,8%. Ou seja, ele está com uma credibilidade forte. Se você me perguntasse isso 45 dias atrás, eu falaria que a taxa de juros ia ter que subir significativamente acima de 3,5%. Hoje, talvez 3,5% a 4% faça o serviço porque você está tendo uma perda de política global simultânea e com o discurso mais hawkish.

O crescimento global vai ter que diminuir, infelizmente o desemprego nessas economias globais vai ter que subir porque é insustentável, do ponto de vista de espiral inflacionária. Se você tiver duas vagas para cada pessoa procurando emprego, isso quer dizer que tem emprego demais na economia.

Equipe econômica X pandemia

Eu sou menos crítico à equipe econômica. Acho que ela fez muito mais reformas e teve uma atuação boa. Talvez ter elevado os juros tenha sido demais e talvez a gente devesse ter começado a subir os juros antes, sem sinalizar que ia ser muito devagar. Agora é fácil falar isso, né? A gente tá vivendo uma pandemia, uma crise histórica que a gente nunca tinha visto antes e era melhor você errar para mais, garantir que as pessoas tivessem renda, trabalho. Então, olhando para trás, talvez os juros pudessem ter subido antes. Agora, é fácil ser engenheiro de obra feita. Tudo o que foi feito pela equipe econômica é irretocável, acho que foram muito bem no combate à pandemia. Tanto que você vê que o Brasil, de PIB, de queda e de volta foi bem mais suave que as outras economias. Minha expectativa é que os juros lá fora tem que ir pelo menos para 4%. Estou muito impressionado com a credibilidade que o FED conquistou com esses últimos movimentos.

O impacto da guerra na economia mundial

A desglobalização está vindo. Na minha geração, era a Guerra Fria. Com o fim dela, tivemos no mercado toda a mão de obra do leste europeu, da China, da Índia a serviço da economia mundial porque, como não havia esse trade do comércio exterior ligado, tinha as restrições muito localizadas. Então se passaram 30 anos em que a gente se beneficiou da mão de obra barata chinesa, depois vietnamita, russa, do leste europeu e assim por diante. Isso permitiu que a gente conseguisse comprar camiseta feita no Vietnã, iPhone feito na Rússia, vacina feita na Índia, agulha de injeção e máscara feitas na China e a gente conseguiu ver um período deflacionário global.

Acho que isso acabou por duas razões: por causa da crise do covid e da guerra da Ucrânia. Quando deu a crise do covid, os EUA pensaram “bom, beleza! Manda seringas… ih, tá tudo na China, eles bloquearam”. Assim como material das vacinas, na Índia. Não dá mais pra gente não ter segurança no supply chain. Depois do covid, ainda foi a invasão da Ucrânia que piorou isso. Então acho que a combinação da segurança do supply chain vai fazer com que tenhamos pressões inflacionárias fortes por um bom tempo.

O futuro da economia brasileira nos próximos anos

Eu fico decepcionado com uma eleição como a que a gente está tendo. Na minha visão, o Brasil tem problemas muito claros. Temos que tornar a educação uma obsessão, criar um programa de renda mínima onde o dinheiro chegue na ponta sem se perder em um intermediário e fazer uma máquina pública eficiente pra gente não ficar sendo onerado por burocracia. Isso tudo resulta em produtividade que dá ao PIB potencial. Hoje, o PIB potencial no brasil é muito baixo, então estamos fechando hiato de produto.

O empreendedorismo no mercado financeiro

Acho que empreender é uma atitude. Se você quer um emprego, tem um monte de banco que vai te dar um ótimo emprego. Se você quer um projeto de vida, a chance de quando aparecer uma ideia, você desenvolvê-la dentro da sua empresa, ter apoio para tocar isso e você contar com a equipe que você escolher, isso é empreender. Empreender é ter atitude de dono, se comportar como dono mesmo quando você ainda não é; quando aparecer as oportunidades, você não deixar passar. E elas sempre aparecem em momentos de incerteza. Quando eu assumi a área de renda fixa, o primeiro grande pulo da minha carreira, era tudo menos óbvio. O banco estava passando por um momento de transição de geração; os fundadores do banco estavam saindo, as pessoas mais seniores da minha área estavam indo para outro projeto.

O capital se expande se a oportunidade é boa. Por isso eu acho que o empreendedorismo no mercado financeiro é mais rápido, ainda mais com a tecnologia. A gente olhava pra trás e falava “putz, a gente nunca vai ter varejo, a gente não tem 5 mil agências”. Hoje, a gente diz “graças a Deus que não temos 5 mil agencias”.

Quanto investir em renda fixa

Depende do perfil de cada um. Falando sobre mercado brasileiro, eu começo a enxergar muito valor nos ativos brasileiros. Acho que a Bolsa está barata, o real tá barato e as taxas de juros estão altas. É preciso ter o menor medo de volatilidade externa e é preciso que a incerteza fiscal que existe no Brasil dado o cenário eleitoral se dissipe. Qualquer um dos candidatos que ganhar vai entender que os investidores estão precisando de uma nova âncora fiscal. O teto de gastos perdeu a credibilidade, eu prefiro e acho que vai ser uma meta de superávit primário de vários anos que leve a dívida para uma trajetória cadente e acho que essa pode ser a chance para se ter uma queda de juros, uma alta na Bolsa.

Eu acho que está tudo barato, mas não acho que está na hora de fazer grandes alocações fora da renda fixa porque ainda pode ter muita volatilidade. Então dependendo do seu perfil, de quanto você achar que gosta de correr risco; eu estaria neste momento com a maior parte na renda fixa, que está muito atrativa. Se você tem um perfil mais agressivo, ficaria atento a buscar ativos de Bolsa, porque acho que em breve teremos trilhas que farão com que eles se reprecifiquem.

Os ciclos das crises

Estamos vivendo o ciclo de 2000. A diferença de 1929, 2008 e agora é que em 29 e 2008 tinha muita alavancagem e uma destruição de valor enorme. Muita gente tinha ‘mortgage subprime’ (algo como o grande financiamento de imóveis), e várias vezes o patrimônio financiado. Então é um problema exponencial. A mesma coisa em 1929. Em 2000 e na crise de agora, temos um ciclo de taxas de juros que reprecifica as ações baseadas em crescimento. Em 2000, a Amazon caiu 97%. Quer dizer que a Amazon deixou de ser uma super empresa? Não. Só que o preço dela estava errado. É uma crise muito mais suave do que uma crise de balanço de bancos.

O peso da tecnologia no mercado financeiro

Eu chego à conclusão que tecnologia para a geração de vocês é como o inglês na minha geração. Se você não souber o básico, isso vai ser uma deficiência na sua carreira. Eu mesmo: eu gostaria de entender mais de tecnologia do que eu entendo. E hoje é tudo tech, temos fintech, healthtech, e-commerce, insurtech. Quanto mais vocês souberem, melhor.

Colaborou Anne Dias

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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