Invasão da Rússia na Ucrânia reforça indicação para renda fixa no Brasil
Juros em alta afetam ainda mais a volatilidade dos ativos brasileiros
A ação militar da Rússia na Ucrânia aumentou a temperatura de risco em meio a um cenário já adverso com alta de juros nos Estados Unidos no radar e eleições e aperto monetário no Brasil. Para o investidor, a tensão geopolítica reforça uma indicação que já era dominante: aproveitar os retornos mais gordos das estratégias de renda fixa.
O estresse perto da virada do mês atenuou os efeitos da entrada de capital externo nos preços do real e de alguns setores negociados na Bolsa de Valores. O dólar, que chegou a baixar de R$ 5 na quarta-feira (23), ontem subiu 2,02%. No mês e no ano acumulava quedas de 3,78% e 8,43%, respectivamente. O Ibovespa foi para o terreno negativo no mês, com recuo de 0,49%, mas no ano ainda exibia ganhos de 6,46%.
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Poucas horas depois dos ataques da Rússia à Ucrânia, vale monitorar os seus desdobramentos, mas por ora não há mudanças no cenário que balizem as alocações no médio e longo prazos, diz Christiano Clemente, executivo-chefe de investimentos do private banking do Santander. “É um ponto de atenção, mas é preciso ver para onde vai escalar o conflito, se é que vai escalar.”
Carteiras expostas ao dólar
Para as carteiras que não têm exposição ao dólar, vale aproveitar, mais pelo preço do que pelo aumento da tensão geopolítica. Após a moeda sair da casa dos R$ 5,80 para os R$ 5, a avaliação é que está mais próxima do seu ponto de equilíbrio, serviria como um escudo, com eleições no Brasil adiante e mais essa fonte de incerteza vinda do exterior. “Não acho que vá subir absurdamente, mas parece barata.”
O episódio reforça ainda o viés de privilegiar estratégias ligadas a juro real (descontando a inflação), principalmente títulos privados com isenção fiscal. Dependendo do vencimento, há papéis que pagam 5,5% a 5,70% além da correção do IPCA, afirma. Considerando-se que o Banco Central será bem sucedido na sua empreitada de trazer a inflação de volta à casa de 3%, há ganhos a capturar, e se algo der errado, preserva o capital com um adicional de juros.
Para o gestor, ainda que a Bolsa brasileira pareça atrativa, o ano eleitoral e a correção monetária nos EUA exigem um pouco mais de prêmio. Os juros de volta aos dois dígitos no Brasil embutem um retorno nominal que não dá para desprezar. Ele cita que se a Selic permanecer em 12%, em 6,5 anos, o investidor dobra o seu capital. “É um concorrente poderoso para o Ibovespa”, diz Clemente.
A leitura dentro da área de fortunas do Santander é que a taxa básica de juros não se estenderá no nível mais alto por tanto tempo. Clemente acha que falta reconhecer nos ativos locais a melhora fiscal e ele pende para sair da posição “neutra” (alocação estrutural nas diversas classes) com ativos brasileiros em geral para efetivamente “comprada” (com adições sobre o mix estrutural).
Com a cultura do brasileiro do CDI, ele diz que é fácil se acomodar em títulos pós-fixados porque o investidor consegue combinar rentabilidade e colchão de reserva na mesma cesta. “O dinheiro da disponibilidade deveria ser o destinado ao fluxo de caixa para não ter que executar ativos de médio e longo prazo em momentos ruins”, afirma. “O portfólio tem que ter um pouco de tudo, com pesos e contrapesos, uma coisa calibra a outra.”
Isso vale também para a alocação internacional. O investidor deve evitar se ancorar num nível de preço dólar/real e fazer o planejamento de acordo com a parcela que pretende ter no exterior.
Aumento dos juros nos EUA
A equipe da Asset1 já vinha bastante preocupada com o ciclo de aumento de juros nos EUA e o conflito só aumentou o grau de risco, segundo o sócio-fundador da gestora Marcello Siniscalchi. Com o petróleo subindo e um movimento de venda generalizada de ativos, será preciso acompanhar o desenrolar dessa história para medir os impactos nas economias.
“A gente vai viver, em 2022 e 2023, um processo de ajuste das condições financeiras, o que traz muita volatilidade de fora para dentro. A guerra é um capítulo à parte, é mais um desafio no horizonte, a gente não sabe onde vai parar.” A carteira do multimercado da casa já tinha proteções via dólar e venda de índices de bolsa lá fora.
Luís Fernando Cezário, economista-chefe da gestora, diz que os efeitos para o Brasil vêm naturalmente pelo canal global, por um possível choque de oferta em energia, grãos e fertilizantes produzidos na região do conflito. O Fed (o Banco Central americano), num primeiro momento, pode dar um passo atrás e ser menos agressivo no início do seu processo de correção monetária. A “tendência é ser mais gradual para ganhar tempo”, mas, se a escassez for dominante, haverá pressão extra na inflação e o plano de alta de juros ganha ênfase.
Respingando no Brasil
Localmente, os ativos podem ainda ser penalizados se o conflito escalar para outros países, mas até agora as indicações são de que a resposta virá por sanções econômicas. Pelo lado da política monetária, Cezário acha que pode trazer um pouco mais de dificuldade para o BC conter a inflação — talvez tenha de fazer um ajuste fino na Selic final em 0,25 ponto percentual, a depender da dinâmica do câmbio, do petróleo e dos preços de alimentos. Mas ele não vê a Selic indo para 14%, 15%.
Ganância e medo
Para a pessoa física, Siniscalchi diz que o investidor vai precisar segurar dois vieses comportamentais: a ganância e o medo, de comprar quando os ativos estão subindo e zerar rapidamente quando vem o revés. “Com o aumento da volatilidade, ele vai ser testado em ambos.” Alongar o horizonte, diversificar e entender a exposição a risco são uma combinação aparentemente simples, mas difícil de seguir. “As grandes bobagens sempre ocorreram quando o Fed começa a subir taxas de juros.”
Com mais incertezas no horizonte, na revisão de portfólio para 2022, a indicação do estrategista Ronaldo Patah, do UBS Consenso, foi aumentar a parcela em renda fixa e reduzir o percentual em alguns ativos voláteis.
Foco nos juros
O investidor precisa ter de tudo na carteira, mas sem desperdiçar o retorno mais gordo que os juros em alta prometem. A sua expectativa é que ao fim do atual ciclo de aperto a Selic esteja em 12,5%, e permaneça nesse nível até o Banco Central (BC) saber qual a política fiscal do próximo governo. “O provável é que se estenda até meados de 2023. Vale uma alocação a mais em renda fixa, ainda mais quando se compara a um ano atrás, quando estava em 2%”, afirma.
A premissa é que o próximo governo, mesmo que mexa no teto de gastos públicos, tende a manter alguma disciplina fiscal. Se isso se confirmar, em meados de 2023, o BC teria condições de reduzir os juros para a casa dos 8% a 8,75% ao ano, e o investidor conseguiria se apropriar do prêmio mais elevado em prefixados e papéis indexados à inflação. “A gente não acha que a taxa futura vá subir muito mais do que subiu. Pode não cair amanhã porque tem eleição, mas no ano que vem, em 18 meses, se tiver paciência é onde tem a melhor relação risco/retorno.”
Os incrementos na alocação foram feitos nos títulos pós-fixados e atrelados à inflação, considerados mais seguros, já que não é todo perfil que tolera as oscilações de preços no meio do caminho. “Se tudo der errado e o governo adotar uma política maluca, o investidor está mais protegido na NTN-B [que paga juros mais o IPCA] do que na NTN-F [prefixada].” No mix de renda fixa entram também papéis de crédito privado.
A parcela em renda variável foi mantida pelo UBS Consenso, em meio ao fluxo estrangeiro para a bolsa brasileira. A preferência é fazer a alocação via fundos de ações, diz Patah. “Os gringos alocam em bancos e commodities, mas as oportunidades estão fora dos principais setores e os gestores ativos conseguem fazer essa seleção.”
Multimercados e fundos imobiliários agora representam fatia menor da distribuição sugerida pelo UBS Consenso. A leitura é que o ciclo de ajuste monetário nos Estados Unidos deve trazer mais volatilidade para os mercados de maneira geral e que os ataques da Rússia à Ucrânia adicionaram mais incertezas.
Investimentos fora do Brasil
No exterior, o grupo suíço ainda prefere a renda variável a estratégias ligadas a juros porque o movimento de alta de juros pelo Fed está ligado ao aquecimento da economia e pressões vindas do mercado de trabalho, afirma Patah. “O Fed não tem o que fazer a não ser voltar os juros para o nível neutro rapidamente, até o começo do ano que vem, para 2%, 2,5% ou mais, dependendo da inflação nos próximos 12 meses”, diz.
A expectativa é que o lucro das 500 maiores empresas dos EUA cresça 12% em 2022 e 9% em 2023, após os 45% de 2021. É um ritmo menor, mas ainda robusto, defende o estrategista do UBS. O indicado é, porém, evitar ações de gigantes de tecnologia, cujos múltiplos estão elevados e são mais sensíveis a altas de juros, privilegiando papéis mais defensivos, em casos cíclicos, de valor, ligados aos setores de energia, financeiro e saúde. No segmento de média capitalização, vale buscar temas específicos relacionados à cibersegurança, inteligência artificial e “big data”, de análise de dados. “Faz rotação, mas mantém a exposição”, diz Patah.
Mesmo com a intervenção militar na Ucrânia, o UBS manteve alocação neutra em ativos globais. Há indicações para Bolsas europeias, contratos de petróleo tipo Brent e moedas cujos bancos centrais anteciparam ou estão em vias de começar o aperto monetário, como o dólar americano e a libra esterlina. Já na Europa, a percepção é que o Banco Central Europeu (BCE) vai retardar seu processo de ajuste.
Rússia: terceira maior produtora de petróleo
Terceira maior produtora de petróleo, maior fornecedora de gás natural para a Europa e importante exportadora de trigo e alumínio, a Rússia em conflito pressupõe um impacto inicial de grande magnitude, segundo a equipe de alocação da Warren. A tendência é que no curto prazo as commodities agrícolas, metálicas e de energia continuem subindo e que a inflação seja impactada. O impacto no câmbio ainda é incerto, já que por um lado existe aversão ao risco e por outro a alta de commodities e juros no Brasil tendem a beneficiar o real para operações de arbitragem com juros (“carry trade”).
Com reportagem do Valor Investe