Gestoras reabrem fundos atrás de oportunidades táticas

Em meio à saída de carteiras de maior risco para a renda fixa, assets recompõem patrimônio

Em meio a uma onda de saques de fundos multimercados e de ações, gestoras de recursos vêm reabrindo alguns de seus portfólios para captação para aproveitar oportunidades que o momento de baixa do mercado e de alta volatilidade pode trazer.

É o caso de Legacy, Genoa, Occam e Dahlia, que já reabriram algumas de suas carteiras. A Kadima começou a captar ontem em uma das estratégias que estava fechada, enquanto a Kapitalo anunciou que acatará aplicações a partir de 1º de junho para dois de seus principais multimercados. O fundo de ações da Forpus estará com uma brecha de entrada porque vai incorporar outra carteira e a Ibiuna deve abrir uma janela a partir de julho para o multimercado Hedge STH.

As mudanças sucedem um período de resgates para as carteiras mais apimentadas, que se observa desde o segundo semestre de 2021, com a escalada dos juros no Brasil. Com bons resultados para apresentar nos primeiros meses do ano, a despeito do cenário local e internacional mais adverso, há expectativas entre gestores de recuperação do fluxo.

Os multimercados e fundos de ações já perderam R$ 83,8 bilhões neste ano, até 5 de maio, segundo a Anbima. Num recorte de julho a dezembro de 2021, excluindo-se carteiras IE, que podem compor mais de 40% do risco no exterior, a JGP tinha contabilizado saques de R$ 55,3 bilhões nas duas categorias.

À medida que a Selic subiu dos 2% ao ano no início de 2021 para os 12,75% atuais, o dinheiro, notadamente, tomou a trilha da renda fixa. Só os fundos dessa classe atraíram R$ 95,1 bilhões neste ano, até 5 de maio, depois de ingressos de R$ 225,7 bilhões ao longo de 2021, de acordo com a Anbima.

“Não sei dizer se o movimento para a renda fixa já acabou, é difícil mensurar, mas a gente quer estar com as estruturas abertas para a hora que o vento virar”, diz José Eduardo Araujo, executivo-chefe de operações da Legacy Capital, que perdeu cerca de 10% do seu patrimônio na fase de vacas magras. “A performance tem ido bem, acho que vai ter um movimento meio a reboque do que está acontecendo, e a indústria de multimercados deve voltar para os holofotes.”

A gestora reabriu seus multimercados para captação no fim de abril e a ideia é deixar o fundo aberto para novos aportes, o que significa que não há um prazo determinado nem volume alvo de captação. Com um patrimônio considerado alto, de R$ 22,5 bilhões, Araujo diz ver espaço para crescer sem esbarrar em limites de capacidade – de ficar grande demais, com dificuldades para se mover e comprar e vender ativos.

“Tem muito a ver com liquidez, a gente opera ativos líquidos, e a internacionalização da gestão dá possibilidade de crescer mais. Foram feitos em time de gestão e por isso, mesmo com o AUM [ativos sob gestão] grande, dá certo conforto. A gente já abriu e fechou várias vezes, agora vamos deixar correr.”

A Occam reabriu a sua estratégia de retorno absoluto no fim do ano passado para surfar as oportunidades que o mercado tem apresentado, segundo Carlos Eduardo Rocha, executivo-chefe de investimentos da gestora. “E está se pagando. Estamos com performance acima do CDI neste ano e com viés de expandir o risco.”

Também não há data para encerramento dos novos aportes. De acordo com o gestor, houve demanda de investidores para deixar a carteira aberta continuamente. “Investimos na nossa cobertura internacional e ‘quant’ para ter mais capacidade de investimento.” A estratégia tem quase R$ 6 bilhões.

Rocha afirma não perceber sobressaltos no fluxo porque a Occam tem uma forte base de clientes institucionais, que até aproveitaram para alocar mais recursos nos momentos estresse. Nos fundos de ações houve dinheiro novo entrando também.

Com um patrimônio de quase R$ 24 bilhões, a Kapitalo reabriu os dois principais multimercados condominiais da casa, o Kappa e o Zeta. Não há uma meta de captação e essa janela deve ficar aberta por cerca de 90 dias, diz João Carlos Pinho, sócio-fundador da asset. “Os fundos ficaram fechados por mais de um ano, então temos bastante espaço em ambos”, afirma.

No seu histórico de reaberturas periódicas, a gestora costuma fazer incrementos da ordem de 30% ao ano, somados ao crescimento do anterior. “No ano passado, com o movimento do investidor para a renda fixa tinha aquela discussão de que os multimercados não ganhavam dinheiro quando os juros subiam, e está mais do que demonstrado que boa parte ganhou, com poucas exceções, e neste ano racharam de ganhar”, afirma Pinho. “Tem uma oportunidade para o investidor que fez o movimento [de saída] lá atrás, de trazer o portfólio e ver se está correto face às incertezas. Comprar e vender [ativos] por especialistas é muito mais rápido do que a pessoa física tomando a decisão por si só.”

O executivo diz ver um cenário propício para os “hedge funds” locais, com juros subindo nas economias desenvolvidas, especialmente nos Estados Unidos, um período que promete alta tensão. “Os gestores brasileiros têm performance espetacular, dão de goleada nos gringos, é impressionante como tem qualidade o núcleo parrudo, de 10, 15 assets, que se mostram altamente capazes de gerar alfa [excesso de retorno sobre o CDI] num ambiente altamente volátil.”

Depois de levantar cerca de R$ 750 milhões numa abertura feita um ano atrás, a Genoa voltou a reabrir o seu multimercado Radar no fim de fevereiro e já atraiu quase R$ 1,3 bilhão, segundo Rodrigo Noel, sócio-responsável por operações da gestora. A carteira deve ficar aberta até o fim do mês e fechar próxima do R$ 1,5 bilhão. “A gente é superconservador no processo de crescimento, vai ficar reavaliando ao longo do tempo se faz sentido novas reaberturas.”

O executivo diz ser compreensível a onda de saída de risco que se viu à medida que a Selic foi galgando os dois dígitos, até os 12,75% anuais. “O investidor ficou menos avesso ao risco quando o juro basal CDI, a taxa livre de risco, tinha rentabilidade muito baixa e até negativa. Quando vira para o outro lado, o processo se inverte, tem um pouco menos de demanda por causa da concorrência da renda fixa e, obviamente, os canais sofrem com isso”, afirma Noel. “Mas multimercado é produto CDI+, é uma classe que se deve sempre estar alocado dentro da pizza de investimentos, porque no fim você está delegando para o especialista a tarefa se criar alfa.”

A Kadima, gestora especializada em estratégias quantitativas, abriu nesta quarta-feira o seu fundo de alta volatilidade, que reúne cerca de R$ 1,3 bilhão. Segundo o sócio-gestor Rodrigo Maranhão, a estratégia estava fechada há alguns anos para testar premissas de tamanho sem o risco de perder eficiência. “Hoje temos dados o suficiente para ter um bom conforto com o tamanho atual, e convicção de que dá pra continuar crescendo sem prejudicar as execuções do fundo”, afirma.

A Forpus Capital aproveitou a incorporação do seu fundo de tecnologia à carteira de ações para abrir, a partir de 8 de junho, uma temporada de captação que deve durar entre 30 e 60 dias, segundo Arthur Rizzo, executivo-responsável pela área de relações com investidores da gestora. A casa calcula que a estratégia do “Forpão”, o apelido do FIA principal, tenha capacidade para um patrimônio de até R$ 2 bilhões, do R$ 1 bilhão atual. “Como não se trata de uma abertura convencional, não temos uma meta de captação.”

Araujo, da Legacy, diz que há momentos em que vem muito dinheiro para os multimercados e é preciso dosar. Por ora, a percepção é que qualquer retomada será gradual, porque o ambiente segue confuso no exterior. “O fluxo para o risco, em geral, ficou mais escasso”, diz. “Antes do dinheiro novo deve ser no rouba-monte.”