Meta fiscal para 2024 é ‘ambiciosa’, ‘mas plenamente possível’ cumprir, diz Guilherme Mello

Representante do governo afirmou ainda que a inflação pode convergir para a meta neste ano

O Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, afirma que é “plenamente possível de cumprir a meta fiscal em 2024” e zerar o déficit primário do governo.

Em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira, Mello disse que o governo deve enviar ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2024 com a lista de medidas previstas pelo governo para zerar o déficit em relação ao PIB no ano que vem.

Hoje, nos doze meses encerrados em junho, o setor público registrou déficit equivalente a 0,24% do PIB. Ou R$ 24,3 bilhões.

Para o secretário da Fazenda, a projeção das receitas calculada pela Receita Federal “sempre é conservadora”. Ou seja, pode haver uma surpresa positiva com a arrecadação do governo.

Orçamento de 2024 será entregue com meta do arcabouço fiscal

O PLOA [Projeto de Lei do Congresso Nacional] 2024 será encaminhado ao parlamento com as estimativas do arcabouço fiscal. A nova regra prevê o controle do déficit em 0% no ano que vem, dentro da banda de 0,25% para mais ou para menos.

Para Guilherme Mello, além de as estimativas de receita com viés positivo, a Fazenda irá elencar “uma série de medidas para recompor a base fiscal do Estado e permitir que ano que vem o déficit seja zero”. De acordo com o secretário de Política Econômica, a lista será “transparente e clara”.

Mello afirma que o “fundamental” para que o governo aumente as possibilidades de zerar o déficit em 2024 “é a possibilidade de recomposição das receitas”.

“E nós achamos que, como nós temos percebido um parlamento e um Judiciário parceiros e que compreenderam a necessidade do Brasil de recompor a sua base fiscal, é plenamente possível cumprir a meta fiscal em 2024”, diz o secretário.

O mercado financeiro, por outro lado, acredita que atingir a meta primária para 2024 da forma como o governo Lula quer é uma possibilidade remota. Agentes do mercado trabalham com um resultado abaixo de -1% do PIB, ainda fora da banda de -0,25% da Fazenda.

Inflação pode convergir para meta do BC, afirma Guilherme Mello

Ainda de acordo com o secretário da Fazenda, a inflação também pode surpreender o mercado neste ano. Guilherme Mello diz que as projeções do Focus, boletim semanal do Banco Central respondido por economistas, vem convergindo ao longo do primeiro semestre com os cálculos da SPE (Secretaria de Política Econômica) sobre o IPCA.

“Na própria trajetória do crescimento econômico, o mercado também se aproximou das projeções da SPE sobre a inflação. No início do ano, a nossa projeção era quase o dobro da do mercado. Hoje há uma diferença de apenas 0,2 p.p”, comenta à Inteligência Financeira.

Para o secretário, o movimento desinflacionário deve perdurar por mais tempo. O motivo é a queda nos preços de produtos de atacado, como em alimentos, que podem ter efeito “ao longo do tempo” no IPCA.

“A depender dos próximos resultados do IPCA, nós podemos convergir para um cenário inflação dentro da meta (do BC) ainda este ano. E, ao mesmo tempo, construir um próximo ano onde o país possa crescer de forma sustentada.”

Entrevista com Guilherme Mello, secretário de Política Econômica

Confira a seguir os principais trechos da entrevista da Inteligência Financeira com o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello:

A ata do Copom (Comitê de Política Monetária) divulgada nesta terça-feira (8), mostra um comitê unânime sobre futuros cortes de 0,50 ponto porcentual na taxa de juros. Alguma coisa mudou na relação entre o governo e o Banco Central para que se chegasse a esse resultado?

Olha, minha impressão é que a relação, pelo menos entre o Ministério da Fazenda com o Banco Central, sempre foi uma relação muito construtiva e muito aberta. Nós trabalhamos cotidianamente com técnicos e também com os diretores do Banco Central. Então, aqui mesmo na SPE tanto para discussão, mas principalmente para construção do Plano Safra, por exemplo, nós discutimos muito. São inúmeras questões técnicas com o Banco Central. A relação sempre foi muito construtiva, aberta e democrática no sentido de que cada um coloca a sua opinião, posição. E elas são discutidas num nível técnico bastante elevado.

Mas é óbvio que essa perspectiva que se abriu nessa reunião do Copom de redução do viés contracionista da política monetária e de caminhar para algo mais próximo da taxa de juros neutra, me parece que é uma forma do que nós temos chamado de ‘harmonização da política econômica’.

A Fazenda e o governo têm feito vários esforços no sentido de criar um ambiente macroeconômico mais estável, previsível e também de envidados esforços no sentido de recompor a base fiscal do Estado. Para isso, temos contado com um apoio decisivo do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do presidente Arthur Lira, e a partir do Senado Federal, do presidente Rodrigo Pacheco, e das lideranças.

Além disso, também contamos com o próprio Poder Judiciário, que entendeu a agenda proposta e a necessidade de nós combatermos, digamos assim, causas da erosão da base fiscal do Estado brasileiro.

Em parte, a decisão do Copom viabiliza uma maior sintonia e harmonia entre as políticas macroeconômica e fiscal e a política monetária, ao longo do tempo.

A entrada de (Gabriel) Galípolo e Ailton (Aquino) teve algum impacto?

Quanto à influência dos novos diretores, é sempre positivo que, em uma instituição que discute um tema tão complexo e difícil quanto a política monetária, você tenha diferentes tipos de visões.

É sempre muito positivo que você traga diversidade e essa diversidade se reflita de alguma forma nos debates do comitê como aparece na ata (do Copom). Mas também que ela se reflita na decisão dos conselheiros, dos diretores e do presidente. A entrada de pessoas qualificadas, tecnicamente muito bem formadas, com vasta experiência, seja no setor público, no setor privado, que vão contribuir com essa riqueza do debate sobre política monetária e o Banco Central é benéfica e o país só tem a ganhar com isso.

Faltava essa pluralidade de visões ao Copom, antes da entrada do Galípolo e do Ailton?

Eu não acompanho pessoalmente, digamos assim, como eram as reuniões do Copom antes da nomeação dos novos diretores. Imagino eu que haja, e tivemos mesmo momentos com essa diretoria, de divergência de opiniões.

Mas eu acho que, obviamente, pessoas com uma trajetória diferente, com uma formação diferente trazem uma visão nova e capaz de colaborar nesse debate.

O debate de política monetária no mundo inteiro é muito complexo. Não existem verdades absolutas. Nós estamos tratando de um fenômeno global inflacionário observado nos últimos tempos e o mundo inteiro tem debatido a natureza desse fenômeno. Também está no centro do debate instrumentos para combatê-lo e quais são os impactos das políticas de contenção ou redução da inflação, o prazo para o retorno à meta.

Vários debates muito importantes e tecnicamente relevantes que fazem com que pessoas com excelente formação pensem de forma diferente. Isso, inclusive, é a própria base do mercado financeiro. Ele só existe porque existem pessoas, investidores, analistas e economistas que pensam diferente. Mesmo com o mesmo conjunto de informações de variáveis. Um decide comprar e outro decide vender, porque eles estão olhando os mesmos dados e enxergando perspectivas diferentes.

Portanto, eu acho mais do que natural que também dentro do Comitê de Política Monetária e dentro do Banco Central você tenha essas visões diferentes. E eu tenho certeza que tanto o Gabriel (Galípolo) e o Ailton (Aquino) podem trazer uma visão moderna, tecnicamente fundamentada. Ambos têm ampla experiência para acrescentar e enriquecer o debate sobre política monetária feita.

O Copom assinala na ata que a economia passa por um cenário de desaceleração. A economia brasileira está estagnada?

A economia brasileira teve um primeiro trimestre muito forte. É verdade, influenciada pelos excelentes resultados no setor agrícola. Mas esse primeiro trimestre muito forte, ainda com o crescimento dos serviços, já garante um crescimento para o conjunto do ano que é bastante vigoroso. O mercado hoje está com uma previsão, está se aproximando de 2,3% para a projeção de crescimento do PIB em 2023. A projeção de crescimento da SPE, por outro lado, é de uma expansão de 2,5%.

Isso representa uma desaceleração em relação ao ano passado, mesmo pequena, mas completamente compreensível devido aos efeitos da política monetária. Com a política monetária está um ‘campo significativamente contracionista’ – e essas são as palavras do próprio Copom – é natural que isso impacte o mercado de crédito. Depois, afeta o nível de atividade, o mercado de trabalho e até mesmo a arrecadação pública, que sofre com essa desaceleração. De fato, nós temos como perspectiva uma desaceleração do crescimento entre o primeiro trimestre e o segundo, terceiro trimestre, muito influenciados exatamente pelo impacto da política monetária no nível de atividade, em particular naqueles setores mais dependentes do mercado de crédito.

Estamos falando de varejo, indústria, de algumas partes do setor de serviços. E, mais para o final do ano, com a flexibilização da política monetária e com o avanço das políticas públicas que estão sendo adotadas para ampliar o investimento, aumentar a renda das famílias, melhorar as condições do mercado de crédito – entre eles o Minha Casa Minha Vida e o novo PAC, o novo valor do salário-mínimo, a correção da tabela do imposto de renda, o Mais Médicos etc. Além de toda a agenda microeconômica que nós estamos tocando para melhorar as condições do mercado de crédito e a concorrência no geral.

Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Foto: Washington Costa/MF

E o que a Fazenda espera de resultado do PIB para este segundo trimestre?

Nós achamos que a partir do final do ano vamos enxergar uma retomada do crescimento econômico, com uma composição um pouco diferente do que foi o primeiro trimestre. Foi muito baseado na agricultura e no final do ano a gente já pode começar a vislumbrar um desempenho um pouco melhor de setores como indústria e serviços.

D acordo com dados do Tesouro Direto, a maior despesa do governo central em 2022 foi com os juros da dívida pública, algo em torno de 8% equivalente ao PIB. Quanto o governo poupa com a redução da Selic no pagamento de juros da dívida pública?

Isso vai depender muito do nível que a Selic se encontrar ao final do processo de flexibilização da política monetária. Nós sabemos que um dos principais componentes da dinâmica da dívida pública é a taxa de juros. Porque temos, obviamente, o crescimento econômico como denominador da relação dívida e PIB, e o estoque inicial de dívida pública inicial também influencia. Mas isso é um estoque dado que temos hoje, inclusive, inferior ao que era estimado inicialmente pelo mercado.

O mercado tem revisto para baixo sistematicamente as suas projeções de dívida PIB, mas também temos essa variável central que é o gasto com juros. O resultado primário também tem impacto no resultado nominal que, por sua vez, reflete em aumento ou redução da dívida pública. Porém, é comparativamente, em valores, o pagamento de juros da dívida é um valor muito, muito mais expressivo. Estamos falando aqui em torno de R$ 700, R$ 600 bilhões, que é maior que, por exemplo, o Orçamento da Saúde e da Educação juntos.

Então, de fato, quando você reduz a taxa de juros, você reduz também o pagamento de juros da dívida. Isso depende da composição da dívida. Hoje nós temos uma dívida que está altamente atrelada à Selic, então o impacto da queda é mais rápido, porque se transfere mais rapidamente para o pagamento de juros. Mas também tem um impacto indireto, porque se por um lado você reduz o gasto com juros, por outro, uma taxa de juros menor pode ajudar o país a crescer mais, a gerar mais renda, emprego e, portanto, aumentar as receitas públicas. Ou seja, há impacto dos dois lados, você tem o impacto do lado do gasto e o impacto no lado da receita.

A Secretaria de Política Econômica tem alguma estimativa?

Como eu disse, existem cálculos preliminares sobre quanto a cada 1% de queda dos juros impacta na dívida. Mas nós preferimos esperar para entender qual vai ser o ritmo e o patamar em que os juros vão encerrar esse ciclo de flexibilização. Aí vai ficar muito mais claro qual será o impacto fiscal dessa redução.

A Fazenda foi surpreendida com o aumento do rating soberano pela Fitch e do viés otimista para um aumento de rating da S&P?

Não fomos surpreendidos. Nós já esperávamos que essa realidade pudesse ocorrer. E por quê? Porque o Brasil tem todas as condições, inclusive melhores do que muitos países em desenvolvimento, que hoje têm ou estão muito próximos do grau de investimento, para recuperar esse grau de investimento.

O Brasil não tem problemas de balanço de pagamento. Ao contrário, está em sequência de resultados de superávit comerciais relevantes, tem um estoque de reservas bastante seguro, um nível de dívida interna, é verdade, superior a muitos países em desenvolvimento, mas bastante inferior a outros países desenvolvidos.

O que vinha prejudicando o Brasil, na nossa leitura, era uma certa dificuldade de criar uma previsibilidade, uma segurança sobre o caminho que o país iria tomar. O caminho institucional, de estratégia econômica e diria até mesmo do ponto de vista das próprias relações políticas. A própria democracia chegou a ser questionada no Brasil.

E tudo isso gera incerteza, insegurança e, obviamente, impacta a análise de risco do país. Mas acreditamos que o país tem todas as condições, agora com essa harmonização entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, trabalhando em prol de uma agenda de recuperação da economia brasileira. Esse novo alinhamento entre a política fiscal e a política monetária pode surtir efeitos importantes ao longo do tempo.

Essa combinação de fatores prenuncia uma melhoria das condições de financiamento da economia brasileira através da redução dos prêmios de risco e da melhoria das notas das agências avaliadoras.

Nós achamos que é positiva essa revisão (do rating soberano). Mas ainda tem um longo trabalho iniciado no primeiro semestre pela frente que nós pretendemos realizar e consolidar até o final do governo. Até lá, vemos o Brasil de volta entre os países com grau de investimento.

Ou seja, ao final do governo, o senhor avalia que o Brasil pode deixar o grau de especulação?

Acho que ao longo do nosso governo nós temos tudo para conquistar essa avaliação. E veja, não é uma questão de comemorar ou não comemorar o que uma agência de avaliação de risco diz sobre o Brasil. Isso tem impacto econômico sobre os prêmios de risco, sobre a percepção dos investidores e mesmo sobre a possibilidade de alguns investidores institucionais aplicarem e investirem no Brasil. Já que existem regras de governança dos fundos que, em alguns casos, impedem a aplicação em países que não têm o rating soberano elevado ou grau de investimento. Mas eu acho que mais importante do que qualquer outra coisa é a capacidade do Brasil recuperar a sua credibilidade junto à comunidade internacional.

Isso inclui, claro, as agências de rating soberanos. Mas hoje a volta do Brasil para o cenário da diplomacia internacional é gritante. A diferença da participação, da importância dada para o Brasil nos principais órgãos multilaterais. A importância do presidente Lula, da liderança do Brasil, que vai presidir o G20 (bloco das vinte maiores economias do mundo) e sediar a COP-30.

O senhor acha que existe um alinhamento entre o investidor internacional e o Brasil neste momento?

Eu acho que o investidor internacional, já desde o início (do governo), tem visto o enorme potencial que o Brasil representa. Em primeiro lugar, é verdade, tivemos até pouco tempo atrás um patamar de inflação elevado. Mas o Brasil conseguiu controlar sua inflação antes mesmo de muitos outros países do mundo. E mais do que isso, o Brasil é um país com um enorme potencial no tema da transformação ecológica, o que é um ativo hoje em dia. Porque o futuro da humanidade depende disso. Na urgência ambiental e climática, o Brasil é protagonista do ponto de vista das soluções e não do problema. Isso tende a nos tornar uma grande referência em atração de investimentos.

Há uma oportunidade única para o país e os investidores internacionais conseguem enxergar isso. Eles também veem que agora normalizamos a relação entre os poderes, em um caminho promissor para a economia brasileira. Isso se reflete nas notas de risco, mas se reflete também na avaliação de órgãos internacionais, como, por exemplo, o FMI e a OCDE, que já emitiram notas e avaliações sobre a estratégia econômica do Brasil.

Tudo converge para o cenário econômico promissor. E se nós mantivermos essa harmonização que nós conseguimos construir no primeiro semestre aqui no Brasil, eu estou muito convencido que essa visão mais promissora sobre o Brasil vai se concretizar não só aos olhos do investidor internacional, mas também do investidor brasileiro.

Qual é a expectativa da Fazenda para a inflação até dezembro de 2023?

Nosso cenário para a inflação é um pouco mais benigno do que o cenário de mercado, apesar que ambos estarem similares para este ano.

Nós já esperávamos, desde o início do ano, uma inflação menor do que a projeção do Boletim Focus. Quando o Focus já estava com projeção em quase 6%, nós estávamos perto de 5,6%. Aí, com as surpresas positivas (sobre o IPCA), nós hoje estamos em 4,85%, que é muito próximo do que o mercado hoje enxerga para a inflação até dezembro. No ano que vem, acreditamos em algo próximo a 3,3%. O Banco Central está com 3,4%, enquanto o mercado está com previsão um pouco maior.

Mas achamos que temos todas as condições para isso (atingir a meta da Fazenda), até porque nós temos que lembrar que nós estamos em um cenário de deflação dos preços no atacado. Como dizem por aí, o IPCA  ‘está grávido da inflação no atacado’, só que nesse caso está grávido de uma deflação. Quer dizer, o atacado vai ter impacto no IPCA ao longo do tempo.

Lembrando que esse processo de desinflação brasileiro tem sido positivo do ponto de vista de sua composição. São alimentos e itens consumidos majoritariamente pelas pessoas mais pobres, e cujos preços vêm caindo mais rapidamente.

Estamos com o cenário para inflação de 4,85%. Mas sabendo que é possível, e cresce muito a possibilidade, de a inflação neste ano fechar dentro do limite superior da meta do Banco Central de 4,75%. Estamos muito próximos disso. A depender dos próximos resultados do IPCA, nós podemos convergir para um cenário de inflação dentro da meta ainda este ano. E, ao mesmo tempo, construir um próximo ano onde o país possa crescer de forma sustentada. Mas com uma inflação sob controle.

Veja, (a convergência das previsões do mercado com a Fazenda) tem acontecido em vários indicadores. Na própria trajetória do crescimento econômico, o mercado também se aproximou das projeções da SPE. No início do ano, a nossa projeção era quase o dobro da do mercado. Hoje é 0,2 p.p. a mais. Ou seja, na realidade, o que ocorreu ao longo desse ano foi que as expectativas do Focus foram convergindo para algo mais próximo daquilo que a SPE vinha apresentando.

No último Boletim Macro Fiscal da SPE, a meta do PIB de 2023 é de 2,5%. Na resposta que o senhor me deu agora, disse que pode haver um aumento.

Na verdade a projeção é de 2,5% para este ano, mas nós trabalhamos também com um PIB potencial de 2,5%. Sei que algumas pessoas do mercado estimam um valor inferior. O PIB potencial, como nós sabemos, é uma variável não observável. Existem várias formas de calculá-lo, assim como o chamado “hiato” do produto. Nos nossos modelos da SPE, o Brasil ainda tem um hiato negativo, ou seja, ainda está abaixo do seu potencial.

Quer dizer, o Brasil tem condições de crescer mais, até superando seu potencial, sem grandes pressões inflacionárias. Isso porque, seja nos indicadores de capacidade ociosa ou no mercado de trabalho, nós ainda temos espaço para melhorar esses indicadores. Ou seja, ainda tem capital e trabalho a serem empregados antes de pressões inflacionárias mais relevantes.

Muitas pessoas falam que o mercado de trabalho estaria pressionado, já que a taxa de desocupação está historicamente baixa. Mas é sempre bom observar que a taxa de participação também caiu. Isso ocorreu no mundo inteiro, em particular no pós-covid. Uma parte disso está relacionada à pandemia, mas outra parte não.

Temos convicção que, no caso brasileiro, além de uma taxa de participação anormalmente baixa, que tende a crescer conforme a economia vá se recuperando, também tem uma questão de informalidade. A informalidade no Brasil ainda é muito elevada. E outra questão é de composição. Quer dizer, você pode também criar trabalhos mais produtivos em setores mais produtivos, que paguem melhor e, portanto, dinamizem ainda mais o mercado de trabalho.

Em suma, a uma projeção de 2,5%, eu sempre falo que não é “ciência de foguetes”. Seria algo em torno deste patamar. Pode ser um pouco mais, pode ser um pouco menos. Nós vamos acompanhando os resultados para ir revisando as nossas projeções. Mas também temos uma projeção de PIB potencial próximo a isso, dadas as condições da economia brasileira hoje.

Agora, é óbvio que com a aprovação da reforma tributária sobre o consumo e sobre a renda, o lançamento do plano de transformação ecológica do novo PAC, as reformas microeconômicas, o próprio arcabouço fiscal… tudo isso reduz os riscos e joga a taxa neutra de juros para baixo, o que pode ensejar um aumento do potencial de crescimento da economia brasileira.

Ou seja, ao longo do tempo, pode ser que a gente consiga crescer 3%, 3,5% sem gerar pressões inflacionárias.

Existe um boato no mercado financeiro de que não será possível cumprir a meta de zerar o déficit do governo central em 2024 dentro da banda de 0,25%. Há um temor dentro da Fazenda e do senhor de que é essa regra aperte a partir de 2025?

Agora, no dia 31 (de agosto), o governo vai enviar ao parlamento o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024. Nesse projeto vão aparecer todas as medidas necessárias para zerar o déficit público em 2024.

A projeção da geração de receitas através dessas medidas, calculada pela Receita Federal, é sempre conservadora. Estamos falando aqui de uma projeção em que há uma tendência de geralmente se verificar que a arrecadação é até superior àquela calculada pela Receita Federal. Nós temos também na gestão da política fiscal, no próximo ano, um intervalo para cima e pra baixo.

O PLOA será enviado ao Congresso Nacional com uma previsão de uma série de medidas que nós estamos elencando para recompor a base fiscal do Estado e permitir que ano que vem o déficit seja zero. Isso estará explicitado de maneira transparente e clara no projeto.

Aí, obviamente, muita coisa pode acontecer no meio do caminho. Muitas pessoas perguntam “mas e se não aprovarem as medidas?” É óbvio que é essa conta depende do comportamento das receitas. Nós temos uma projeção de despesas que pode ser contingenciada, mas o fundamental é a possibilidade de recomposição das receitas.

E nós achamos que, como nós temos percebido um parlamento e um Judiciário parceiros e que compreenderam a necessidade do Brasil de recompor a sua base fiscal, é plenamente possível cumprir a meta fiscal em 2024.

Eu entendo que as pessoas têm dúvidas e desconfianças, como tinham sobre o novo arcabouço assim que ele foi anunciado. Depois que ele foi aprovado, as pessoas reconheceram as suas virtudes e reduziram as taxas de juros longas (longo prazo) e os prêmios de risco pelo sucesso que foi o desenho elaborado para o arcabouço. Da mesma forma, havia dúvida em torno da aprovação da reforma tributária do consumo.

E várias medidas de recomposição da receita. Nós estamos confiantes de que sim, é plenamente possível. É uma meta ambiciosa. Ninguém nunca negou isso, mas ela só é ambiciosa porque, de novo, a nova regra fiscal descriminaliza a política fiscal. Então nós podemos ser ambiciosos. E contando com a parceria do parlamento, temos certeza de que seremos capazes de entregar um resultado fiscal dentro da meta para o ano que vem.