HCTR11: FII corre risco de suspensão por não ter balanço aprovado? Entenda o que isso significa

Abstenção da auditoria que levou à decisão dos cotistas de reprovar as diretrizes financeiras do fundo imobiliário até dezembro de 2022 não é, por si só, requisito objetivo previsto em regra para a suspenção da negociação em bolsa das cotas do fundo; cabe à CVM e à B3 avaliar o caso

A saga do Hectare CE FII (HCTR11) ganhou mais um capítulo em janeiro deste ano. A administradora do fundo, a Vórtx, teve que prestar esclarecimentos sobre a abstenção da auditoria que levou à decisão dos cotistas de reprovar as diretrizes financeiras do FII até dezembro de 2022. Em resposta a um ofício da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da B3, a empresa informou que a auditoria responsável, a Baker Tilly Partners, teve “insegurança” ao verificar as contas da devedora do CRI (Certificado de Recebível Imobiliário) Gramado Parks.

E o que isso significa para o fundo com mais de 190 mil cotistas?

Especialistas consultados pela Inteligência Financeira apontam que, em última instância, a falta de aprovação nas contas do HCTR11 pode levar a uma suspensão de comercialização de cotas pela CVM. Em seu regulamento, a autarquia prevê, além de advertências e multas, a suspensão de autorização de venda de cotas de fundos de investimento para casos que considera graves.

Contudo, para a B3, o fundo não descumpre regras que justifiquem a deslistagem do IFIX , segundo critérios da empresa. Leia mais em B3 diz que abstenção de auditores no caso HCTR11 não justifica retirada do IFIX.

Ou seja, a abstenção da auditoria que levou à decisão dos cotistas de reprovar as diretrizes financeiras do fundo imobiliário até dezembro de 2022 não é, por si só, requisito objetivo previsto em regra para a suspenção da negociação em bolsa de valores das cotas do fundo HCTR11.

Cabe, portanto, à CVM e à B3 avaliar o caso.

O que aconteceu com o dividendo de HCTR11?

O fundo HCTR11 passa por dificuldades envolvendo principalmente sua carteira de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). O FII de papel ganhou fama entre investidores por ser high yield: mais arriscado a troco de um pagamento em dividendos superior à média de mercado.

E o HCTR11 entregava justamente isso. Em maio de 2022, o Hectare FII remunerava cotistas a R$ 1,77 por cota, um dividend yield (DY) anualizado de 19%.

O fundo teve complicações quando uma emissora de CRIs, a rede hoteleira Gramado Parks, declarou recuperação judicial em abril. A empresa, acompanhando o pedido, levantou um “waiver” para o pagamento dos títulos de crédito. Isso impactou negativamente os rendimentos do HCTR11.

Além de enfrentar incertezas sobre o pagamento do crédito de devedores, o HCTR11 hoje paga R$ 0,50 por cota, um DY de apenas 5%.

Em setembro do ano passado, cotistas reprovaram as contas do HCTR11 até dezembro de 2022. Isso porque a Baker Tilly Partners se absteve de opinar sobre o balanço referente ao período.

Vórtx fez esforços para o auditor opinar

Em documento, a administradora do HCTR11 afirma que a abstenção da Tilly Partners veio mesmo após esforços de tentar convencer os auditores a não deixarem o balanço em branco.

A administradora ressaltou que disponibilizou à Tilly “todos os documentos solicitados”.

Isso incluiu “evidências de recebimento de todos os valores previstos até posteriormente a dezembro de 2022. Além disso, a Vórtx entregou “memórias de cálculos de ativos e atas de comitês de precificação” aos auditores.

Mas os auditores foram “irredutíveis” na abstenção de opinião, diz a administradora. O motivo da “insegurança” da Tilly: os CRIs da Gramado Parks.

Os problemas por trás da queda do HCTR11

Um gestor de um grande FII da Faria Lima falou à reportagem, de forma reservada, que casos onde a auditoria tem problemas com as contas de fundos imobiliários são “atípicos”.

Nesse caso, a abstenção seria porque “são muitas as renegociações com devedores”. Assim, prossegue a fonte, “as auditorias deixam de realizar a amostragem para fazer análises de valores e dos lastros de emissão”.

“Questões de renegociação são desafiadoras de auditar. Como você audita uma carteira com base em um risco que ainda não se materializou?”, completa o gestor.

Dentro da carteira CRIs corporativos do Hectare FII, apenas 7,7% do patrimônio líquido do fundo está 100% adimplente, notam analistas do Itaú BBA em relatório.

A empresa coloca em seu relatório gerencial que esses credores em “waiver” estão “adimplentes”. Mas segundo Ricardo Schweitzer, CEO da Schweitzer Consultoria, o “waiver” sinaliza que os emissores estão em reestruturação para pagar as dívidas. Isso não configura exatamente como “adimplência”.

“O fundo tem exposição cruzada a um mesmo conjunto de emissores, o que provoca um problema em cadeia”, afirma Schweitzer.

Em relatório, o Itaú BBA ressalta que mais de 90% da carteira do Hectare FII está em negociação de “waiver”.

Para outra fonte, a ausência de um visto é suficiente para afastar o investidor pessoa física. O gestor vê a ausência de opinião da Tilly como uma “bandeira vermelha” ao cotista.

“O risco Gramado Parks ainda não é dos mais confortáveis, por mais que os CRIs não tenham entrado na recuperação judicial da companhia”, disseram analistas do Itaú BBA em relatório emitido em 17 de janeiro. O banco recomenda a “venda” de cotas do HCTR11, citando que o risco de credores “é alto”.

Fundo da Hectare corre risco de suspensão? Entenda

Um analista afirma à reportagem que, ao não aprovar as contas de 2022, a Hectare descumpre regras de “tempestividade de prestação das informações contábeis” da B3. “Mas resta saber de mais elementos antes de tomar essa decisão” disse esta fonte.

De acordo com regulamento da CVM, caso, após as devidas análises, sejam constatadas irregularidades nas demonstrações financeiras do HCTR11,  a autarquia poderá aplicar medidas que vão de uma advertência, passando por uma multa – não maior do que R$ 50 milhões – e, por fim, em casos extremos, a suspensão das atividades das entidades responsáveis pela administração e/ou gestão da carteira de um fundo de investimentos.

Para o advogado Adilson Bolico, da Mortari&Bolico Associados, a falta de assinatura do balanço também deveria acender um alerta aos cotistas do HCTR11. Mas a suspensão da Hectare seria um caso de “última análise” pela CVM, pontua o advogado.

“Se nem o auditor tem conforto de dar um parecer, para o cotista isso deveria ser uma bandeira amarela de que algo não está claro”, afirma o advogado.

B3 diz que abstenção de auditores no caso HCTR11 não justifica retirada do IFIX

Para a B3, o fundo não descumpre regras que justifiquem a deslistagem do IFIX, segundo critérios da empresa.

“Considerando que houve o envio das Demonstrações Financeiras, ainda que com abstenção de opinião no parecer do auditor independente, e a sua submissão à deliberação da Assembleia Geral Ordinária nos prazos regulamentares, não há uma violação das regras previstas no Regulamento de Emissores”, disse a B3 em nota à Inteligência Financeira.

“Visando uma maior transparência aos cotistas do fundo, a B3 solicitou esclarecimentos ao administrador, que foram prestados em 18/01/2024. De qualquer forma, no âmbito do Convênio de Cooperação entre a CVM e a B3, o caso é objeto de compartilhamento com a CVM, sendo que eventual decisão de inadimplência perante a CVM será replicada na B3”, disse a responsável pela bolsa de valores.

Fontes afirmaram à Inteligência Financeira que é provável que a resposta da Vórtx à B3 e à CVM gere um novo questionamento das autarquias. Bolico vê o mesmo cenário.

Já a CVM afirmou que não comenta casos específicos. Mas afirmou que o caso de falta de aprovação das contas do HCTR11 por abstenção de auditoria “segue sendo analisado em âmbito de processo da autarquia”.

Outro lado

Procurada pela Inteligência Financeira, a administradora do HCTR11, a Vórtx, afirmou que “todos os posicionamentos a respeito do tema são realizados via fato relevante”.

A reportagem fez contato com a auditoria Baker Tilly Partners, mas não obteve resposta aos questionamentos até a data de publicação.

A Hectare afirma que investidores “são informados” sobre a “maior volatilidade e maior retorno” do HCTR11 porque o fundo se encaixa na categoria de high yield.

A Hectare diz que “está empenhada em fazer com que o fundo retorne aos seus antigos níveis de performance, promovendo negociações e cobranças periódicas para equalizar os fluxos dos CRIs, sem deixar de gerar caixa para sua sustentabilidade”.

Por fim, a gestora afirma que em alguns de seus ativos, o “desempenho das empresas está muito atrelado ao poder de compra da população, que está melhorando gradativamente”.

“Por isso, seguimos confiantes na melhora das perspectivas para o setor e da capacidade de pagamento das empresas que se encontram em negociação ou adimplência com waiver”, conclui a Hectare.

Resposta da Hectare à Inteligência Financeira

A reportagem “HCTR11: FII corre risco de suspensão por não ter balanço aprovado? Entenda o que isso significa”[1] é especulativa, pode induzir o investidor em erro e lesar os cotistas.

O título da matéria elucubra sobre a possibilidade de suspensão do FII.

E, contraditoriamente, o faz apesar de a B3 ter declarado não haver “violação das regras previstas no Regulamento de Emissores”.

Além disso, o único “especialista” que a matéria se dignou a identificar, o advogado Adilson Bolico, afastou a possibilidade de suspensão do FII, que só ocorreria em “‘última análise’”.

No mais, é curioso não terem sido identificados quaisquer dos “gestores e analistas” que teriam sugerido chance real de suspensão da HECTARE.

Ao sonegar as demais fontes –– principalmente o anônimo “gestor de um grande FII da Faria Lima” — o Inteligência Financeira impede que os leitores, a HECTARE, seus cotistas e investidores apurem as informações, verificando, por exemplo, se seriam provenientes de alguém potencialmente interessado na desvalorização do ativo.

A propósito, essas mesmas pessoas não identificadas sugerem que a abstenção da empresa de auditoria se deu pela sonegação de informações por parte da HECTARE, o que é mentira.

Em seus Relatórios Gerenciais, publicados mensalmente, os gestores do HCTR11 apresentam informações pormenorizadas, que podem ser acessadas por todos e que serviram, inclusive, para elaboração da matéria em questão. Portanto não há como questionar a transparência da gestão do fundo.

O “Inteligência Financeira” ainda errou ao afirmar que a cota do HCTR11 teria sido “marcada à mercado”, bem como ao qualificar o fundo como uma “instituição financeira”.

Enfim, alardear a irreal possibilidade de proibição de comercialização do HCTR11, ou a aplicação de multa de R$ 50.000.000,00, ainda mais se valendo de fontes anônimas, é uma conduta gravíssima e prejudicial aos mais de 190 mil cotistas.