Fundo imobiliário para o estádio do Corinthians: quais contas estão em jogo?

O mercado precisa entender os riscos, e os clubes precisam melhorar a imagem junto ao mercado

Vocês já leram várias vezes as minhas colunas que existem alguns modelos de negócios dentro da indústria do futebol. Um deles é aquele em que se compra um clube massa para aumentar seu valor a partir de um melhor relacionamento com o torcedor. Antes de alguém torça o nariz para esta declaração, um alerta: não se engane, pois na maior parte das vezes é o torcedor quem paga a conta, direta ou indiretamente. E hoje vamos abordar o fundo imobiliário do Corinthians. Até porque o desafio do financiamento à construção de estádios no Brasil passa por aí.

Como funciona o modelo do futebol

A construção desse modelo passa, necessariamente, por fazer com que o torcedor consuma mais seu time. Seja comprando merchandising, produtos, sendo sócio-torcedor, assinando pay-per-view, gerando audiência e, por fim, mas não menos importante, indo aos jogos.

A presença no estádio é, por natureza, o momento que aproxima o torcedor do seu clube. Logo, proporcionar uma grande experiência é fundamental nessa construção.

Para que isso ocorra é necessário que os clubes tenham estádios qualificados. E por qualificado entenda um local de acesso e saída fáceis, limpo, com boa visibilidade da partida, que permita uma relação visual e sonora que faça do torcedor o 12º jogador.

Qualidade dos estádios

No Brasil, após a Copa de 2014, houve uma grande melhora na qualidade média dos estádios. Não resolvemos todos os problemas em todos os estádios, mas evoluímos.

Entretanto, se entendermos que o futebol brasileiro precisa de um processo de transformação, não podemos nos limitar às SAFs, às gestões profissionais, à liga de clubes.

Então, precisamos adicionar os estádios, que são grande fonte de renda e criação de vínculo entre torcedores e clubes.

Financiamento da construção dos estádios

Para atingirmos maior número de estádios qualificados, esbarramos num tema inicial e óbvio: o financiamento da construção.

Estádios são estruturas imobiliárias de grande porte, de custo elevado, com boa dose de especificidade, e que isoladamente geram poucas receitas.

Até para fazer o valuation de um estádio há certa complexidade. Há quem defenda a ideia de que basta um fluxo de caixa descontado que considere bilheteria, locação, publicidade, e adicionais como naming rights e lojas.

Já outros usam a técnica do cap rate, considerando justamente os elementos de geração de receitas possíveis.

Por fim, e mais comum, é uso do custo de reposição do ativo. Ou seja, um estádio vale o quanto se gastaria para construir outro com as mesmas características, e que perde valor no tempo à medida em que as novas instalações são mais modernas e agregam maior qualidade ao projeto.

Quanto custa um estádio novo?

Além do projeto arquitetônico, e do potencial de geração de receitas embutido, chegamos na outra ponta da equação, que é o financiamento da obra.

Um estádio novo custa, pelo menos, uns R$ 400 milhões, num chute bem despretensioso, pois depende do tamanho, da infraestrutura adicionada e tudo mais, como as contrapartidas públicas.

Por exemplo: a Arena MRV custou na casa de R$ 1 bilhão. Além disso, fala-se que a Nova Vila Belmiro custaria uns R$ 300 milhões, valor que sabemos que sempre fica maior ao longo da obra – quem já teve que reformar banheiro sabe bem o que estou falando.

Nenhum clube tem dinheiro para arcar com esse valor. Nem na Europa ou nos EUA. Mas fora do Brasil as taxas de juros são bem mais comportadas – e não tem a esquizofrenia brasileira de Selics irreais que saem de 2% para 14%, sem jamais poder ser 2%, nem precisar de 14% por tanto tempo – e possuem prazos compatíveis com ativos cujo retorno é de longo prazo.

O novo estádio do Tottenham foi financiado com 23 anos de prazo para pagamento, e pagando 2,66% ao ano de juros, em taxa fixa. Como garantia há as locações, a venda de ingressos, e tudo mais que envolve as receitas do estádio.

Fundo imobiliário do Corinthians: é hora de vender a Neo Química Arena?

Na semana passada quem voltou a falar em estádio foi o Corinthians. Em período eleitoral, a ideia que surgiu foi de vender parte da Neo Química Arena para um investidor privado, ou mesmo vender para investidores pulverizados através de um fundo imobiliário, ou algo parecido.

Sempre cercado de sigilo, o que se sabe é que a dívida da construção do estádio informada pelo clube é da ordem de R$ 700 milhões, parcelada até 2041, custando algo como CDI+2% ao ano.

O clube paga juros de R$ 100 milhões anuais em 2023, e no financiamento acordado com a Caixa, considerando juros anuais de 12%, os pagamentos anuais ficam em torno de R$ 118 milhões.

Acordo para quitar dívida do Corinthians

Na sexta-feira (17), surgiu a notícia de uma forma “inovadora” de liquidar o R$ 700 milhões de dívida. A informação dá cota de que o clube usaria os cerca de R$ 300 milhões do contrato de naming rights, que é de 20 anos e corrigido pelo IGPM, e pagaria o restante através de precatórios, comprados com deságio de 90%.

Dessa forma, a Caixa trocaria R$ 700 milhões corrigidos a CDI+2% ao ano, no prazo de 17 anos, por R$ 300 milhões corrigidos a IGPM pelo prazo de 20 anos, mais um precatório.

Precatório é um título de dívida do governo federal, ou seja, um valor que a União deve pagar a alguém, de cerca de R$ 400 milhões. Mas que o clube pagou cerca de R$ 40 milhões por ele.

Se esta passar a ser uma forma de negociação da Caixa para todos os créditos que têm no mercado, transforma-se num benefício para todos os brasileiros, que poderão pagar seus financiamentos imobiliários com a instituição, por exemplo, por 10% do saldo devedor.

Agora, se o processo de reestruturação da dívida da Neo Química Arena ocorresse no mundo normal, e representasse a construção de um caminho para aproximar o mercado financeiro da indústria do futebol, então o clube poderia buscar um fundo imobiliário.

Fazendo um conta baseada no balanço de 2022 do clube, e utilizando uma premissa bastante agressiva e otimista, temos que as receitas com bilheteria seriam da ordem de R$ 100 milhões, com mais R$ 15 milhões anuais de naming rights, mais uns R$ 20 milhões de outras receitas.

Se deduzirmos um custo de manutenção da ordem de R$ 25 milhões anuais, sobram R$ 110 milhões. Portanto, as receitas são inferiores aos custos do financiamento.

Veja, estou apenas simulando algo baseado no que há de disponível.

Como seria o fundo imobiliário do Corinthians?

Nesse sentido, a ideia do fundo imobiliário parece ser interessante. Vamos pensar num fundo de R$ 700 milhões, que remunere o investidor com 80% das receitas estimadas acima.

Estamos falando, portanto, de R$ 88 milhões anuais, que significam 12,6% de rentabilidade. Sai mais barato para o clube que a dívida. Ao mesmo tempo em que coloca nas mãos do investidor o risco de longo prazo do ativo. Além, claro de “n” outros riscos, que podem ser explorados em outro momento.

Aliás, numa operação dessas a formalização do fluxo de pagamentos é fundamental, pois falamos de dependência direta do clube, uma vez que boa parte das receitas passa pelo seu caixa. Um dentre tantos aspetos de risco que precisariam ser ponderados numa operação assim.

Os riscos do fundo

Aqui não faço nenhum tipo de avaliação ou recomendação da operação, que nem existe.

Trata-se, apenas, de um exercício que deveria ser feito não apenas para este caso, mas para uma série de reformas e construções de estádios que precisarão ser feitas se quisermos, de fato, transformar completamente o futebol brasileiro.

O mercado precisa entender os riscos, e os clubes precisam melhorar a imagem junto ao mercado. Não apenas com promessas, mas com ações de fato.

É o grande desafio do crescimento do futebol brasileiro: uma eterna crise de confiança.