Cortaram a Selic e a bolsa de valores caiu… não era esse o plano

A boa notícia é que a principal causa veio do ambiente externo, já a má notícia é que ocorrido veio, olha só, também do ambiente externo

Para o investidor brasileiro, a discussão mais relevante ao longo da primeira metade deste ano foi, sem dúvida, a respeito do início do ciclo de corte de juros da taxa Selic. O cenário de juros altos que o país vem vivenciando nos últimos dois anos é um ambiente desafiador para investimentos de risco e para a economia real.

Desse modo, com o custo de dívida mais elevado, as empresas seguram os investimentos, cortam custos e sentem a despesa financeira impactar seus lucros. E, então, sem investimentos, a economia desacelera.

Do ponto de vista do investidor, a assimetria de riscos é muito grande em períodos de juros altos: de um lado um taxa pós-fixada atrativa e sem risco, e de outro lado um mar de incertezas em ativos de maior duration, como ações ou renda fixa prefixada de longo prazo. Não por acaso o Brasil é conhecido como o país dos rentistas.

No entanto, a proximidade do início do ciclo de cortes de juros começa a alterar as expectativas dos agentes econômicos. A lógica é simples: se o pior já passou, as coisas só podem melhorar. Dessa forma, a matemática financeira também ajuda: se a taxa de desconto vai cair, o valor presente dos fluxos de caixa será maior, e quanto maior o duration, maiores os ganhos.

Em relação à economia real, a política monetária menos restritiva contribui para a atividade econômica. Afinal de contas, isso melhora as condições de crédito, o que melhora o consumo, incentiva as empresas a investirem, melhora o emprego, a renda e temos crescimento econômico.

Com maiores lucros, as ações das empresas se valorizam. Portanto, o início de um ciclo de cortes de juros acaba sendo um ciclo virtuoso para a economia.

Copom corta a taxa Selic

Na reunião de setembro, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) reduziu a taxa básica de 13,25% para 12,75% ao ano, em votação unânime. Além disso, indicou que manterá o ritmo de cortes da Selic ao passo de 0,5 ponto percentual.

Apesar da divisão entre os membros do comitê a respeito do ritmo de cortes, o cenário base é o de que a taxa de inflação está se dirigindo para a meta, e a atividade econômica vem dando sinais de desaceleração, de modo que faz sentido começar a estimulá-la.

Aleluia! Era o que o mercado queria ouvir. Sinal verde para aumentar o risco das carteiras de investimento e para o crescimento econômico do país, certo? Só que o que vimos desde então foi uma performance bastante ruim de ativos de risco. O índice Ibovespa caiu e as curvas de juros abriram. Por quê?

‘Sobe no boato e cai no fato’

Investidores mais experientes já devem ter ouvido esse aforismo de mercado. Afinal, não são poucas as vezes que nos surpreendemos com um comportamento de preço totalmente oposto ao que se esperaria no caso da confirmação de uma expectativa altamente positiva. A razão é técnica: posicionamento.

Quando se cria uma expectativa sobre um evento, como a divulgação de um dado econômico, ou o resultado de uma empresa, os investidores começam a se posicionar para esse evento. Quanto mais convictos e mais seguros os investidores estiverem, mais provável que todos se posicionem da mesma forma.

Um exemplo foi o resultado da Nvidia, divulgado na semana passada. Isso porque, todos esperavam um resultado bastante forte da empresa. E por diversos motivos, como os anúncios de chineses e árabes comprando grandes quantidades de chips, ou clientes anunciando grandes investimentos em Inteligência Artificial.

De fato, foi um blockbuster, mas apesar disso, as ações não conseguiram sustentar a alta inicial e fecharam o dia seguinte praticamente no zero a zero. Sem um comprador marginal, o papel viu toda a alta ser devolvida.

Ibovespa em queda

No caso do Ibovespa, vimos uma grande mudança de posicionamento da indústria local de fundos multimercados desde o início do ano. Antes da reunião do Copom, praticamente toda a indústria estava comprada em bolsa brasileira. O corte da Selic não surpreendeu ninguém, já era esperado.

Mas essa é apenas parte da história. O grande vilão para os ativos de risco brasileiros neste mês foi o ambiente externo. A inflação global continua elevada, mas está em trajetória desinflacionaria, o que é positivo.

No entanto, a atividade econômica dos EUA está muito forte, e isso vem fazendo os investidores concluírem que a taxa de juros americana ainda não está restritiva o suficiente, ou que deverá se manter em patamar elevado por muito mais tempo para produzir os efeitos esperados na economia real. Seja como for, o resultado foi uma elevação das curvas de juros americanas. A Treasury de 10 anos superou a taxa de 4,25% atingida em outubro.

Ao superar as máximas anteriores, o mercado volta a se questionar: qual será o patamar máximo que as taxas de juros americanas poderão chegar? Essa incerteza gerou volatilidade e fez com que investidores buscassem reduzir risco.

Quem vai comprar a bolsa brasileira?

Um dos gatilhos para a bolsa brasileira é naturalmente relativo aos fundamentos, ou seja, à perspectiva de crescimento de lucros das empresas. O ciclo de cortes de juros que se inicia é bastante animador neste sentido, mas precisamos ver alguma confirmação dessa expectativa.

Outro gatilho é do lado técnico: posicionamento e fluxo. O investidor local tem bastante espaço para comprar ações, mas com o CDI ainda rendendo mais de 1% ao mês, ainda precisamos ver o capital alocado em fundos de renda fixa migrar para fundos de ações.

Em relação ao investidor estrangeiro, esperava-se um fluxo maior a partir do início do ciclo de cortes de juros locais. Mas com a visão mais negativa em relação a China e mercados emergentes, e com as taxas de juros nominais ainda sendo precificadas para cima, a má notícia é que talvez esse fluxo demore para se interessar por ativos brasileiros.