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Investir no exterior ainda vale a pena com a mudança na taxação?
Segundo informações divulgadas recentemente, as regras para o investidor brasileiro com aplicações no exterior podem mudar em 2024. Isso porque, a Medida Provisória (MP) 1.171 determina que, a partir do início do ano que vem, todos os rendimentos de aplicações financeiras fora do país sejam taxados pelo Imposto de Renda na Pessoa Física (IRPF). Com novas alíquotas, ainda vale a pena investir no exterior?
O texto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve seguir para a tramitação no Congresso. A MP tem prazo de 120 dias para ser aprovada pelo Congresso.
A taxa deve jogar um “balde de água fria” em quem pensa em investir lá fora, dizem especialistas consultados pela Inteligência Financeira. Contudo, os pontos fortes da tese se mantém: caso o investidor opte por aplicar no exterior, estaria apostando em solidez.
O que muda com a nova taxação para investimentos no exterior?
A medida provisória do governo Lula define uma nova taxa para investimentos no exterior, corrigidos pela tabela do IRPF.
Atualmente, o investidor brasileiro que se arriscava fora do país tinha somente duas taxas a pagar, caso seus investimentos fossem elegíveis: imposto sobre ganho de capital e imposto sobre rendimentos.
O imposto sobre rendimentos a ser pago é americano, e não brasileiro. Isso porque o Brasil e os Estados Unidos possuem um acordo de reciprocidade, permitindo que a taxa brasileira seja compensada pela americana.
Como aqui a alíquota máxima do IRPF é de 27,5%, inferior aos 30% cobrados nos EUA, o investidor só pagava este imposto.
A medida editada por Lula acaba com essa distinção. Agora, se o investidor que tiver ganho de capital pela da venda de ações no mercado externo ou receber dividendos e juros será tributado da mesma forma.
Atenção: isso vale para quem possui fundos, como ETFs (fundos de exchange) e trusts, como REITs (para o mercado imobiliário americano).
Investimentos cujo rendimento forem inferiores a R$ 6 mil estão isentos de IRPF. Contudo, há novas taxas anuais para:
- Rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil — alíquota de 15%
- Rendimentos que ultrapassem R$ 50 mil — alíquota de 22,5%
A medida, destaca João Marcos Visotaky, analista da Ticker Research, reduziu a isenção sobre vendas de ações e aumentou o imposto para investidores. Antes, apenas quem obteve rendimentos de R$ 30 milhões ou mais pagava 22,5%.
Quais investimentos no exterior serão taxados pela MP?
De acordo com a MP, entre as aplicações financeiras negociadas no exterior que serão taxadas, estão:
- Apólices de seguro;
- Certificados de depósitos
- Cotas de fundos de investimento (ETFs);
- Certificados de investimento ou operações de capitalização;
- Depósitos bancários;
- Depósitos em cartões de crédito;
- Dividendos ou lucros sobre capital próprio;
- Fundos de aposentadoria ou pensão;
- Instrumentos financeiros;
- Títulos de renda fixa e de renda variável;
- Trusts e fundos de trusts,
- Vendas de ações no mercado secundário
Aplicações no exterior com rendimentos a partir da flutuação cambial do dólar para o real também serão taxadas pelo governo, conforme o texto.
O governo ainda pode tentar aprovar novos dispositivos na MP que não estão presentes na versão inicial do texto, aponta Visotaky. Um exemplo é a taxação de dividendos, que hoje já são onerados nos EUA.
Ainda não está claro, dizem os analistas, se a medida também encerra o acordo de reciprocidade com os EUA para a compensação tributária. O que significa que os rendimentos das aplicações financeiras no exterior podem ser taxados duas vezes.
Para a advogada Patrícia Campos Soares, do SFCB Advogados, as novas alíquotas para investimentos no exterior são “assimétricas” à tributação do mercado doméstico.
De acordo com Patrícia, essa assimetria pode gerar discussões jurídicas sobre o projeto, “tendo em vista a não observância de algumas normas e princípios, como o da isonomia, por exemplo”.
O que vai mudar no imposto para quem investe em BDRs?
Uma das grandes dúvidas entre especialistas é se as novas regras da MP se aplicam a uma classe de ativos queridinha do investidor brasileiro: o Brazilian Depositary Receipt (BDR).
Vale lembrar que BDR é uma forma de comprar ações de empresas em bolsas de valores do exterior, como Amazon (AMZO34), Disney (DISB34) e Netflix (NFLX34).
BDRs são negociados no Brasil e a MP não faz menção específicas aos recibos de depósito bancário. Visotaky lembra que esse ativo “está numa relação entre duas pessoas jurídicas”.
Ou seja, a empresa americana e a instituição financeira depositária emissora do recibo, geralmente um banco ou corretora. “A MP trata apenas da tributação em rendimentos das pessoas físicas.”
A tributação dos BDRs é a seguinte:
- Os dividendos continuam sendo taxados apenas pelo governo americano (30% na fonte).
- O ganho de capital continua sendo taxado em 15% pelo governo brasileiro, sem qualquer tipo de isenção.
Contudo, na avaliação de Débora Casseb Martins, sócia da consultoria BT7 Partners, a medida poderia enquadrar os BDRs como aplicações em títulos de renda variável no exterior. O governo pode usar esta interpretação do texto para, assim, tributar rendimentos dos recibos.
Antes, era ampla a visão no mercado de que os BDRs nunca foram tributados adequadamente pelo governo brasileiro.
Alexandre Brito, head de gestão de patrimônio da Financap, acredita que o BDR pode ser taxado justamente porque, apesar de ser um ativo negociado lá fora, escapa do carnê.
Offshores: ‘balde de água fria’
Mas, segundo especialistas, o alvo principal da medida do governo são as offshores, empresas usadas por investidores brasileiros no exterior para negociarem ativos ou receberem dividendos e lucros distribuídos.
Offshores sempre foram uma opção atraente para quem tem uma exposição de patrimônio maior aos investimentos estrangeiros pelo diferimento da tributação dos lucros de movimentações financeiras.
A MP prevê o fim do diferimento e a substituição pela alíquota do IRPF equivalente à renda.
“Antes da MP, as offshores só pagavam IR no momento da distribuição do lucro aos sócios. Até lá, a empresa poderia trabalhar esse dinheiro isenta de impostos. Teoricamente, uma empresa dessas poderia passar décadas sem pagar imposto sobre o lucro, desde que ele não fosse distribuído. Isto é, disponibilizado aos sócios”, afirma João Marcos Visotaky.
Brito vem aconselhando clientes a aguardarem pela movimentação da MP no Congresso ao invés de abrirem uma offshore para investimentos no exterior.
Ele afirma que “não faz mais tanto sentido” abrir uma empresa no exterior ao contratar um contador, estruturar a sociedade e ainda por cima pagar impostos.
Débora Casseb também faz coro ao ressaltar desvantagens do investimento no exterior via offshore. Para ela, o fim do diferimento do IRPF pode ser um ‘balde de água fria’ no mercado. “Era uma das grandes vantagens de se constituir offshore.”
Com novas taxas, vale a pena investir no exterior?
A nova MP pode deixar a carga tributária para investimentos no exterior ainda maior, mas alocar em ativos na bolsa americana, por exemplo, ainda se mantém como uma aplicação segura frente investimentos mais arriscados.
Ao mesmo tempo em que não é recomendável transferir todo o patrimônio para o dólar, Brito afirma que o investidor pode encontrar boas oportunidades na flutuação cambial do real para a moeda americana.
“Os prêmios de risco no Brasil ainda estão pagando bem para quem se arrisca, mas o real tem se valorizado. Acho que o investidor pode aproveitar para dolarizar um pouco do patrimônio — e não 100%”, diz.
Por outro lado, Visotaky recomenda cautela diante de um cenário incerto sobre o futuro da MP. Como ela ainda não passou pelo crivo do Congresso, não se sabe se ela será aprovada com modificações.
“No entanto, se ela for aprovada do jeito que está, com tributação duplicada de dividendos e fim das isenções sobre ganho de capital, o investimento em ações que não pagam ou pagam poucos dividendos, durante prazos longos, será mais atraente”, diz ele.
Qual a melhor estratégia para investir caso a MP seja aprovada?
“O investidor embolsará uma fatia maior do lucro das empresas que pagam menos dividendos, lucro este que pode ser reinvestido no negócio ou pode ser ‘distribuído’ de maneira indireta através da recompra de ações.
A estratégia de longo prazo faz mais sentido para o investidor pagar alíquotas menores ao somar ganho de capital.
“Como sempre, a melhor chance do investidor pessoa física é investir em prazos maiores. A competição é menor e os impostos são menores”, conclui Visotaky.
No entanto há inúmeras outras razões para se investir no exterior, desde a segurança de uma moeda forte à disponibilidade de milhares de alternativas de investimentos dos mais diversos tipos.
ETFs podem brilhar por não distribuírem lucro ou dividendos
Uma classe de ativos que se torna mais atrativa com as novas alíquotas são os ETFs. São papéis emitidos com lastro a índices da bolsa americana e que, apesar de serem classificados como renda variável, podem conter títulos de renda fixa americana.
A grande vantagem dos ETFs é a diluição de risco e o fato de que os fundos não pagam dividendos ou distribuem lucros. Assim, o investidor pode diferir o Imposto de Renda brasileiro ou pagar alíquotas menores.
Mesmo assim, atualmente, o investidor que comprar a cota de um ETF é tributado em 30% na fonte e mais 15% a 20% de imposto de renda no rendimento resultante de operações financeiras.
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