Sinistralidade: o que é e por que ela derrubou as ações da Hapvida (HAPV3)?

Indicador é destaque nos balanços de operadoras de seguro

O mês de março foi duro para a Hapvida (HAPV3). Desde a divulgação do balanço em 1º de março, as ações ordinárias da maior operadora de saúde do país caíram 41,52%, segundo dados da B3, a bolsa de valores brasileira. Enquanto isso, o valor de mercado da empresa caiu pela metade, em cerca de R$ 15,5 bilhões. Uma palavra define bem o tropeço da empresa: sinistralidade.

Vista por analistas como um dos principais indicadores de uma operadora de planos de saúde — e seguros em geral —, a sinistralidade da Hapvida aumentou para 76,9% no 4º trimestre de 2022. No dia seguinte, as ações despencaram 30%. Afinal, por que esse dado é tão importante? A Inteligência Financeira te explica.

O que é a sinistralidade?

Primeiramente, vamos entender o que é sinistralidade. Em companhias do setor de seguros e planos de saúde, a sinistralidade representa o quanto é gasto pela empresa por beneficiário. É uma relação de proporção no desempenho operacional, porque a sinistralidade é medida diante da receita das empresas, como é o caso com Hapvida.

Portanto, quanto maior a sinistralidade, menor a margem bruta da empresa. Se o uso do plano de saúde aumenta devido a sinistros (isto é, eventos considerados inesperados), a empresa pode ter menos poder de conversão da receita em caixa.

Nas palavras de Ricardo Brasil, sócio-fundador da Gava Investimentos, “a sinistralidade representa 90% do resultado financeiro de uma operadora de saúde”.

Por que sinistralidade derrubou ações de Hapvida (HAPV3)?

O balanço sinistro da Hapvida fez com que as ações ordinárias da companhia (HAPV3) despencassem no dia seguinte à divulgação. A queda de 30% assustou o mercado, que vê a companhia como ‘queridinha’ do setor de saúde.

Afinal, uma das líderes do ramo, com 15 milhões de beneficiários, derreteu na bolsa. As negociações dos papéis, inclusive, chegou a ser interrompida naquela data.

Mas parte dessa queda é justificada pela alta expectativa em relação às ações. Outra parte está relacionada a promessas de que o balanço financeiro melhoraria conforme o tempo, o que não ocorreu na visão dos analistas.

Era esperado que a Hapvida diminuísse a sinistralidade de beneficiários entre o 3º e o 4º tri, aponta Caritsa Moreira, analista da VG Research. O aumento do custo por usuário faz surgirem dúvidas sobre a liquidez da empresa, já que ela queima de caixa e não consegue crescer organicamente como o mercado espera.

“Num período que deveria ser atípico uma alta na sinistralidade, a Hapvida não conseguiu reverter o indicador. O mercado também viu um crescimento aquém da carteira de beneficiários, e, por consequência, o resultado foi deteriorado”, diz Caritsa.

Sinistralidade é desafio de Qualicorp e SulAmérica

O contratempo da Hapvida é o pós-pandemia. De acordo com Pedro Serra, chefe de pesquisa da Ativa Investimentos, o brasileiro está mais preocupado com saúde e vem utilizando cada vez mais o plano para ir a consultas e hospitais e realizar exames médicos. Esse movimento tem gerado um custo maior para o mercado de planos de saúde como um todo, não apenas para Hapvida.

A sinistralidade também afetou a Qualicorp, que divulgou seu resultado do 4º trimestre nesta semana. O custo por paciente registrado pela administradora de planos atingiu o maior nível em 20 anos. Sinistros queimaram 88,5% do prêmio da empresa.

Já a SulAmérica, outra seguradora na bolsa, viu um aumento de sinistralidade nos resultados do 3º trimestre do ano passado. O índice cresceu para 87,3% ante o mesmo período do ano passado, aumento de 2,7 pontos percentuais.

Em dezembro, a seguradora completou sua fusão com a rede D’Or. “A SulAmérica já tem uma sinistralidade bem alta, o que impactou resultados da Rede D’Or após a fusão”, afirma Caritsa. A última demonstração financeira da rede hospitalar mostra uma alta de 3,6 p.p na sinistralidade de 2021 para 2022.

Quais são os problemas da Hapvida?

A sinistralidade derrubou Hapvida (HAPV3) na bolsa e fez encolher o valuation da empresa, mas não é o único problema de natureza financeira enfrentado pela operadora.

Em seu balanço do 4º tri, a Hapvida apresentou justificativas para o prejuízo de R$ 316,7 milhões, revertendo lucro de R$ 200,2 mi em comparação anual.

No comunicado ao mercado, a empresa afirmou que os custos operacionais ainda são pressionados por companhias recém-adquiridas. O grupo completou a fusão com a Notre-Dame Intermédica em fevereiro de 2022, enquanto comprou a operadora Sistemas por R$ 120 milhões em outubro.

Analistas afirmam, no entanto, que o caixa consumido para concluir as operações de M&A nos últimos tempos foi excessivo. E, com essa queima de dinheiro, a empresa acabou aumentando os índices alavancagem.

Atualmente, a alavancagem da companhia equivale a 2,45 vezes o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortizações e depreciações) ajustado.

Inflação, juros e expectativa do mercado

Pedro Serra, da Ativa, explica que no momento há uma “inflação médica” que encarece insumos, equipamentos e reagentes. Como o setor de saúde tem parte de sua operação com custos em dólar, diz o especialista, o câmbio alto é mais um furo no balanço.

“É uma situação financeira complicada e delicada”, completa.

Apesar de a Hapvida afirmar que as sinergias pós-fusão com a Notre-Dame são positivas, a operadora não melhorou seu desempenho histórico, como prometeu aos acionistas.

“O problema é que a Hapvida não tem mostrado, historicamente, uma melhora. A expectativa do mercado era essa [de melhores resultados]. Se os controladores comentam e o mercado reduz as esperanças , você não teria visto uma queda de 35% nas ações”

Ricardo Brasil, da Gava

O especialista aponta que os juros altos contribuem ainda mais para afundar o balanço da empresa. A Hapvida tem uma dívida líquida de algo em torno de R$ 7 bilhões, sendo que o débito de curto prazo é de aproximadamente R$ 1,7 bilhões.

“A companhia está pagando mais de 16% em taxa de dívidas. O endividamento não é ruim até ter Selic de 13,75%“, diz Ricardo.

Controladores entram ao resgate de Hapvida (HAPV3)

Ao resgate de Hapvida, a família Pinheiro, controladora da empresa, organizou duas operações de injeção de capital: um follow on de R$ R$ 360 milhões e mais uma operação de compra de imóveis da seguradora com direito à recompra ou aluguel, conhecida como ‘sale-leaseback’. A própria família deve comprar os imóveis por R$ 1,25 bilhões, com reajuste anual do IPCA somado a uma taxa de 8,5%.

O movimento da família Pinheiro animou o mercado. As ações ordinárias da Hapvida (HAPV3) subiram mais de 18% após o anúncio. Mas Pedro Serra destaca que era preferível que um terceiro, como outra empresa, tivesse se oferecido para o sale-leaseback, e não uma parte relacionada como os donos.

O investidor deve se preocupar com sinistralidade?

A resposta é: sim. Para todas as companhias do setor de seguros na bolsa, a sinistralidade é o principal custo operacional e pode pressionar a margem bruta das empresas.

O investidor tem que olhar, principalmente, os avanços ou recuos desse indicador nos balanços. “A Hapvida deveria ter reduzido a sinistralidade no 4º tri, mas se manteve estável”, diz Caritsa.

Além da sinistralidade, o investidor deve ficar atento, na análise de operadoras de seguro de capital aberto:

  • Adições líquidas;
  • Crescimento orgânico de vidas (usuários);
  • Taxa de cancelamento de planos (para calcular o turnover: se perdeu ou ganhou clientes);
  • Endividamento