Rentabilidade da bolsa brasileira ganha ‘de lavada’ das estrangeiras; veja o que aconteceu e o que fazer daqui pra frente

No ano, o Ibovespa acumula alta de quase 5%; S&P 500, Dow Jones e Euro Stoxx 50 caem mais de 15%
Pontos-chave:
  • Você deve olhar com atenção não só os setores, mas as companhias que os compõem

O termo diversificação é palavra de ordem para os investidores.

De alguns anos pra cá, um dos principais conselhos era para que os investidores também tivessem aplicações fora do Brasil, para mitigar os riscos de um cenário quase sempre permeado de incertezas e, claro, para tentar garantir uma rentabilidade maior.

Neste ano, a alta inflação global, os rumos ainda incertos da pandemia na China, a guerra entre Rússia e Ucrânia e a crise energética na Europa têm feito com que os mercados no exterior sofressem até mais do que o brasileiro.

Como foi o Ibovespa em relação a índices internacionais

Até o dia 6 de setembro, o Ibovespa estava em uma alta de 4,71% no ano.

O resultado pode parecer modesto, mas comparado a outros índices relevantes, ele pode ser considerado bom.

O S&P 500, da bolsa de Nova York, registrava uma queda de 18% no mesmo período.

O Dow Jones, que reúne as maiores empresas americanas, caía 14,29%.

O Euro Stoxx 50, do mercado europeu, entregava queda de 18,57%.

Já o japonês Nikkei 225 registrava desvalorização de 4,05%.

Para que servem os ETFs?

Um dos instrumentos mais usados, especialmente pelas pessoas físicas, para diversificar a carteira no exterior são ETFs (fundos de gestão passiva que acompanham algum índice da bolsa) estrangeiros.

Entre os mais populares estão o XINA11, que segue o índice MSCI China, principal indicador do mercado financeiro chinês; o IVVB11, que segue o S&P 500, maior índice da bolsa americana (NYSE), e o EURP11 que segue o índice MSCI Europe Investable Market, que reúne ações de mil empresas europeias.

Neste ano, os três perdem “de lavada” para o BOVA11, maior ETF do Ibovespa (principal índice da bolsa brasileira). Até o dia 6 de setembro, o XINA11 acumulava queda de 29,63% no ano; o IVVB11 perdia 23,46%; o EURP11 registra desvalorização de 29,75%. No mesmo período, o BOVA11 acumula alta de 5,05%.

Um levantamento feito pela Quantum mostrou que os maiores ETFs de alocação no exterior, em termos de patrimônio líquido, são, além do IVVB11 e do XINA11, o SPXI11 (que também segue o S&P 500), o USAL11 (que investe nas grandes empresas dos Estados Unidos, como Google, Facebook, Amazon, NVIDIA, Tesla, Microsoft e Disney) e o ACWI11 (que também acompanha o S&P 500). Destes, o SPXI11 perdia 22,91% no ano até 6 de setembro, o USAL11 registrava queda de 14% e o ACWI11 entregava uma desvalorização de 24,94%.

Retorno dos investimentos no exterior semelhante ao dos ETFs

A situação no exterior é tão delicada que o resultado dos fundos de gestão ativa com estratégia de alocação no exterior também não foi muito diferente dos ETFs.

No Guia de Fundos do Valor, de 49 produtos mapeados, apenas um registrava alta no ano até julho: o Safra Global Equities FIM IE, com valorização acumulada em 2022 de 2,66%.

Por que as bolsas internacionais caíram tanto?

Segundo Jennie Li, estrategista de ações da XP, o cenário macroeconômico mundial é o que explica esses resultados.

Ela afirma que os países desenvolvidos estão precisando lidar com uma inflação alta, que é diferente da realidade corriqueira vista nessas nações.

Além disso, fatores pontuais como os lockdowns na China, a guerra da Rússia e Ucrânia e a crise energética na Europa ajudam a piorar o cenário e trazem mais incertezas.

“Estamos passando por um cenário bastante turbulento lá fora. Começando pela China, temos um mercado que tem sido pesado há quase dois anos por diferentes fatores, entre regulação em setores como empresas de tecnologia, crise no setor imobiliário, desaceleração econômica e lockdowns contra a covid-19. Várias coisas têm pesado nos mercados por lá e contribuído para as quedas que a gente viu neste ano”, explica a especialista.

O peso da crise energética na Europa

Pelo lado da Europa, Li destaca a crise energética, agravada pelas ameaças da Rússia, que afirmou que cortará o fornecimento de gás aos demais países caso eles não retirem as sanções impostas devido à invasão da Ucrânia.

“Essa é uma região bastante dependente da Rússia em termos de energia e é um mercado que temos até uma visão mais negativa, com bastante risco de recessão econômica e inflação alta por lá”, afirma.

Por fim, Li também comentou a situação dos Estados Unidos, que precisa lidar com a inflação alta e os temores de recessão.

“O mercado está focado nos próximos passos da política monetária. O medo é que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) suba muito os juros e isso cause uma desaceleração muito forte da economia, que entre em recessão econômica”, afirma a estrategista.

Oportunidades ou pé no freio?

Esse cenário tem levado bancos como o Credit Suisse a cortarem as recomendações para ativos de risco global, mas especialistas garantem que o investidor pessoa física deve continuar com suas alocações no exterior.

Jennie Li, da XP, vê o cenário como um bom momento para aproveitar as oportunidades, já que com as quedas as ações e ETFs estão mais baratos.

A estratégia, no entanto, depende de quanto tempo o investidor pretende manter o dinheiro alocado nesses produtos.

“Com essas quedas que vimos ao longo do ano, vimos os valores ficando mais atrativos. Vimos ponto de entrada que são mais interessantes, especialmente para os investidores que não têm nenhuma alocação internacional. Lógico que isso depende do horizonte de tempo do investidor. Para um curto a médio prazo, é claro que o olhar é um pouco mais de cautela, mas para investidores de longo prazo, é uma boa oportunidade de entrada, de começar a ter um olhar internacional e aumentar a exposição”, afirma.

O que fazer em relação aos investimentos fora do Brasil

Paloma Brum, analista da Toro, concorda que os resutlados recentes não são motivo para que o investidor acabe com todas as suas posições em bolsa no exterior.

Mas ela recomenda parcimônia nas alocações.

“Eu devo então enfiar a mão no bolso e colocar tudo em bolsa? Não. Se o investidor quiser, ele pode reduzir a posição em bolsa, mas o importante é aproveitar as oportunidades, as barganhas que vão surgindo”, afirma.

Ações globais mais baratas

Brum explica que, por conta das quedas generalizadas, muitas ações de empresas com bons fundamentos baratearam.

Ela cita, por exemplo, que empresas que foram penalizadas durante a pandemia, como os setores de turismo, lazer e serviços, voltaram a apresentar bons resultados recentemente e, com os papéis baratos, isso pode representar uma oportunidade.

“Empresas como Booking, Disney e Microsoft, o banco J.P Morgan e a petroleira Chevron são recomendadas pelo nosso time. Assim, o investidor mantém dinheiro no mercado de risco, mas em empresas que são fortes geradoras de caixa. Companhias de utilities (ou seja, prestadoras de serviços como telefonia e energia elétrica) também entram nessa lista”, diz.

Por outro lado, Felipe Mattar, diretor de investimentos da Atmosphere Capital, recomenda que os investidores coloquem um “pé no freio” em ações e setores mais ligados à atividade econômica.

Isso porque, segundo o especialista, o cenário sugere que países do exterior possam entrar em um período de estagnação econômica e, eventualmente, recessão.

“O ajuste dos juros feitos nos EUA e Europa é um ajuste necessário e positivo, mas traz implicações para a economia e para as empresas”, explica.

“Vamos entrar em uma fase de redução de atividade econômica, potencial recessão e isso passa a ter implicações distintas para empresas e setores diferentes”, afirma o especialista.

Setores

Segundo Mattar, setores como o de biocombustíveis, energia limpa, saneamento, tecnologia industrial, defesa e tecnologia militar tendem a ter um vínculo menor com a atividade econômica e, por isso, podem sofrer menos em um cenário como o atual. “É diferente de segmentos como o setor de serviços, consumo, bens de consumo”, diz.

De acordo com o especialista, os preços das ações dessas companhias ligadas à atividade ainda devem passar por mais ajustes, uma vez que a expectativa para os resultados apresentados por elas daqui em diante deve mudar junto com o cenário econômico.

Segundo Mattar, segmentos que antes eram tidos como “a bola da vez” vão demandar mais atenção. É o caso do setor de tecnologia, por exemplo. O especialista explica que há pouco tempo, as companhias conseguiam crescer muito, mas sem necessariamente terem uma geração de caixa forte. Agora, no entanto, é mais difícil que elas mantenham o mesmo nível de crescimento, não só porque as bases ficaram maiores, mas porque o cenário é diferente. Segundo Mattar, será preciso que o investidor olhe “cada caso com atenção”.

“Nesse ambiente elas não se comportam como um único pacote do setor. Em um cenário menos sistêmico com o dinheiro mais caro, elas terão comportamento distinto. Mas em compensação, muitas devem se comportar de maneira defensiva, sofrendo menos do que o resto do mercado”, afirma.

Analise não só setores, mas empresas também

Por fim, o diretor de investimentos garante que em um momento de virada do cenário macroeconômico como é o atual, o investidor deve olhar com mais atenção não só para os setores, mas para as companhias que os compõem.

“A maior parte da correção do preço das ações no mercado já aconteceu, mas vamos entrar em um ambiente recessivo. Então, o investidor pessoa física tem que entender quais setores se beneficiam e dentro deles, quais são as empresas que se saem bem e quais se prejudicam. Isso demanda um olhar mais atento. Não adianta dizer ‘aposte em commodities’, por exemplo, porque tem commoditie que vai bem e outras que não irão”, conclui.