Aprenda a montar uma carteira de ações em tempos de recessão global

Tendo antecipado a alta de juros, papéis ligados ao ciclo doméstico despontam como caminho natural para quem quer se proteger sem precisar sair da Bolsa
Pontos-chave:
  • Os Bancos Centrais de Estados Unidos e Europa parecem determinados a subir juros para a inflação ceder
  • O momento pode ser propício para investir mirando o longo prazo

Agora ou daqui a pouco? Branda ou profunda? Rápida ou prolongada? Essas são algumas das questões, ainda sem respostas, que passam pela mente dos agentes de mercado sobre a recessão global que está se desenhando no horizonte. Mas que ela virá – seja lá quando, como e por quanto tempo -, os principais motores do planeta não abrem muita margem para dúvidas.

Incertezas mundiais

Os Bancos Centrais de Estados Unidos e Europa parecem determinados a subir juros para a inflação ceder. E haja juros, já que a diaba anda bastante resistente. Sem esquecer que o aumento dos juros continuará sendo necessário quanto maior for a baixa oferta de energia e alimentos sob pressão com a guerra no Leste Europeu, sem data para acabar.

Quanto à China, bem que poderia reduzir os danos causados pelo Ocidente no crescimento global. Mas está difícil confiar que assim será. Ao menor sinal de contágio da covid-19, Pequim recorre a lockdowns. E a pandemia, cientistas garantem, vai longe.

Oportunidades no Brasil?

Diante desse quadro, não fica muito difícil saber para onde fugir sem sair da Bolsa. Para as ações ligadas ao ciclo doméstico.

Sim, o Brasil segue sendo o Brasil, sabe como é. Repleto de riscos de ordem política, institucional e fiscal. Mas, apesar disso, aqui os juros começaram a subir bem antes. E, portanto, já estão em vias de estacionar. Espaço aberto, portanto, para aproveitar os descontos forçados ao longo do aperto monetário iniciado em março de 2021, dos 2% aos 13,75% ao ano de Selic – que devem ser tocados nesta noite de quarta-feira (3).

“A economia brasileira não está nenhuma maravilha, mas não me parece também nenhuma catástrofe. Quando a gente olha para o fiscal, no curto prazo, as contas públicas parecem até que saudáveis. Arrecadação muito forte que, mesmo com os aumentos de gastos recentes, a dinâmica entre dívida e PIB não será comprometida. O que, por incrível que pareça, coloca a Bolsa do Brasil em condições ‘menos piores’ do que as de Estados Unidos e, principalmente, Europa. Tudo isso para dizer que está na hora, ainda que faltem grandes catalisadores, de começar a aumentar a exposição a risco no Brasil”, diz Leonardo Milane, estrategista-chefe da VLG Investimentos.

Mas por onde começar?

Portas de entrada não faltam, sobram, de acordo com Paulo Abreu, sócio e gestor da Mantaro Capital. “Tem alguns casos gritantes, com baixíssima dependência global e expectativa de retorno real (acima da inflação) extremamente alto. Especialmente, entre as elétricas. Ações como as de Eletrobras, Equatorial e Eneva são expostas a riscos de ordem política por fazerem parte de um setor regulado. Mas, no longo prazo, a assimetria entre retorno e risco está bem mais favorável para investidores, é uma coisa chocante”, comenta.

O setor oferece, por natureza, boa capacidade de repasse da inflação de custos aos preços finais. Afinal, ninguém deixa de acender a luz, ainda que diminua a frequência, quando as tarifas ficam mais caras. Logo, ser acionista dessas companhias em tempos de inflação alta e crescimento baixo é uma forma de se proteger. Mas, na visão de Abreu, as oportunidades na Bolsa nacional não se limitam às defensivas.

De olho no longo prazo

O momento parece propício, digamos, para atacar mirando o longo prazo. Quando, bate na madeira, o cenário econômico brasileiro estará mais favorável do que a paradeira prevista para 2023.
“No varejo, há empresas como Lojas Renner, Arezzo, Iguatemi e Localiza. Tiveram os preços das ações muito deprimido, mas não deixaram de ter entrega muito consistente de resultados, e que prometem continuar sendo muito bons no futuro”, aponta o gestor.

“No caso de Renner, em especial, o passado recente sugere como é resiliente. Em 2014, se soubéssemos dos dois anos de recessão que viriam no Brasil, jamais teria investido. Mas, felizmente, apostei na empresa. Mesmo com a crise, o resultado operacional quadruplicou. São nesses momentos de crise que boas empresas se destacam.”

O setor financeiro não fica de fora do cardápio antirrecessão global de Abreu, da Mantaro, ainda que uma estagflação para o Brasil em 2023, aos olhos do momento, pareça inevitável. “O cenário parece bastante positivo para Itaú e Cielo. Sobretudo a última empresa me agrada, fez investimentos no começo do ano, e encontra um ambiente competitivo agora mais benéfico, não tão agressivo em relação a custos. Já andou bastante o papel, mas ainda tem um valor escondido muito grande para ser explorado”, diz.

E no exterior, terra arrasada?

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O analista de investimentos Fernando Bresciani, do Andbank, tem estado mais cauteloso quanto à salvaguarda oferecida pela Bolsa local.

“Embora as empresas ligadas à economia interna possam se dar melhor, temos de lembrar que aqui a gente ainda tem um um cenário de inflação muito elevada. O nível de juros, mesmo que parem de subir, será muito elevado, e o comércio irá sentir”, diz. “Sim, exportadoras devem sofrer mais lá na frente. Mas, por ora, não estamos em recessão global. E é bom lembrar que, caso o cenário de recessão se confirme, as moedas de países emergentes vão sofrer. Portanto, existe compensação pelo lado do dólar.”

Além desse pano de fundo comum a todas as exportadoras, o caso do petróleo possui uma especificidade a seu favor, se é que se pode chamar de vantagem. A guerra confere resiliência única aos preços dos barris entre as matérias-primas. Não por acaso, enquanto o grosso das exportadoras tem sido deixado de canto, as ações da Petrobras têm sido neste ano um dos principais destaques dentro do Ibovespa. Com risco político e tudo o mais.

“A companhia tem uma enorme perspectiva de pagamento de dividendos que compensa eventuais instabilidades do papel por causa de interferências políticas”, diz Abreu, da Mantaro. “Mas nossa maior exposição, ainda assim, é em PetroRio. Embora o mercado de petróleo deva sofrer algum solavanco por causa da recessão global, a escassez trazida pela guerra ainda deve manter por bom tempo os preços favoráveis.”

Mas as outras commodities merecem, no mínimo, ser mentidas nos radares dos investidores. De acordo com Bresciani, do AndBank, os ventos negativos vindos da China, cedo ou tarde, podem surpreender positivamente. O que, portanto, pode implicar bons resultados às exportadoras, a despeito das grandes economias ocidentais em maus lençóis. Em especial, ligadas ao desempenho do minério de ferro, do aço e da celulose no mercado internacional.

“A expectativa é que a China reabra sim, eventualmente. No entanto, enquanto não zeram os casos de contágio pela covid-19, as restrições de mobilidade vão continuar em vigor, em menor ou maior escala, trazendo volatilidade“, diz. “Fora isso, falar em recessão global me parece precipitado ainda. O juro mal começou a subir nos Estados Unidos. A gente vê uma Europa desacelerando mais rápido que todo mundo, é verdade, mas não dá para falar em recessão global ainda. Os dados da atividade econômica americana, com destaque ao mercado de trabalho, seguem fortes”, completa o especialista.

Por Gustavo Ferreira