Debêntures incentivadas: vale a pena investir após mudanças no mercado de títulos isentos?

Restrição a CRIs e CRAs já impactou mercado, mas especialistas acreditam que há boas oportunidades

O mercado de títulos isentos de imposto de renda levou uma chacoalhada no início deste mês, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) restringiu as possibilidades de ofertas de quatro dos produtos mais comuns: CRIs, CRAs, LCIs e LCAs. Como pano de fundo, já se vê impacto até no produto que não sofreu mudanças, as debêntures incentivadas.

Diante da perspectiva de menor volume de emissões, explicam especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira, o mercado se movimenta para aproveitar os títulos isentos que já estão na praça, incluídas as debêntures incentivadas.

O resultado é uma oferta de títulos a um spread menor do que o que vinha ocorrendo — ou seja, pagando menos ao investidor. Ao mesmo tempo, quem já comprou a prêmios maiores tende a ver uma seus papéis valerem mais. Por exemplo, a valorização de CRIs e CRAs no mercado secundário.

“Tivemos um impacto relevante no mercado secundário. Tanto de debêntures incentivadas quanto de CRIs e CRAs. O mercado busca antecipar esses movimentos. Então, como temos uma expectativa de menos emissões de títulos isentos, o mercado já buscou”, afirma Rafael Sueishi, head de renda fixa da Manchester Investimentos, que estima três a quatro vezes mais buscas pelo mercado secundário.

Isso não significa, no entanto, que as debêntures incentivadas deixarão de valer a pena para o investidor, afirmam os especialistas.

Além de aguardar a movimentação do mercado, que tende a se acomodar às novas regras, acredita-se que seguirão existindo boas oportunidades, desde que o investidor pessoa física saiba avaliar bem o risco e o retorno.

Inclusive, análise da equipe de renda fixa do Itaú BBA noticiada pela Inteligência Financeira identificou algumas dessas oportunidades. Para este mês de fevereiro, o relatório Top Picks de Incentivadas listou as emissões de Rumo, Cteep, Raízen e Taesa como atrativas, com rentabilidades de até IPCA + 6% ao ano.

O que são debêntures incentivadas?

Voltando um pouco, para você que chegou agora e está dando os primeiros passos nesse mundo, é importante saber o que são debêntures incentivadas de fato e como elas podem compor sua carteira.

Debêntures são títulos de dívida que empresas emitem, indo ao mercado em busca de financiamento para executar projetos específicos, se reestruturar ou aumentar capital.

O investidor recebe de volta ao esse valor de acordo com taxas, condições e prazos que variam caso a caso. O risco é o de a empresa conseguir, ou não, arcar com a dívida pactuada.

As debêntures incentivadas, por sua vez, são aquelas em que há um incentivo do governo para promover a captação. Por terem o objetivo de custear projetos de interesse público, as debêntures incentivadas dão a isenção de Imposto de Renda à pessoa física que investe no produto. Portanto, o que as tornam mais atrativas a esse público.

O impacto das novas regras de CRI e CRA nas debêntures

Pela lógica da oferta e da demanda, a perspectiva do mercado é de que os prêmios oferecidos aos investidores sejam reduzidos. A demanda vai crescer e a oferta não vai conseguir acompanhar após as resoluções do CMN.

Karina Freitas, analista de crédito da B.Side Investimentos, afirma que isso já está sendo percebido. De acordo com estimativa feita pela especialista, já houve uma redução de cerca de 30 pontos-base no prêmio que está sendo pago na média do mercado.

“Os títulos passam a pagar menos prêmio sobre as NTN-Bs de referência. São 30 bps, o que é relevante para um período curto, de apenas três semanas. Isso é o que já sentimos de impacto imediato. Para médio e longo prazo, a tendência é o mercado se ajustar”, avalia Karina.

“As debêntures incentivadas vão ter uma demanda maior, o que vai fazer com que o custo do capital para projetos incentivados até barateie”, avalia Rodrigo Negrini, CEO da Soul Capital. Ele acredita, contudo, que apenas as DIs não serão suficientes para absorver o capital que deixará de ir para CRIs e CRAs.

“As debêntures incentivadas vão crescer, mas não vão fechar o gap. Vai sobrar um pouco de dinheiro no mercado e esse dinheiro tende a encarecer as debêntures não incentivadas”, observa Negrini, considerando que empresas que não contam com a isenção tenderão a oferecer taxas melhores para atrair esse investidor.

“Pode ser que tenhamos mais emissões de debêntures não isentas, mas que talvez tenham uma taxa bruta mais elevada, justamente para captar essa demanda”, concorda Rafael Sueishi, da Manchester Investimentos.

Vale a pena investir em debêntures incentivadas neste momento?

Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a redução do prêmio não impede que boas oportunidades surjam. Especialmente, porque estamos vivendo um ciclo de queda nas taxas de juros, o que tornam menos atrativos outros produtos de renda fixa.

“Quando os juros estão muito altos, o investidor não precisa tomar mais riscos para ter acesso a taxas elevadas, como em uma Selic a 13,75%. O investidor vê a redução dos juros, você já não tem mais taxas tão altas na prateleira bancária, então ele passa a considerar mais o crédito privado”, avalia Karina Freitas.

Para Rafael Sueishi, o investidor vai ter que “procurar um pouquinho mais”, com a redução geral dos prêmios pagos.

O especialista afirma que o principal é que o investidor conheça seu perfil e busque um bom nível de risco-retorno. Isso uma vez que um maior prêmio pago pode também estar diretamente associado a fatores como maior risco e prazos mais extensos.

“A tomada de decisão é muito particular, é encontrar um risco-retorno que seja coerente com o seu perfil. Nesse mundo de debêntures incentivadas temos desde emissores de alto nível, que tem até rating maior que o soberano do Brasil, até títulos mais apimentados, que apresentam alguma forma de um risco mais real”, afirma o head de renda fixa da Manchester Investimentos.

O que avaliar ao investir

Rodrigo Negrini, da Soul Capital, cita três fatores a serem considerados: a avaliação do rating, que muitas vezes é disposto junto ao papel na “prateleira” de opções; a análise do balanço da companhia, quando for possível acessá-lo; e o projeto que está sendo disposto.

Ao emitir a debênture, a empresa detalha o destino do dinheiro, o que é uma ferramenta importante para a decisão do investidor. Não se trata, portanto, de uma avaliação simples de se fazer, afirma Karina Freitas, da B.Side.

“O investidor tem que estar ciente que o crédito corporativo não é similar a um CDB, que é garantido pelo FGC”, afirma. “É algo que é importante o investidor ter uma familiariedade ou ter um suporte na avaliação da condição de mercado, do setor, das condições da empresa”, afirma.

Ela cita ainda a questão da liquidez. Para o investidor ter maior chance de conseguir revender seu título no mercado secundário, caso necessário, é importante priorizar emissões de grande porte.

“Se você tem um ativo em que a empresa captou R$ 1 bilhão em uma debenture você vai ter muita negociabilidade”, exemplifica.