Juros nos EUA: reviravoltas marcam o mercado financeiro

Observamos uma certa mudança na reprecificação das apostas em relação às taxas de juro 

Na semana passada, vimos uma reviravolta nas expectativas de juros nos EUA no mesmo momento em que o mercado de ações renovou máximas. O que isso pode nos dizer sobre o mercado? O que esperar da economia americana daqui em diante? Confira essas e outras análises. 

Análise semanal e reviravoltas no mercado financeiro 

Observamos na semana passada uma certa mudança em uma variável importante que afeta o mercado como um todo: a reprecificação das apostas em relação às taxas de juros. Assim, como se fosse de uma hora para outra, os agentes do mercado parecem alterar suas opiniões. Notamos um aumento na probabilidade de manutenção das taxas de juros em março e uma diminuição nas apostas de cortes no mesmo mês.  

Mais importante do que os valores em si das probabilidades – seja 60% ou 50% – foi o impacto na curva de juros dos títulos do Tesouro de 10 anos, que voltaram a subir. 

O mercado parece ter acordado? Na minha opinião, não. Pois entendo que ele nunca dormiu. Porque, a meu ver, isso é o mercado! 

Portanto, para o investidor médio e não para o profissional de mercado, sempre sugerimos ter a maior parte de seus recursos em uma carteira estrutural, que muda pouco ao sabor das nuances do mercado. Deixar os movimentos táticos para uma parcela mais restrita da carteira. 

Mas, como o objetivo aqui é ler e traduzir o mercado para vocês semanalmente, lá vamos nós. 

Economia resiliente e direção do FED  

Por trás dessa mudança de percepção pelo mercado, ou de um simples ajuste de uma posição, a meu ver, demasiadamente otimista, estão os dados da economia, que têm se mostrado levemente melhores do que o esperado pelo mercado.

Citando alguns: dados de vendas no varejo maiores que o esperado; pedidos de seguro-desemprego menores que o esperado; projeção do PIB pelo Fed de Atlanta; produção industrial levemente acima do esperado; maiores pedidos de licenças para construção. 

Além desses, tivemos alguns dirigentes do Fed falando ao longo da semana, e suas mensagens soaram uníssona no mercado. Em suma, os diferentes dirigentes comentaram que é cedo ou prematuro esperar cortes de juros logo no início deste ano de 2024. 

Cenário para renda fixa… 

A mudança da semana passada abre a oportunidade para os investidores eventualmente aproveitarem taxas (remuneração) mais altas nos títulos de renda fixa. A meu ver, estruturalmente, não houve mudança. 

O cenário base continua sendo de uma certa desaceleração na economia, com a inflação cedendo e abrindo espaço para cortes eventuais de juros ao longo do ano – algo que os próprios dirigentes do Fed defendem. Portanto, esses momentos de reprecificação de taxas criam uma alternativa de entrada em ativos de renda fixa em condições mais atrativas. 

Não por acaso, aproveitando as taxas elevadas, observamos um influxo massivo de recursos para os chamados Money Markets, algo que já comentei anteriormente aqui

Mas para além da proteção de capital, ou do poder de compra, os investimentos em bonds (títulos de renda fixa) podem apresentar um retorno satisfatório ao investidor caso o cenário de cortes de juros se concretize. Um artigo interessante da LPL Financial mostra o desempenho dos bonds em outros ciclos de cortes de juros. De acordo com eles: 

“If history at least rhymes during this cycle and we do see lower yields over the next year, intermediate core bonds could very well outperform cash and other shorter maturity fixed income strategies. Historically, core bonds, as proxied by the Bloomberg Aggregate Bond Index, have performed well during Fed rate hike pauses.” 

(tradução) “Se a história pelo menos rimar durante este ciclo e observarmos quedas nos juros, os títulos com vencimentos médios (entre 5 a 10 anos) podem ter um desempenho superior a investimentos de menor risco (como Money Market) e/ou vencimentos mais curtos. Historicamente, os bonds, conforme proxy do Bloomberg Aggregate Bond Index, tiveram um bom desempenho durante as pausas nos juros. 

Cenário para ações… 

Cautela 

Observamos um grande otimismo desde novembro até agora, baseado na crença de que o cenário principal de crescimento é o de um “soft landing”, ou seja, o mercado vê menos espaço para uma recessão em 2024; a formalização de um cenário benigno para a inflação que abre espaço para cortes de juros em 2024, evento esse que tende a ser positivo para o mercado de ações. 

Tudo isso continua sendo verdade, ou pelo menos, continua sendo o cenário principal. 

No entanto, como sempre, o mercado exagera. 

O movimento observado na curva de juros e refletido na bolsa com a alta de aproximadamente 15% do S&P500 desde o final de outubro até agora parece considerar um volume de cortes de juros maior do que parece ser factível, considerando a resiliência da economia americana e da inflação. 

Com isso, temos visto o mercado operar em níveis de ganância – fear and greed index da CNN – e com uma avaliação muito próxima das máximas (o S&P500 negocia com o maior múltiplo esperado para os próximos 12 meses em 20 anos). Por isso, sugerimos cautela ao realizar alocações na bolsa.  

Positivo 

O contraponto positivo a ser considerado, ao pensar em alocar parte de seus recursos em ações, é o fato de que uma parcela significativa dos recursos que foi anteriormente alocada em caixa, títulos de curto prazo ou mesmo em renda fixa nos últimos anos poderia migrar para a bolsa em 2024. 

Nada garante que isso irá acontecer, mas, caso ocorra, tal influxo de recursos poderia sustentar o desempenho da bolsa este ano. 

Setorialmente 

Obviamente, isso mascara parte da realidade. Em 2023, testemunhamos um forte desempenho de um universo pequeno de ações, especialmente as do setor de tecnologia, que acabaram por impulsionar o índice e seu múltiplo.

Durante o ano, comentei aqui diversas vezes sobre as “Magnificent 7” e seu desempenho muito acima da média ao longo do ano. Com isso, percebemos que o múltiplo dessas ações hoje se mostra bem acima da média do mercado. 

Mas a boa notícia é que a bolsa americana possui uma enorme variedade de setores e alternativas de investimento, além das “Magnificent 7”.

Setores mais defensivos

Ao observar setorialmente, chama a atenção a baixa alocação em setores mais defensivos (com menos beta, ou menor volatilidade), como Saúde e Utilidades Públicas, por exemplo; ambos os setores tiveram desempenho mais fraco que o S&P500 nos últimos 12 meses. A alocação em ambos os setores por grande parte do mercado está abaixo da média histórica.  

Outro setor que chama atenção é o setor imobiliário, por dois motivos. Suas ações, essencialmente os REITs, se encontram bem abaixo das máximas históricas, ao contrário dos principais índices (S&P500 e Nasdaq). O segundo aspecto é que este é um setor que sofre influência das taxas de juros. 

Por fim, o universo de small caps (empresas de menor valor de mercado) é outro segmento que pode ser estudado por quem procura alternativas de alocação em bolsa. A comparação aqui com empresas de maior porte não parece adequada, pois empresas de menor porte tradicionalmente sofrem mais devido aos ciclos econômicos. No entanto, considerando seu maior risco intrínseco, ainda assim a categoria se apresenta bastante descontada em relação à média de múltiplos que historicamente negociaram. 

Não obstante, um raciocínio importante relacionado à queda dos juros e sua performance: 

  • as empresas de menor porte tendem a ter uma parcela maior de dívida com taxas flutuantes, logo, a possibilidade de cortes de juros tende a aliviar seu balanço ou gasto com encargos da dívida; 
  • empresas menores dependem mais de bancos do que do acesso direto ao mercado de capitais (dado o menor porte de suas captações), logo, condições monetárias menos restritivas também tendem a beneficiar a classe. 

Resultados… 

Nesta semana começamos a ter alguns nomes de peso (empresas com os maiores valores de mercado) divulgando seus números, em especial algumas empresas de tecnologia, tais como: Microsoft, Tesla, Netflix, ASML e Intel, entre outras.