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O que stablecoin, CBDC e real digital têm a ver com a sua vida
O bitcoin é a criptomoeda mais famosa do mercado e a que registra mais transações no Brasil. Mas não esta moeda digital que gera maior movimento financeiro, e sim o chamado tether, que é uma stablecoin (criptomoeda com menor volatilidade) pareada do dólar.
Inclusive, atualmente, existe uma discussão mundial se haverá, em um curto espaço de tempo, uma concorrência entre as stablecoins e as Central Bank Digital Currencies (CBDCs, as moedas digitais emitidas por bancos centrais), para dominar as transações de grandes volumes de recursos.
No entanto, dentro do universo digital, stablecoins e CBDCs – incluindo o real digital -, possuem características e casos de uso distintos, além de rodarem em tipos de redes blockchain diferentes.
Stablecoins utilizadas por brasileiros
A criptomoeda com maior movimentação financeira no Brasil, que é o theter (USDT), pareada ao dólar, só em novembro do ano passado, girou R$ 7,9 bilhões, em 110,3 mil transações, segundo dados da Receita Federal.
No mesmo período, o bitcoin girou R$ 1,2 bilhão, em quase 1,5 milhão de operações. De janeiro a novembro, o theter movimentou cerca de R$ 108 bilhões.
Outras cinco stablecoins são comumente negociadas pelos brasileiros são:
- A USD Coin (USDC), que girou R$ 9 bilhões, de janeiro a novembro do ano passado;
- O Brazilian Digital Token (BRZ), stablecoin pareada ao real e emitida pela Transfero, que girou R$ 7,6 bilhões, no mesmo período;
- O Binance USD (BUSD), emitida pela Paxos, transacionou pouco mais de R$ 600 milhões;
- O Pax Gold (PAXG), pareada ao ouro, também da Paxos, é negociada no mercado brasileiro.
Volume total transacionado em stablecoins
Theter (USDT) | R$ 108,2 bilhões |
USD Coin (USDC) | R$ 9 bilhões |
Brazilian Digital Token (BRZ) | R$ 7,6 bilhões |
Binance USD (BUSD) | R$ 657,2 milhões |
Pax Gold (PAXG) | R$ 48,3 milhões |
Dai (DAI) | R$ 22,1 milhões |
Mas o que exatamente é uma stablecoin?
Stablecoin é uma criptomoeda que busca estabilidade no valor, geralmente vinculada a uma moeda fiduciária, como dólar, euro ou real, ou a uma commodity, como ouro.
A ideia é que seu valor não flutue significativamente. Uma USDT, teoricamente, vai sempre valer US$ 1 ou um PAXG vai sempre corresponder a uma onça troy de ouro.
“As stablecoins foram uma forma que a indústria cripto inventou para poder usar, principalmente, o dólar no blockchain”, afirma André Portilho, chefe de ativos digitais do BTG Pactual, que possui a plataforma de criptomoedas Mynt. “É uma boa ferramenta para conseguir ter exposição a dólar. Uma alternativa fácil de se expor nesse mercado”, conta.
A Mynt é a única plataforma de negociação de criptos de instituições financeiras tradicionais que oferece uma stablecoin, a USDC, emitida por uma parceria entre as empresas cripto norte-americanas Circle e Coinbase. É a segunda maior em capitalização no mundo, de quase US$ 42 bilhões, e é regulada nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Stablecoins vieram para agilizar processos bancários
Já o tether (USDT), emitida pela empresa de mesmo nome, é registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, onde não há exigência de licenças, segundo relatório da PwC, com um panorama sobre CBDCs e stablecoins no mundo. A capitalização do USDT é de R$ 70 bilhões, segundo dados do CoinMarketCap.
“USDC oferece mais segurança e é robusta”, aponta Portilho, acrescentando que a inserção de outras stablecoins no portfólio da Mynt “vai depender da demanda”.
“As stablecoins nasceram para resolver um problema de ineficiência bancária”, diz Thiago César, presidente da Transfero.
“Havia muita gente que operava cripto e tinha uma conta, por exemplo, numa corretora americana e outra em Hong Kong”, exemplifica. “Se houvesse uma oportunidade de comprar bitcoin mais barato na corretora de Hong Kong, o investidor dos Estados Unidos tinha que fazer uma transferência via Swift, que levaria de três a cinco dias, ou seja, oportunidade perdida.”
Segundo César, quando se criou uma stablecoin em dólar – a pioneira foi o próprio tether -, os recursos financeiros foram digitalizados e inseridos na velocidade do blockchain. “Com isso, você consegue sacar seu saldo, denominado em dólares, da corretora americana e, em menos de cinco minutos, o valor está disponível na sua corretora em Hong Kong, sem ter passado por nenhum banco”, afirma.
“As stablecoins conseguem conectar a liquidez global, através de um instrumento em blockchain”, assinala o presidente da Transfero.
Cripto pareada ao real
No caso do BRZ, ele pontua que a stablecoin pareada ao real foi criada para corrigir uma “falha” do sistema financeiro: a impossibilidade de brasileiros terem conta em dólar. “Quando o brasileiro precisa de dólar ou qualquer outra moeda estrangeira, ele tem que encarar a burocracia das casas de câmbio ou pagar mais de 5% de IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] se usar um cartão”, ressalta.
O BRZ é conversível em qualquer outro criptoativo em blockchain. “De maneira bastante rápida e eficiente, pode ser trocado por USDT ou USDC, que por sua vez, podem se tornar dólares disponíveis para saque em qualquer parte do mundo.”
“O USDT é o principal canal de aquisição de dólares por brasileiros”, afirma César. “O volume transacionado mostra o apetite que o brasileiro tem por acessar os mercados internacionais. Se R$ 108 bilhões foram trocados por USDT é porque existe muita gente interessada em internacionalizar o seu dinheiro.” Essa possibilidade, no entanto, é mais focada em um público sofisticado, reforça.
Estáveis, pero no mucho: crise e regulação
As stablecoins chamaram a atenção do mundo, para além da criptosfera, em maio do ano passado, quando o projeto TerraLuna veio abaixo e desencadeou um efeito cascata arrasador no mercado, intensificando o chamado “inverno cripto”, um período de queda nos preços dos criptoativos.
Como a engenhosidade dentro do ecossistema cripto parece infinita, foram desenvolvidas as stablecoins algorítmicas, tendo como maior representante o TerraUSD (UST), criado pelo Terraform Labs, de Cingapura.
Ao contrário das stablecoins pareadas a ativos reais, o UST não possuía dinheiro e outros ativos mantidos em reserva para lastrear seu token e utilizava uma mistura complexa de códigos e cálculos matemáticos para estabilizar os preços, tendo como retaguarda o token da mesma instituição, o Luna, cotado em dólar.
Com a desconfiança do mercado na capacidade de o UST se manter em US$ 1, houve uma corrida para vender o token, provocando, consequentemente, desvalorização do preço do Luna. Em apenas um dia, o UST passou a valer apenas US$ 0,44 e o Luna despencou 96%, evaporando nada menos que US$ 200 milhões, em 24 horas.
Regulamentação das criptomoedas
O pareamento das stablecoins passou a ser questionado. Há uma discussão global em torno da regulamentação dessas criptos e de um “embate” com as CBDCs para determinar qual irá ter maior protagonismo nas transações, tanto entre grandes corporações, quanto na adoção das pessoas físicas.
À época do colapso do projeto TerraLuna, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, afirmou que as stablecoins representavam risco à estabilidade financeira.
Em julho passado, um boletim do Banco Central Europeu (BCE) apontou que “stablecoins são tudo, menos estáveis” e alertou para o contágio que o colapso de uma delas poderia causar ao mercado financeiro tradicional, como o tether, que perdeu brevemente sua paridade ao dólar, durante a crise TerraLuna.
Já autoridades regulatórias dos Estados Unidos passaram a observar e avaliar as stablecoins como valores mobiliários, o que exigiria registro e licença para serem ofertadas no mercado.
O relatório da PwC corrobora essas considerações. As reservas do tether em ativos reais não são compostas apenas por dólares. Incluem ainda títulos públicos e privados, crédito imobiliário e outros ativos digitais. O BUSD, da Binance, possui entre suas garantias, além de dólar, títulos de curto prazo do Tesouro norte-americano. Em meados de fevereiro deste ano, o regulador financeiro de Nova York mandou suspender as emissões de BUSD.
Para César, a discussão stablecoins versus CBDCs “não faz muito sentido”. “As stablecoins são privadas e rodam em blockchains públicas, redes em que você não precisa de uma permissão para acessar. Qualquer pessoa que tenha uma carteira digital compatível com a rede Ethereum, por exemplo, pode transacionar nela, acessar finanças descentralizadas e jogos play-to-earn”, explica.
“Já as CBDCs vão rodar em blockchains permissionadas, isto é, redes com alto grau de segurança em que somente agentes autorizados vão poder transacionar”, pondera. “Um sistema fechado, controlado e supervisionado pelo Estado.”
CBDCs e real digital: mais simples do que parece
De antemão, o conceito de CBDC passa muito longe de stablecoin, uma vez que não se trata de uma criptomoeda e é totalmente o oposto do que o mercado cripto se propõe, como expôs o presidente da Transfero: ser descentralizado e não atrelado a nenhuma organização governamental, criado e gerido por comunidades.
As CBDCs, por outro lado, são representações digitais de moedas fiduciárias existentes, emitidas pelos bancos centrais dos países e transacionadas em redes blockchain permissionadas, isto é, só quem tem autorização poderá participar – como já ocorre no sistema financeiro tradicional.
E, tradicionalmente, o sistema financeiro vivencia processos evolutivos proporcionados pelo desenvolvimento de novas tecnologias. No início dos tempos, no Brasil, havia apenas o dinheiro em papel moeda. Depois, veio o cheque, o cartão, o DOC, a TED e o PIX. O próximo passo nessa evolução é o real digital.
“Uma CBDC é uma nota de dinheiro digitalizada”, simplifica Portilho. “O real digital vai ser uma representação da moeda brasileira, como já conhecemos.”
O Banco Central apresentará as diretrizes do projeto piloto da moeda digital brasileira, o real digital, na segunda-feira (6). A iniciativa será apresentada em entrevista coletiva na sede da autoridade monetária, em Brasília, às 14h30.
Segundo o Banco Central, por ora, o real digital para o varejo já está em pleno funcionamento, representado pelo PIX. O sistema de pagamentos instantâneos, implementado em novembro de 2020, é um dos componentes da Agenda BC#, lançada em 2019, que conta ainda com o open banking e open finance e outras iniciativas com foco em inovação, eficiência, inclusão, competitividade e redução de custos.
A CBDC brasileira também está incluída nessa agenda e está em desenvolvimento desde novembro de 2021, dentro do Lift Challenge – Real Digital, projeto do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (Lift), da Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac), em parceria com o Banco Central.
Qual a função do real digital?
A diferença prática do real digital de moedas digitais de outros bancos centrais é que, do ponto de vista do propósito – inovação, eficiência, inclusão, competitividade e redução de custos -, o Pix atende às necessidades do varejo – pessoas físicas, empreendedores, pequenas empresas.
O real digital propriamente dito será utilizado em transações no atacado, ou seja, entre instituições financeiras e grandes corporações, que transacionam um volume grande de recursos.
Para o cidadão comum, um real no bolso, na conta ou no cartão é o mesmo dinheiro. Com o real digital não será diferente. O que muda é o formato e a tecnologia por trás, reforça Portilho. A mesma coisa para dólar, euro ou qualquer outra moeda fiduciária digitalizada.
O que está se desenvolvendo não é uma nova moeda. É uma nova infraestrutura. “Do mesmo jeito que, antigamente, você só negociava com o dinheiro físico. Depois, com a criação do sistema de compensação, passamos a usar o cheque. Evoluímos para o sistema DOC e TED. E agora, o Pix”, ressalta Portilho.
“Ninguém precisa explicar para as pessoas como é que funciona a infraestrutura do Pix”, observa Portilho. “Elas simplesmente usam o sistema para pagar alguma coisa ou transferir dinheiro para outra pessoa.” A usabilidade e a funcionalidade do sistema tornou a adoção praticamente imediata por milhões de brasileiros.
“O Pix é um modelo para o mundo todo”, ressalta César. “A digitalização do real não vai trazer uma vantagem tangível para o usuário comum, no sentido de ter transações mais rápidas ou mais fáceis. Já tem o Pix e todas as suas funcionalidades que estão sendo implementadas.”
Para o varejo
Sem um sistema de pagamentos instantâneos como o brasileiro, há países que estão pensando em sua moeda digital para ser usada como instrumento de meio de pagamento para o varejo, como a China por exemplo. “As aplicações das CBDCs estão sendo desenhadas no mundo, variando de país para país”, conta Portilho.
“O caminho que o Brasil está adotando para o real digital é de utilização apenas pelo atacado, ou seja, vai ser uma moeda de transações entre instituições financeiras ou instituições que estejam participando do sistema de pagamentos”, reforça Portilho.
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