Por que as pesquisas erraram?

Veja 7 explicações possíveis para o resultado das urnas no 1º turno

O discurso do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro depois do primeiro turno já indicava que a estratégia de campanha para o período até o dia 30 de outubro, quando será decidida a escolha do próximo presidente da República, seria de contestação aos institutos.

O atual presidente colocou em dúvida a credibilidade das pesquisas eleitorais, que indicavam cerca de 10 pontos percentuais a menos de votos em relação ao que Bolsonaro recebeu, de fato.

Os institutos de pesquisa Ipec e Datafolha afirmam que a migração de votos de outros candidatos para Bolsonaro na hora decisiva foi responsável pela mudança de cenário.

Especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira apontam que, para além dessas questões, vários outros fatores também podem ser apresentados como responsáveis pela discrepância entre o que previam as pesquisas e o que foi apurado nas urnas.

Conheça os 7 fatores destacados pelos especialistas.

1. Economia

Cientista social e autor de best sellers como A Cabeça do Eleitor, Alberto Carlos Almeida já havia afirmado que a inflação e o cenário econômico seriam decisivos na eleição presidencial.

À Inteligência Financeira, Almeida disse ainda que a preocupação de Bolsonaro em reduzir os preços dos combustíveis pesou sobremaneira sobre o aumento da sua popularidade conforme a eleição se aproximava.

Ainda assim, Almeida reconhece que o comportamento da inflação foi desigual, e que a redução nos preços gerais dos últimos meses afetou de maneira mais sensível a classe média, fortalecendo a popularidade do presidente nesse estrato social.

As pessoas de menor renda, porém, continuaram sentindo o aperto do preço de itens básicos, como alimentação.

Mas, para essa fatia da população, o aumento do dinheiro destinado ao Auxílio Brasil foi decisivo para reverter parte da rejeição de Bolsonaro, especialmente, em regiões onde o presidente tinha uma rejeição muito alta.

O aumento da renda dos mais pobres permitiu que esse estrato da população enfrentasse a alta persistente da inflação.

“Bolsonaro teve votação menor em relação a 2018 nas cidades grandes, mas aumentou em cidades muito pequenas, inclusive no interior do Nordeste. E isso se deve ao auxílio”, afirmou o pesquisador. “Não quer dizer que no interior do Nordeste ele tenha chegado perto de ultrapassar Lula, mas acabou tendo votação mais forte”, completa.

Para Juliana Inhasz, professora do curso de Economia do Insper, outro ponto que pode ter fortalecido a candidatura de Bolsonaro no campo da economia é a comparação que o eleitor fez, não com o governo todo do atual presidente, mas com o trecho final, que compreende o período de arrefecimento da pandemia e retomada da atividade econômica.

“Se a gente for comparar com o começo do mandato, o momento atual da economia é pior”, afirma a professora, levando com conta dados relacionados a renda e inflação. “Mas o eleitor percebe que, depois da pandemia, a economia progrediu”, avalia.

2. Antipetismo e questões morais

Apesar desses aspectos econômicas, Juliana e Almeida concordam que eles não são suficientes para compreender o avanço final de Bolsonaro. Para Juliana, a manutenção do antipetismo e a associação de Bolsonaro a pautas morais ainda pesam fortemente sobre a decisão do eleitorado, como em 2018, e nem sempre essas questões são manifestas publicamente, e com antecedência.

“A economia continua sendo importante, uma das pautas mais relevantes, mas outras pautas passaram a ganhar importância maior do que tinha em outras ocasiões. Entre essas pautas estão a defesa da família por valores morais e posse de armas e o também suposto combate à corrupção”, diz a professora.

3. Erros metodológicos das pesquisas

Almeida acrescenta que esses aspectos mais subjetivos podem ser somados a erros metodológicos das pesquisas. “As medidas econômicas explicam somente o fortalecimento de Bolsonaro na reta final, mas o que explica a diferença entre pesquisa e voto tem a ver com a metodologia das pesquisas”, avalia Almeida.  

O pesquisador diz que é preciso um estudo mais minucioso sobre as bases de dados da pesquisa para obter uma conclusão precisa sobre a diferença entre intenções de voto e a votação em Bolsonaro, mas há algumas teorias que podem ajudar a entender esse fenômeno.  

Uma das possibilidades apontadas é a dificuldade de as pesquisas chegarem em regiões mais isoladas por questão de custo, já que as pesquisas mais criteriosas são feitas presencialmente, o que encarece o processo. Segundo Almeida, essa dificuldade pode ter omitido o crescimento de Bolsonaro nas regiões mais afastadas dos grandes centros, inclusive em pequenos municípios do Nordeste.

Gabriel Casalecchi, pesquisador e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que é difícil atribuir resultados tão discrepantes entre o que se viu em pesquisas e o que se apurou nas urnas a mudanças de última hora na cabeça do eleitor. Ele crê que o mais provável é que os institutos de pesquisa estejam encontrando dificuldade de capturar as intenções dos eleitores convictos de Bolsonaro.

“As pesquisas são voluntárias, então, responde quem quer. Será que não existe um viés de rejeição entre os eleitores bolsonaristas, será que ele receberia de bom grado aquele pesquisador sendo que ele já tem uma rejeição ao instituto?”, questiona.

“Se existe um eleitor específico que rejeite a pesquisa, a gente está produzindo um viés, e pode ser um problema”, completa Casalecchi.

4. Migração de votos

Almeida cogita ainda uma migração em massa de votos da candidata Simone Tebet (MDB) a favor do Bolsonaro, movimento que era esperado apenas no segundo turno.

“Pegando indicadores de pesquisa qualitativa de antes e depois do voto, é possível dizer que muita gente que ia votar, primeiro, em Simone Tebet e, depois, em Bolsonaro acabou votando em Bolsonaro já no primeiro turno. Já com relação a Ciro Gomes (PDT), não foi possível detectar esse movimento”, avaliou.

Para o cientista político e pesquisador Davi Franzon, a possiblidade de votos de Ciro terem migrado para Bolsonaro não deve ser descartada, em especial, por conta da ressonância que o discurso antipetista encontrou a partir da campanha de Ciro.

“Vejo que Ciro foi amplificando o discurso antipetista. Quando ficou consolidado que estaria fora do jogo, Ciro partiu para uma postura que, no final, ajudou mais Bolsonaro. Ele fez essa escolha e, nesse percentual de eleitorado dele, parte decidiu ir para um voto útil envergonhado no atual presidente”, diz Franzon.

5. Censo defasado

Outra possibilidade que pode explicar a diferença entre intenção e voto em Bolsonaro pode estar relacionada à defasagem do Censo Demográfico, realizado pelo IBGE a cada dez anos.

A pesquisa, que deveria ter sido realizada em 2020 foi suspensa durante a pandemia e tem enfrentado problemas desde então para sua realização, o que dificulta a contratação de agentes e a aplicação dos questionários.

A pesquisadora e professora de graduação e pós-graduação de Ciências Sociais da PUC-SP Rosemary Segurado destaca também a defasagem do Censo como um dos problemas que podem ter impactado o diagnóstico das pesquisas de intenção de voto.

Ela diz que as bases defasadas do Censo para seleção dos clusters nas pesquisas eleitorais pode ter agravado as discrepâncias entre o que previam os institutos e o que mostraram as urnas.

“As pesquisas utilizam o censo de 2010 e transportam aquela realidade, que incluía, inclusive, muito menos eleitores, para 2022, sem atualização. Isso impacta efetivamente a seleção da amostra e causa distorções”, explica.

6. Inundação de conteúdo nas redes

Rosemary aponta também o funcionamento eficiente da máquina de propaganda de Bolsonaro na internet na reta final da campanha, como aconteceu em 2018, como um fator decisivo, que acabou refletido não só no patamar de votos do atual presidente, mas também em seus apoiadores que concorriam a governo e Senado.

Ela destaca, em especial, a mudança de panorama em São Paulo, onde os candidatos do campo da esquerda lideravam as principais pesquisas para Presidência, governo estadual e Senado, o que não se confirmou depois da apuração.

“Os votos proporcionais (para deputados e senadores) mudam muito e são os últimos a serem decididos. E, neste ano, essa tendência foi ainda mais forte do que em outros anos. A máquina bolsonarista, já vista em 2018, usou da sua habilidade na reta final para inundar as redes com uma chapa pronta”, diz a pesquisadora ao mencionar a vitória inesperada de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Marcos Pontes (PL) no estado.

Ela destaca que isso foi visto já em 2018, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, quando Wilson Witzel, então apoiado por Bolsonaro, saiu de quarto para primeiro em apenas uma semana no Rio, e Romeu Zema, em situação semelhante, chegou ao segundo turno como primeiro colocado após aderir à campanha do futuro presidente, chegando à vitória em Minas.

7. Voto envergonhado

Esse movimento vigoroso de votos a Bolsonaro não detectados pelas pesquisas pode ainda ter uma outra explicação relacionada a uma teoria da ciência política conhecida como espiral do silêncio, um pensamento desenvolvido nos anos 1970 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann.

A pesquisadora alemã afirmou que teses majoritárias na sociedade costumam ser manifestadas e celebradas mais efusivamente, passando a impressão incorreta de que a opinião minoritária é menos forte do que ela realmente é.

Segundo Rosemary, da PUC-SP, essa espiral de silêncio também pode ajudar a explicar uma adesão massiva a Bolsonaro que ficou invisível porque as pessoas estavam receosas de demonstrar apoio ao candidato associado a mortes durante a pandemia e ao prolongamento da crise econômica. “E esse movimento pode ter se consolidado no que foi chamado de voto envergonhado no atual presidente”, conclui a professora.