Análise: Comunicado do BC ignora medidas de Haddad e reforça preocupação com incerteza fiscal

Copom manteve juros em 13,75% ao ano na primeira reunião do Banco Central legalmente autônomo no governo Lula, escreve Fabio Graner, do JOTA

Na primeira reunião do BC legalmente autônomo no governo Lula, a autoridade monetária manteve os juros em 13,75% ao ano, nível que tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva consideram excessivo. A decisão em si não trouxe surpresas, mas veio com recados indigestos para um governo que tem patinado na relação com o mercado financeiro.

O colegiado liderado por Roberto Campos Neto, que se reuniu com Haddad na última segunda-feira (30), voltou a jogar pressão na questão fiscal, apontando a elevada incerteza nesse front.

A Fazenda apresentou no início de janeiro um pacote de medidas para reduzir o déficit primário neste ano. Como disse Haddad, era uma “carta ao BC”, na qual a pasta estaria dando um sinal de maior austeridade em relação ao elevado déficit previsto no orçamento deste ano. A ideia do ministro era apontar para uma harmonização entre as políticas fiscal e monetária, algo pedido pelo próprio BC a Haddad.

O time de Campos Neto, contudo, não fez qualquer menção às medidas tomadas pelo governo no comunicado dessa noite. O texto teve um tom de preocupação com a trajetória da inflação e, principalmente, das expectativas para os próximos anos. Elas têm piorado nas últimas semanas, na esteira do festival de frases polêmicas ditas pelo presidente Lula, entre elas a da possibilidade de se elevar a meta de inflação, e pela falta ainda de uma referência de longo prazo para a política fiscal.

“A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária. O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, disse o comunicado.

A autoridade também endureceu o tom no trecho no qual já sinalizava a possibilidade de, caso considere necessário, retomar altas na taxa Selic, que é tudo o que o novo governo não quer ouvir falar.

“O Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período mais prolongado do que no cenário de referência será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”, disse o Copom. “O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, salientam os membros do BC.

O tom da autoridade monetária claramente tenta reforçar e demonstrar sua autonomia, garantida em lei. É compreensível falar em manutenção dos juros nesse momento, dado que a inflação ainda está fora da meta e o cenário é de pelo terceiro ano seguido Roberto Campos Neto ter que explicar sua derrota no cumprimento de seu objetivo.

Mas sinalizar o risco de nova alta dos juros parece exagero em um contexto no qual há clara desaceleração da economia, a taxa de câmbio, bem ou mal, se valorizou neste início de ano e as expectativas, ainda que não estejam cravadas no centro da meta, apontam para uma redução do IPCA ao longo do tempo. Sem falar que os juros são parte da equação fiscal de forma ampla – no ano passado essa conta chegou a quase 6% do PIB e deve ser ainda maior neste ano – e o BC sabe disso.

De qualquer forma, também seria bom o presidente Lula acertar o passo de suas declarações, diminuindo o volume de ruídos desnecessários que, no fim das contas, jogam contra os próprios objetivos dele. Na “dança” que o governo e o BC estão começando, para usar uma ilustração de Haddad, por enquanto falta harmonia e sobram pisadas nos pés.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)

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