Análise: alta em Wall Street pode não ser o que parece

Até agora, maio tem sido um ótimo mês para o S&P 500, que subiu 3,7% até o momento

Para quem escuta os analistas de Wall Street, pode parecer que toda a volatilidade do mercado dos últimos meses teve a ver com pequenas mudanças na economia e com a resposta potencial do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

Mas pode ser que as ações tenham ficado muito caras.

Até agora, maio tem sido um ótimo mês para o S&P 500, que subiu 3,7% até o momento. Compare isso com o desempenho sombrio do índice em abril, quando seu valor caiu 4,2%.

Por que o mercado oscilou tanto?

A narrativa popular parece ser – como no período pós-2008 – que “más notícias são boas notícias” novamente. Isto é, que uma economia suave é melhor para as ações porque os bancos centrais respondem baixando as taxas de juro.

A recuperação desta semana pareceu ter sido impulsionada por alguns relatórios que mostraram desaceleração do mercado de trabalho nos EUA, que reacenderam as esperanças de um corte nas taxas no verão americano, entre junho e julho.

Os mercados futuros projetam agora uma probabilidade de 13% de que o Fed não corte os juros este ano, em comparação com 27% no final de abril, de acordo com o CME Group.

Mas a ideia de que os investidores apostam entusiasticamente numa economia fraca não resiste a um exame mais minucioso.

A economia americana está fraca?

Por um lado, a economia americana não está nada fraca.

O mercado de trabalho dos EUA ainda é extremamente robusto e as taxas de emprego na idade ativa subiram em abril.

Na zona euro, os números das vendas no varejo de março mostraram esta semana o seu primeiro aumento desde setembro de 2022, e os índices dos gerentes de compra (PMIs) apontaram para a expansão econômica mais rápida em quase um ano.

Na sexta-feira, o Reino Unido saiu oficialmente da recessão e cresceu ao ritmo mais rápido em dois anos. Na China, o último trimestre foi melhor do que o esperado.

Tudo isto aponta para uma fase de “Cachinhos Dourados” para a economia global, mesmo com a inflação estagnada acima dos 2%.

A experiência dos últimos anos mostra que os elevados custos dos empréstimos nem sempre afetam o crescimento econômico.

Também contrariando a explicação de que “más notícias são boas notícias” para a recente recuperação, os investidores têm apostado em empresas que se beneficiam desproporcionalmente de uma economia forte.

É verdade que um Fed apostando mais no afrouxamento dos juros reduziu os rendimentos dos títulos do Tesouro e aumentou as ações de empresas de serviços públicos, que se comportam um pouco como Treasuries porque são pagadores constantes de rendimentos.

discurso de Powell; juros eua
Jerome Powell, presidente do Federal Reserve. Foto: Leah Millis/File Photo/Reuters

Observe o ‘consumo discricionário’

Mas vejamos o setor do “consumo discricionário”, que inclui varejistas de vestuário, restaurantes e fabricantes de automóveis.

As ações destas empresas tiveram um mau desempenho em abril, quando a preocupação era alegadamente um superaquecimento da economia, e tiveram um desempenho muito melhor após os fracos números do emprego.

Apesar de ter perdido algum brilho no final da semana, a expectativa de que os consumidores reduziriam os gastos ainda deveria ter inclinado a balança ainda mais claramente a favor de produtos básicos menos cíclicos, como produtos domésticos de compra obrigatória.

Um exemplo mais nítido é o do índice KBW Bank, que superou o S&P 500 este mês, apesar de os bancos serem os perdedores devido ao crescimento mais lento e às taxas mais baixas.

Qual é, então, a explicação para o forte movimento de vendas em abril e a recuperação no início de maio?

Um fator subestimado pode ser as “valuations”.

No final de março, o S&P 500 teve um desempenho tão bom que começou a ser negociado acima do nível elevado de 21 vezes os lucros esperados.

Alguns setores, como o de consumo discricionário, têm parecido particularmente frágeis.

Em abril, os setores com os múltiplos de rendimentos historicamente mais elevados enfrentaram as piores quedas – um sinal revelador de que os “valuations” estavam no centro da onda de vendas.

No início de maio, o S&P 500 voltou a ser negociado a 20 vezes os lucros e as ações tinham espaço para subir novamente.

Apoiando ainda mais a impressão de um cabo de guerra entre os preços das ações e os “valuations”, as empresas têm sido recompensadas menos do que o habitual pelos investidores por superarem as expectativas de lucro de Wall Street, e punidas mais do que a média quando não as conseguem, de acordo com a FactSet.

Isto não quer dizer que o cenário macroeconômico não tenha qualquer importância.

As leituras acidentadas do índice de preços ao consumidor (CPI) levantaram a possibilidade, ainda que remota, de um segundo aumento da inflação, ao estilo dos anos 1970, nas mentes dos investidores.

Essa preocupação provavelmente foi amenizada pelos recentes números suaves do relatório de empregos dos EUA, o “payroll”. Os dados do CPI de abril, que serão divulgados na próxima quarta-feira, serão outro teste.

Ainda assim, se o mercado acionário atingir um obstáculo nos próximos meses, parece mais provável que seja de sua própria responsabilidade do que da economia.

Com informações do Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor Econômico