Risco fiscal: entenda o que é para ter uma carteira de investimentos segura e valorizada

O economista Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, aponta como o quadro de incertezas mexe no mercado de ações e no Tesouro Direto

O corte de impostos sem compensações definidas e a ampliação de benefícios sociais às vésperas das eleições têm contribuído para aumentar as turbulências no mercado financeiro. No radar dos investidores está uma potencial piora do quadro fiscal do país.

Nesta entrevista à Inteligência Financeira, Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, explica como essas incertezas podem afetar as estimativas para a inflação e os juros. Vale destaca também como os temores fiscais impactam os investimentos das pessoas, tanto o mercado de ações como o Tesouro Direto. Leia abaixo os principais trechos:

Quais são as características e fatores que configuram atualmente o cenário de risco fiscal?

O mercado não está tão preocupado com os números fiscais de hoje. A dívida pública está abaixo de 80% do PIB, até melhor do que se imaginava no começo do ano. O medo que o mercado tem agora é com o que está sendo programado para vir pela frente. E aí temos duas ordens de acontecimento. Temos uma institucional, que é relacionada em parte à recorrente quebra do teto de gastos. Isso deixa o mercado apreensivo, porque as regras fiscais que existem hoje no Brasil estão sendo quebradas para objetivos que não são fiscais, mas sim políticos. Adicionalmente a isso, também por conta da questão eleitoral, a gente vê uma movimentação muito grande do governo federal desde o início do ano em fazer medidas fiscais para tentar agradar a população, baixando artificialmente o preço do combustível. Que pode baixar no curto prazo, mas a pergunta que o mercado faz do ponto de fiscal é se isso é sustentável. Além disso, vemos a questão do aumento de benefícios sociais. É meritório e deveria ter sido feito focado apenas nisso lá atrás, mas o governo está usando uma quantidade muito grande de instrumentos fiscais, comprometendo o risco fiscal e por isso o mercado fica tão apreensivo.

Quando a gente fala de risco fiscal, parece um pouco abstrato. Como esses riscos interferem diretamente nos juros e na inflação?

Esses riscos têm um caráter subjetivo porque a gente não sabe os rumos dessa medidas, se vão ser revertidas no final do ano ou não. Suponha que você tenha uma eleição em que o novo presidente queira manter todo esse gasto fiscal e todas essas desonerações que foram feitas até agora. Esta é uma outra perspectiva de risco fiscal que vai ter que entrar na conta. Então tem muita coisa em aberto, mas a preocupação que a gente tem no mercado é justamente que foi destampada a panela fiscal nos últimos dois anos e o governo não fechou. A gente continua gastando. Vai continuar esse cenário? Então a gente vê as repercussões que já começaram acontecer. A taxa de câmbio perde valor, o real deprecia. E aí, por conta disso, tem o risco inflacionário se mantendo, comprometendo não só a inflação deste ano, mas também de 2023. Consequentemente, se estamos falando de inflação mais carregada, coloca pressão em cima do Banco Central. A taxa de juros vai continuar subindo. A nossa expectativa é de ir a 13,75% ao ano e ficar nesse patamar durante bastante tempo. Provavelmente o segundo semestre de 2022 inteiro e boa parte do primeiro semestre de 2023. Uma taxa extremamente elevada por praticamente um ano. Isso que a gente veio de uma taxa que não muito tempo atrás estava em 2% ao ano.

Para além da inflação e do juros, por que o mercado reage tão mal quando existe esse tipo de incerteza?

A Bolsa de Valores e o mercado ações estão olhando para frente e olhando o crescimento. Então a bolsa vai sempre reagir positivamente, ter um crescimento mais forte, se ela conseguir olha para frente e falar “esse país vai crescer com mais intensidade”. Isso falando na média, sem entrar em ações específicas, e olhando no longo prazo. O que a gente tem no Brasil hoje, no curto e médio prazos, é um cenário que, por conta dessa alta de juros, coloca uma perspectiva ruim de crescimento. Especialmente porque nos últimos anos tivemos uma Selic baixa, muita gente entrou no mercado de ações, e aí essa crise vem e pode assustar um pouco. O importante é sempre ter em mente e lembrar que o mercado de ações é um mercado de longo prazo. Não pode ficar saindo a cada momento de crise. A ação é um investimento que você coloca na carteira, fica durante bastante tempo, mesmo nessas intempéries. Em geral, as ações tendem a render mais que a renda fixa quando você pega um prazo longo. É uma situação volátil, muito tensa, mas quem está em ação é preciso sempre ter isso em mente. Não é para comprar e pensar em tirar daqui a dois ou três meses.

Se para a renda variável fica mais desafiador, como esses riscos fiscais impactam a renda fixa?

Estamos entrando em um momento em que o custo de crédito está mais elevado junto com um crescimento econômico mais baixo. Então a renda fixa privada eventualmente fica um pouco mais arriscada. Não é sair, mas escolher com mais critério onde o investidor vai entrar. Já o Tesouro Direto é muito mais garantido com a segurança de que vai ter uma taxa elevada por pelo menos durante um ano.

Como você avalia esse movimento mais intenso de o investidor migrar para o Tesouro Direto, acumulando muitos recursos em títulos públicos?

É natural. Foi o histórico do Brasil no passado. O que é interessante manter para os próximos anos é essa oportunidade que a gente ganhou, de um entendimento cada vez maior que o mercado está tendo da educação financeira, de a população ter a percepção de que não é só a renda fixa que existe, não é só Tesouro Direto que existe. Tem outras opções de investimento. Para isso acontecer e ser com segurança precisa ter um pouco mais de entendimento do que está acontecendo no mercado. Claro que a gente fica de certa forma preocupado com as atuais turbulências de voltar aquele Brasil de que tudo era concentrado em renda fixa e a Bolsa de Valores patinava. Espero que isso não aconteça, por conta do investidor que entrou nos últimos anos, aprendeu de certa forma como funciona o mercado, que é longo prazo, e que não vá sair completamente, fugir para o Tesouro Direto e não voltar nunca mais para a bolsa. A bolsa é naturalmente muito volátil, mas no longo prazo consegue entregar um retorno atraente. O Tesouro Direto está mais interessante agora, mas não dá para colocar todos os ovos em uma cesta só pensando no longo prazo.