2 milhões de investidores estão no Tesouro Direto; veja o que os analistas dizem sobre o ativo

Investimento cresce com o aumento da Selic e pelo medo do risco
Pontos-chave:
  • Foram 18,9 milhões cadastros em maio, um salto de 72% em 12 meses
  • Os papéis prefixados estão assegurando retornos acima de 13% ao ano por diversos anos à frente

O número de investidores ativos no Tesouro Direto deve ter rompido pela primeira vez a barreira de 2 milhões de pessoas em junho deste ano, com a continuidade de um crescimento consistente na demanda do público por ativos de renda fixa. O último dado disponível revelou que eram 1,975 milhão de pessoas com títulos públicos na carteira em maio, um crescimento de 29% em 12 meses. O montante aplicado por essas pessoas chega a R$ 91 bilhões, e segue crescendo ano a ano.

Já a soma dos que tem cadastro no sistema – mas que não necessariamente ainda mantêm as aplicações – alcançou 18,9 milhões em maio, um salto de impressionantes 72% em 12 meses.

Por que o Tesouro Direto atrai tantos investidores

Um dos atrativos da modalidade de investimento tem sido os juros elevados que esses papéis têm prometido aos aplicadores, e que não dependem apenas do processo de alta da Selic, que está em 13,25% ao ano, mas também do cenário externo de aversão a risco e das dúvidas sobre os rumos da política fiscal do governo – quanto maior o risco, maior as taxas.

Os papéis prefixados estão assegurando retornos acima de 13% ao ano por diversos anos à frente, enquanto aqueles atrelados ao IPCA garantem retorno real, acima de inflação, próximo de 6% ao ano para as aplicações de prazo mais longo.

R$ 10 mil viram R$ 23,52 em sete anos

Para referência, uma aplicação de R$ 10 mil com juros de 13% ao ano atinge R$ 14,43 mil em um prazo de três anos e alcança R$ 23,52 mil após sete anos (sem considerar o Imposto de Renda sobre o ganho), tendo como referência os vencimentos de 2025 e 2029 disponíveis hoje na plataforma do Tesouro.

Entre as dúvidas que alguns podem ter, porém, é se quem esperar para entrar pode conseguir taxas ainda maiores nessas aplicações e o quanto esse investimento vai sacudir se você entrar agora e as taxas aumentarem ainda mais (reduzindo momentaneamente o valor atual da aplicação).

Como fica a volatilidade sobre o Tesouro Direto

Segundo analistas ouvidos pelo Valor Investe, a volatilidade tem presença confirmada no mercado de títulos públicos no segundo semestre de 2022.

Prefixados podem cair

Para eles, os investidores devem passar por alguns sufocos nos próximos meses, mas o cenário também pode ser de oportunidades. Para quem já tem papéis prefixados e atrelados a inflação na carteira, há um alerta de que os preços podem cair (caso as taxas subam mais), mas que é hora de ter paciência.

“Teremos eleição no segundo semestre, é importante lembrar disso sempre que se fala em Tesouro Direto, porque impacta diretamente no comportamento das taxas. Esse é um fator que vai começar a pesar e a trazer mais volatilidade para as taxas dos títulos públicos, com altas antes do pleito e quedas depois”, alerta Camilla Dolle, analista-chefe de renda fixa da XP.

O tal peso das eleições, citado pela analista, se dá porque qualquer indefinição no cenário político faz com que o mercado perca a previsibilidade em relação à condução econômica — e especialmente de política fiscal — no próximo governo, tornando mais difícil projetar um cenário claro para o futuro da inflação e dos juros.

Como o risco fiscal afeta o Tesouro Direto

Esse clima de risco fiscal, no entanto, chegou um semestre adiantado. No último mês, os títulos públicos deram uma amostra do que viria pela frente. Com perspectiva de descontrole dos gastos, os prefixados chegaram a oferecer juros acima de 13% ao ano e os títulos atrelados à inflação também inauguraram recordes com juros que ultrapassaram os 6% ao ano, além IPCA. No início de 2022, as taxas estavam ao redor de 10,7% e 5,20%, respectivamente.

Esse movimento de alta das taxas, tem relação também com o processo de elevação maior do que a prevista da taxa básica de juros no Brasil e nos Estados Unidos, diante de uma inflação persistente em todo o mundo.

Mas essa alta dos últimos meses parece estar com os dias contados, segundo a analista da XP. “Pode ser que a gente ainda veja aumento nas taxas, por todas as incertezas que temos aqui e lá fora. Mas, se a gente ainda não chegou nos recordes finais dos juros oferecidos pelos papéis do Tesouro Direto, estamos bem próximos. Passada a eleição, quando o quadro fiscal estiver mais desenhado e o presidente estiver eleito ou reeleito, o mercado vai conseguir traçar melhor o caminho da política monetária e as taxas dos títulos públicos devem começar a cair”.

No último cenário de referência projetado pelo Copom, a autoridade monetária alterou a projeção do IPCA de 2022 de 7,3% para 8,8%. No caso de 2023, o índice subiu de 3,4% para 4,0%. Para a taxa Selic, o cenário de referência projeta juros básicos de 13,25%, valor atual, no fim de 2022 e de 10% no encerramento de 2023. Para quem aplica ou pretende aplicar no Tesouro, a leitura aqui é que, se o BC estiver certo e a Selic for cair já no ano que vem, pode ser bom fixar uma taxa de 13% neste momento. O risco é o BC estar errado e a Selic ter que subir mais e se manter elevada por mais tempo para controlar a inflação.

O impacto da China nos títulos públicos brasileiros

Com um olho no Brasil e outro no exterior, o segundo semestre ainda reserva desdobramentos de acontecimentos da primeira parte do ano. “Uma dinâmica a ser compreendida nos próximos meses ainda é qual o ritmo de reaquecimento da atividade chinesa, que paralisou no primeiro semestre em função do surto de covid. Essa situação mexe com as taxas e só vamos saber as consequências agora. Nos Estados Unidos e Europa, a mesma história de resquícios do primeiro semestre, que é acompanhar o comportamento das autoridades monetárias na contenção da inflação. Se os apertos forem executados como se espera, a oscilação nas taxas poderá ser mais intensa”, relembra o sócio e analista da Monett, Felipe Paletta.

É possível lucrar com os títulos públicos

Apesar da volatilidade, que não deve aliviar no segundo semestre, ainda é possível se proteger e até lucrar com os títulos do Tesouro Direto. Os analistas citam os títulos indexados à inflação como uma boa forma de os investidores se defenderem das incertezas do que vem pela frente.

Os papéis atrelados à inflação garantem o poder de compra do investidor no médio e no longo prazo, uma vez que pagam a variação do IPCA, e ainda dão como retorno taxa de juros real prefixada. Nesse caso, o investidor ganha tanto com a alta da inflação, quanto com a taxa de juros prefixada. O Tesouro IPCA com vencimento em 2026, por exemplo, está rendendo pouco acima dos 5,80% ao ano mais a variação do IPCA, para quem comprar agora e carregar até o vencimento.

“O investidor precisa fracionar as aplicações. Criar uma estratégia e ir investindo aos poucos ao longo do semestre. O ideal é colocar uma parte dos recursos em títulos de longo prazo indexados à inflação, outra parte relevante do seu portfólio em títulos indexados à taxa de juros, um Tesouro Selic 2025 ou 2027. E, à medida que vá ficando mais claro que a taxa de juros vai começar a ceder aqui no Brasil, dá para começar a fazer essa migração maior para títulos indexados à inflação, porque aí sim será o melhor momento deles”, recomenda Paletta.

Dolle reforça o bom momento para entrar no Tesouro Direto no segundo semestre do ano. “Já temos retornos bem atrativos para quem tem espaço na carteira, faz sentido investir em títulos públicos e não ficar esperando aumentos maiores, pelo menos para já aproveitar essas taxas relevantes que temos registrado”.