Por que você deve olhar para as notas dadas pelas agências de classificação de risco?

Nesta entrevista concedida à Inteligência Financeira, Marianna Waltz, da Moody´s, explica como tirar proveito dos ratings

Você já deve ter ouvido que o Brasil teve um rebaixamento ou um aumento de uma nota de uma agência de rating. Ou mesmo uma empresa de capital aberto. Mas, afinal, por que você deve prestar atenção nessas notas? Elas fazem preço nos investimentos? Para saber a resposta, a Inteligência Financeira conversou com Marianna Waltz, Head de Rating para América Latina da Moody´s Investor Service.

A Moody’s é uma das principais agências de classificação (rating) do mundo. Em linhas gerais, ela avalia o risco de um ativo, de uma empresa ou até mesmo de um país. Para isso, leva em consideração seus próprios critérios.

Sendo assim, suas notas vão de AAA, a mais alta e que mostra um nível muito baixo de risco, até a C, que é quando a chance de o investidor tomar um calote é alta.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista que Marianna Waltz nos concedeu – a conversa mais completa você confere no vídeo abaixo:

O que faz uma agência de rating? E por que ela é importante para o investidor?

As agências de rating – e a Moody’s incluída entre elas – são agências de classificação de risco. Então a Moody’s avalia e emite opiniões sobre a qualidade de crédito de um emissor, seja esse emissor um país, uma empresa, um banco, um projeto, enfim. Então a Moody’s atribui ratings, que são classificações de risco para esses emissores. Existem 21 tipos de ratings: desde o mais alto, que é o titular e indica a melhor qualidade de crédito de uma instituição, até o rating C, que provavelmente já não está em cumprimento das suas obrigações de dívida, está em default. O rating avalia a capacidade de o emissor de honrar com os seus compromissos de dívida.

E por que esse rating é importante para os investidores?

O rating é um elemento que que faz parte do processo de decisão dos investidores. Eles precificam o título de dívida. No final das contas, ele é um elemento relevante para essa precificação de títulos de dívida no mercado e também um elemento relevante para tomada de decisão de compra de títulos de dívida.

No caso do Brasil, o que vocês levam em consideração: o controle da corrupção, a credibilidade do Banco Central, a política monetária?

Todos esses fatores são analisados. A gente também leva em consideração a força fiscal, correlacionada com a relação dívida/PIB do país e o componente de taxa de juro. E tem uma última seção também na avaliação que é a suscetibilidade a risco, seja de balanço de pagamentos ou riscos políticos. É uma avaliação qualitativa com elementos quantitativos. E quando a gente vai fazer a nossa avaliação quantitativa, a gente olha os dados históricos, e também faz projeções do que a gente estima para as métricas desse país nos próximos dois, três anos.

O Brasil gabarita em algum critério?

O Brasil se posiciona muito bem com relação aos seus pares latino-americanos e de outros mercados emergentes em vários e vários pontos. Outro ponto bastante favorável é o perfil de dívida do Brasil. Apesar da dívida ser grande, ela é uma dívida financiada domesticamente, o que é um ponto favorável. O sistema bancário brasileiro é bastante sólido e forte.

Como a reforma tributária pode impactar o rating do Brasil?

A nota de crédito do Brasil está estável. Qual é o principal ponto que a gente monitora hoje, que seria o ponto relevante para uma possível melhora dessa nota do Brasil? É a questão fiscal. Então, nesse sentido, o Arcabouço Fiscal a gente vê como positivo. Claro que tem riscos de implementação, mas há uma regra fiscal com credibilidade, capaz de conter a deterioração das métricas fiscais e, ao mesmo tempo, levar a uma consolidação fiscal. Esse é um ponto bem relevante.

E, pensando no modelo proposto, essa simplificação é capaz de gerar ou de melhorar o posicionamento no Brasil no que diz respeito à atração de novos investimentos. O texto não prevê um aumento de carga tributária, mas sim uma desoneração ao longo da cadeia. Então não tem um impacto direto. No que diz respeito às métricas fiscais, mas é muito mais o impacto de melhora da capacidade do Brasil de atrair novos investimentos.

A reforma tributária isolada muda a nota do Brasil?

Não levaria a Moody’s a mudar a perspectiva do rating, mas a reforma tributária avaliada em conjunto com o Arcabouço Fiscal e, se combinada ainda com performances futuras de PIB positivas, poderiam sim levar a gente a fazer uma reavaliação da perspectiva.

O que aconteceu com a nota do Brasil durante a pandemia?

Houve uma deterioração no perfil do Brasil, mas essa deterioração aconteceu em praticamente todos os países do mundo. Na nossa visão, o Brasil se manteve com uma qualidade de crédito que era condizente com o consumo. Essa avaliação relativa é muito relevante também. A gente está sempre olhando o Brasil em comparação com ele mesmo, e para os outros países emergentes.

O que a Moody´s leva em consideração?

A gente vê o fato do Brasil ter um Arcabouço Fiscal como algo positivo. Agora, é importante para a gente e que esse Arcabouço Fiscal seja crível, que ele tenha credibilidade. E para isso acontecer, a implementação é fundamental e a capacidade de executar é fundamental. A gente espera observar ao longo do tempo a capacidade do país de executar o modelo como como ele está previsto. E, na nossa visão, o grande desafio vai ser o país continuar com uma trajetória de geração de receitas que é um elemento importante para o modelo fiscal ter sucesso. A implementação e a execução dos projetos já aprovados vão ser o que a gente estará observando. O outro elemento é a capacidade do país de continuar com uma trajetória de crescimento sustentável.

Temos a sinalização do Banco Central de um corte da Selic. Qual é a análise de vocês?

A gente não faz uma estimativa de taxa de juros dentro da agência. A gente faz uma estimativa para a PIB, mas não para a taxa de juros. A gente está olhando para o que o mercado está sinalizando. Hoje, quando a gente pensa no Boletim Focus, por exemplo, ele já incorpora uma redução dos juros para 12% no final de 2023. Esse é um patamar menor de despesas de juros para o próprio soberano. Mas a gente também imagina um impacto gradualmente positivo quando se olha para o setor corporativo. O Brasil, comparando com todos os países da América Latina, é o que tem o maior número de empresas com dívidas vinculadas a índices pós-fixados. Ou seja, o impacto para o setor corporativo brasileiro é relevante nesse sentido.

Então, uma redução para 12% nos juros ao ano é interessante. Se realmente acontecer de acordo com o que o mercado espera, vai começar a aliviar as despesas com juros do setor corporativo. Mas isso vai demorar, será gradual. E o patamar de 12% para a Selic ainda é significativamente alto.

Como o Brasil é visto pelos investidores estrangeiros?

Os investidores olham o Brasil com bastante interesse, comparando com outros países emergentes. O Brasil tem condições bastante atrativas para os investidores estrangeiros. Está bem posicionado em relação a outros mercados emergentes.

Quais ativos interessam aos estrangeiros: títulos da dívida pública, ações?

Quando esses investidores olham para mercados emergentes, eles estão olhando para uma série de ativos. Eles analisam o mercado acionário e o mercado de dívida para vários ativos.

Qual sua análise sobre a Argentina?

Hoje a gente vê a dívida argentina numa situação muito difícil e a nossa dívida externa como melhor. E, mesmo assim, a gente tem uma relação dívida/PIB maior do que a da Argentina. Esses dois dados para um investidor estrangeiro entram em contraste. Se há uma pressão positiva no rating do Brasil, então a gente não imagina uma deterioração do Brasil e muito menos que chegue ao perfil de crédito da Argentina. Tem uma diferença muito grande na qualidade de crédito dos dois países. Hoje, olhando a dívida, eu acho que um ponto bastante relevante no que diz respeito ao perfil de dívida do Brasil, é que, apesar do volume de dívida ser alto, a dívida brasileira é basicamente financiada domesticamente. Então, a exposição da dívida do Brasil em moeda estrangeira é muito pequena. Esse é um ponto. Além disso, o Brasil hoje tem reservas internacionais que cobrem as suas necessidades diante de financiamento com bastante e com bastante conforto.