BC precisa resolver o que faz e não defender interesses de rentistas, analisa Bresser-Pereira

Ex-ministro da Fazenda descarta meta fiscal de déficit zero e critica taxa de juros

Ex-ministro da Fazenda durante o governo do ex-presidente José Sarney e criador do Plano Bresser, o economista e cientista político Luiz Carlos Bresser-Pereira vê hoje o Banco Central como a maior “chave” para virar a política de taxa de juros elevada na economia brasileira.

Em termos mais simples, o economista defende uma Selic real, descontada da inflação, menor do que a que o BC vem sinalizando. Para Bresser-Pereira, a autoridade “precisa resolver o que faz: defender os interesses da nação brasileira e não defender os interesses dos rentistas”.

Prestes a completar 90 anos de vida, Bresser-Pereira deve lançar um novo livro, pela Oxford University Press, até o final de 2024. A obra pretende explorar “a queda do capitalismo rentista”, diz o economista. Bresser comentou sobre o BC antes do último Copom, onde gestores criticaram o dissidência do comitê ao votar a Selic.

Brasil e o déficit zero

Bresser-Pereira, formado em direito pela Universidade São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), é um economista com visões mais heterodoxas do que a maioria que compõe o mercado financeiro.

“Eu mal conhecia o (José) Sarney, eu só tinha falado com ele uma vez na vida, pelo telefone”, contou Bresser em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira. “Eu fui escolhido porque ele queria nomear o Tasso (Jereissati), que levaria o Persio (Arida) e o André (Lara Resende) juntos. Mas, afinal, o PMDB não deixou. Aí o doutor Ulysses (Guimarães) fez uma lista de quatro nomes, entre os quais estava o meu. E o Sarney escolheu.”

O economista assumiu o ministério da Fazenda em 1987, depois da renúncia da Maílson da Nóbrega. Naquela época, o Brasil enfrentava a hiperinflação – quando a inflação anual rondava os três dígitos. O Plano Bresser, adotado pelo ministro para controlar preços de bens, salários e aluguéis da época, fracassou.

Para Bresser, ao pensar no papel do Estado no controle da inflação no Brasil, o governo federal “não precisa de zero de déficit em conta corrente”. Ou ainda muito menos de um “déficit primário zero”.

Bresser justifica: em sua visão, o ajuste fiscal “não é tão importante para controlar a inflação”.

“É só olhar os países ricos. Eles têm déficits públicos elevados e não têm inflação. Não têm inflação porque nunca se encontrou nenhuma relação entre déficit fiscal e taxa de inflação.”

“Primeiro que eu sou contra esse negócio de déficit primário. Eu acho que tem que se discutir o déficit público, ponto final. E o déficit público inclui os juros que você paga, porque são juros absolutamente escandalosos. 7% a 6% do PIB atualmente, é um escândalo. Nenhum país do mundo faz isso”, diz.

De quanto poderia ser a taxa de juros real?

Para o ex-ministro da Fazenda, a taxa de juros real no Brasil “deveria ser de 3% a 4%”.

Em 2024, considerando dados do Boletim Focus divulgados nesta segunda-feira (20), o juro real seria de em torno de 6% até dezembro.

Bresser-Pereira aponta que o ajuste fiscal não é a chave para baixar o juros. Na verdade, o economista vê que o Banco Central está sem “resolver o que faz” na condução da Selic.

“O BC precisa defender os interesses da nação brasileira e não defender os interesses dos rentistas que adoram juros altos, especialmente aqui no Brasil”, diz Bresser.

“Porque quando você eleva a taxa de juros, os rentistas não perdem. Lá fora perdem porque os seus títulos se desvalorizam imediatamente. Aqui é tudo, ou quase tudo, pós-fixado.”

“Eu acredito que o Estado tem que intervir moderadamente na economia. Mas eu acredito no mercado e acredito na saúde fiscal do país”, explica.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda

Seu próximo livro, entitulado The Rise and Fall of Rentier Capitalism, conta um pouco melhor sobre como, na visão de Bresser-Pereira, o modelo de liberalismo adotado pelo mercado, de Wall Street à Faria Lima, está “fadado ao fracasso”.

“Agora é a vez de os capitalistas rentistas, que vivem de juros, aluguéis e dividendos, serem os proprietários do capital. Os empresários originais que dirigiam as empresas estão muito menos importantes. Agora, quem dirige as empresas são gestores profissionais e, com isso, eles se associaram aos financistas, fizeram uma coalizão de classes estreita. Isso aconteceu em outros lugares, mas também no Brasil”, afirma.

O movimento de taxar importações de países como a China seria justamente uma prova de que os ventos estão soprando contra o capitalismo rentista, pelo momento, analisa o ex-ministro.

Galípolo será ‘um ótimo presidente’ do BC, diz ex-ministro

Bresser-Pereira concorda que o favorito a assumir a presidência do Banco Central, após o término do mandato do atual dirigente Roberto Campos Neto em 2025, é o diretor de política monetária, Gabriel Galípolo.

“Eu acho que ele é um jovem – porque ele é muito jovem perto de mim – extremamente competente e inteligente”, diz o ex-ministro da Fazenda.

Bresser se reuniu com Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda, e Galípolo no mês passado. O ex e o atual ministros da Fazenda, assim como o diretor do BC, discutiram políticas de juros no encontro.

“Conversamos durante umas duas horas. E eu só não concordo com o Gabriel, porque ele mistura câmbio com juros. E não é assim”, conta Bresser-Pereira.

“Há outras variantes além do diferencial de taxa de juros. As relações de troca, ou seja, a avaliação dos preços das commodities, que muda as relações de troca completamente. Isso faz uma diferença muito grande. E há outros fatores ainda além desse.”

“O Galípolo aí está errado. Mas eu gosto muito dele, acho que será um ótimo presidente do BC. Tem todas as condições para sê-lo”, conclui o economista.

Em breve, a Inteligência Financeira deve divulgar trechos da entrevista com Luiz Carlos Bresser-Pereira no YouTube.