Como a alta de juros do Fed afeta investimentos em dólar?

Especialistas dizem que crise bancária pode afetar mais o dólar em relação ao real do que a alta de juros do Fed; renda fixa nos EUA é 'campeã'

O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, declarou um novo aumento na taxa anual de juros em 0,25 p.p, de 4,75% para 5%. É o nono aumento consecutivo efetuado pela autoridade monetária. Na avaliação de especialistas, a decisão do Fed deveria fortalecer a moeda americana e investimentos em dólar.

Por outro lado, a crise bancária afeta mais o dólar no momento, dizem as fontes. Para conter danos ao sistema de crédito dos EUA, o Fed pode interromper o ciclo de alta, enfraquecendo o câmbio.

O dólar continua sendo um “porto-seguro” para investimentos após a alta de juros nos EUA?

Crise bancária pressiona dólar mais do que Fed

O banco americano Goldman Sachs apontou em relatório em meados de março que o dólar continuaria um “porto-seguro” para investimentos. Especialmente quando comparado a outras moedas de economias desenvolvidas.

Segundo o Goldman, o dólar tende a performar negativamente durante períodos de estresse financeiro. Mas caso a curva de estresse seja menor do que inicialmente avaliada, a moeda americana deve superar pares internacionais, nas projeções do banco.

A moeda americana, nesse sentido, hoje depende mais das estimativas de crescimento da economia global e do risco do sistema bancário após as crises de SVB e Credit Suisse.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, diz à Inteligência Financeira que o dólar não deve sofrer fortes altas em decorrência da elevação dos juros nos EUA.

O economista também avalia que a crise no sistema bancário, no momento, é o que pressiona mais a o câmbio. “A moeda está muito sensível às intempéries do setor bancária. Não vejo uma relação umbilical [com a alta dos juros nos EUA]”, destacou ao classificar o estresse no sistema financeiro como “espada na cabeça” do câmbio.

“Me parece que prevaleceu o bom-senso. A inflação [nos EUA] está extremamente alta, o Fed precisa fazer ela convergir no médio prazo. Ele vai monitorar o sistema bancário mas, na minha leitura, provavelmente ele vai até onde precisa ir. Nossa visão é que teremos mais uma alta ou talvez duas, indo até 5,25% ou 5,50%.”

Para Patrícia Krause, economista-chefe da Coface no Brasil, espera que o dólar perca força no cenário global. Isso porque, para ela, o próprio Fed projeta um mercado de crédito nos EUA enfraquecido pela crise bancária.

Após Fed, dólar cede no Brasil; economista explica o porquê

Após a decisão do Federal Reserve de subir os juros, o dólar reverteu a alta do dia e passou a cair 0,41%, cotado a R$ 5,224. Antes do anúncio, o câmbio subia 0,49%, atingindo a máxima diária de R$ 5,279.

Para Cristiane Quartaroli, a leitura do mercado é de que, na verdade, essa deve ser a última alta de juros imposta pelo Fed. Para Wall Street, a autoridade deve encerrar o ciclo no atual patamar para evitar o agravamento da crise no sistema de crédito americano.

“Provavelmente é por isso que o dólar cedeu por aqui hoje. Se isso ocorrer, nosso diferencial de juros vai continuar mais atrativo, o que acaba sendo positivo para nossa moeda”, diz Cristiane. Contudo, a economista destaca que “ainda é cedo para dizer se esse movimento vai continuar”, de olho na decisão do Copom mais tarde nesta quarta-feira para manter ou baixar a Selic a 13,75% ao ano.

Dólar: Cenário continua ‘nebuloso’, diz Avenue

De acordo com William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, a nova alta “não fortaleceu tanto” o dólar, e sim gerou mais volatilidade. “O que temos é aumento de juros, deterioração das projeções econômicas. Por outro lado, durante a entrevista [de Jerome Powell, presidente do Fed], tivemos comentários de que o Fed está preocupado com o que está ocorrendo no setor bancário”, afirma.

Mas Powell não está disposto ainda a abrir mão de altas de juros. E esse fator, comenta Alves, deixa a situação do real frente ao dólar “em aberto”.

“Vimos o dólar cedendo frente ao real com a queda das taxas juros, mas ao deixar em aberto esse potencial aumento, o cenário [de câmbio] torna-se nebuloso”.

Renda fixa americana é vencedora da super-quarta

Por outro lado, a renda fixa americana torna-se ainda mais atrativa para o investidor brasileiro, explica Luiz Felipe Bazzo, CEO do Transferbank. “A renda fixa americana ganha ainda mais tração para quem quer proteger os investimentos fora do Brasil. A alta dos juros [americanos] puxa o rendimento dos títulos, treasuries e bonds para cima”, frisa Bazzo.

Quanto maior os juros nos EUA, maior o fluxo de investimentos dirigidos ao país americano. Do outro lado da balança, ocorre o aumento da aversão ao risco de investimentos em economias emergentes, como o Brasil.

Para Bazzo, o real brasileiro perde valor comparado ao dólar com a escalada de juros americanos. “No Brasil, se os investidores são afugentados para outros mercados, a moeda americana entra em menor quantidade no país, fica mais escassa, e seu valor sobe”, diz.