IPCA: Mercado vê demora para inflação melhorar e ‘desafio’ em baixar juros

Faria Lima vê bom plano de voo do Banco Central e inflação persistente em serviços e alimentos; Ibovespa reage mal

Apesar da previsão de “surpresa positiva” da ministra do Planejamento, Simone Tebet, o IPCA surpreendeu o mercado negativamente nesta sexta-feira. O principal índice de inflação fechou o aumentou 0,61%, acima das estimativas de 0,55%. Ainda assim, o resultado apresentou um recuo de 0,1 ponto percentual em relação ao IPCA de março, de 0,71%.

Para o mercado financeiro, o resultado do IPCA representa um acerto de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. O chefe da autoridade monetária vem insistindo que a inflação ainda não desacelerou o bastante para justificar cortes na Selic. Para especialistas, o IPCA de abril pode arrefecer expectativas de melhora da inflação para 2023.

Inflação ainda preocupa e ressalta plano de voo do BC

O IPCA de abril veio com força no núcleo de Saúde e cuidados pessoais. A alta de 1,49% foi lida pelo IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatística) como a de maior impacto nos núcleos de inflação. Dentro deste grupo, o item de produtos farmacêuticos avançou 3,55%. O efeito era previsto após o reajuste em até 5,6% em medicamentos aprovado Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).

Houve piora também no núcleo de Serviços subjacentes, que saltou de uma inflação de 0,32% em março para 0,54% em abril.

Para Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, a inflação de serviços vem se mostrando mais resiliente. A economista aponta que a desinflação do setor deve ocorrer, mas em duas etapas. A primeira, diz ela, já ocorreu com o reajuste relativo de preços da economia. A segunda fase, em curso, é o aperto monetário sob pressão dos juros a 13,75%.

“O número de abril não forma, necessariamente, uma tendência altista para o indicador, mas reforça a dificuldade da desinflação desse grupo de itens da cesta de bens que compõem o IPCA. Inflação de serviços é mais relacionada a salários e representa inércia inflacionária”, afirma Débora

Já Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, pontua que os resultados mantém uma pressão relevante para a política monetária.

“Serviços e a média dos núcleos, que são mais persistentes, não mostram alívio e não condizem com a convergência da inflação para a meta. Assim, a divulgação de hoje reforça a mensagem do BC, de que eles ainda precisam manter os juros elevados e só devem cortar a partir de setembro”, diz Mercadante.

Preço dos alimentos em domicílio compensa carne mais barata

O avanço da inflação sobre alimentos também foi destaque no resultado do IPCA. No geral, o setor de alimentos registrou uma inflação de 0,71%. Mas, segundo o IBGE, o núcleo de alimentos em domicílio passou de uma deflação de -0,14% em março para inflação de 0,73% em abril.

Para Lucas Pinto, economista da Alphatree capital, a inflação de alimentação é a principal surpresa negativa do IPCA. Isso porque essa inflação é mais persistente, especialmente quanto aos alimentos industrializados consumidos em casa. “Devemos ver números maiores nessa linha nos próximos meses.”

Darwin Dib, economista da Gauss Capital, diz que o encarecimento dos alimentos em domicílio “confirma a tese de aceleração da inflação dos produtos ‘in natura’” e mais do que compensa os preços mais baratos das carnes, recentemente notados no atacado brasileiro.

Contudo, a janela para o setor de alimentos “é positiva” na avaliação de Débora Nogueira, da Tenax. “Viveremos safras recorde no Brasil em 2023.”

Ou seja, há espaço para deflação do grupo, um dos que mais pesa na cesta de núcleos do IPCA — a cesta de alimentos tem atribuição de 16% ao resultado da inflação.

Qual a tendência dos juros a partir do IPCA de abril?

Para o economista André Perfeito, o resultado sinaliza a perspectiva que o BCB irá manter o plano de voo. O mercado vê cortes pequenos, de cerca de 0,25 p.p, na taxa de juros — somente no segundo semestre.

Vale notar algumas questões mais “baixistas” para inflação e os juros em especial levando em conta a reunião de junho do COPOM, afirma o economista. Dentre as tendências que poderiam ajudar a baixar a Selic, Perfeito cita:

  • O novo Arcabouço Fiscal e seu avanço na tramitação do Congresso, a medida em que o governo negocia com partidos de centro
  • Os preços internos da gasolina acima da paridade internacional.
  • A “super safra” do agronegócio
  • Os recentes ganhos do real sobre o dólar

“Tudo isso em conjunto pode auxiliar ao COPOM iniciar uma sinalização de corte de juros de maneira mais clara na próxima reunião”, diz o economista.

Mesmo assim, destaca Luiza Benamor, analista da Tendências Consultoria, o grupo de inflação analisado pelo Banco Central ficou acima das expectativas. A variação aterrizou em 0,51%, e não em 41% como esperava o BC.

“No acumulado em 12 meses, a média dos núcleos atingiu 7,20% (ante 7,40% no IPCA-15), patamar que indica a permanência de pressões subjacentes”, afirma Luiza.

Por fim, Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, diz que a inflação no Brasil não deve desaparecer tão cedo.

O índice permanece um desafio ao BC, e o mercado está reagindo ao estresse hoje: as curvas mais curtas de juros futuros aumentaram nesta sexta-feira, enquanto as mais longas ainda registram queda.

“Ou seja, o mercado acredita que no longo prazo a inflação deve arrefecer, mas ainda veremos. Mas não será um desafio fácil já que a meta do BC não mudou”, finaliza Carvalho.