Debêntures devem manter fôlego até as eleições

Após forte 3º bimestre, mercado inicia julho aquecido

O mês de julho deve ser de grande movimentação no mercado de debêntures, repetindo o que já vem ocorrendo desde maio. A avaliação de gestores ouvidos pelo Valor é que as condições para um movimento forte de oferta continuam presentes: de um lado, a contínua migração de investidores para instrumentos de renda fixa reforça a demanda pelos papéis e, com isso, mantém as taxas de captação interessantes para as empresas; de outro, o mercado de dívida local continua sendo a principal fonte de recursos para companhias que querem reforçar o caixa para atravessar o período desafiador da economia global ou antecipar rolagens.

O volume de emissões de debêntures somou R$ 60,2 bilhões entre maio e junho, um aumento de cerca de 39% ante o registrado nos mesmos meses de 2021, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Em todo o primeiro semestre, o volume foi de R$ 133,8 bilhoes. “A impressão que temos é que julho está num ritmo até um pouco mais forte que junho. As empresas têm conseguido taxas interessantes e conseguido alongar prazos de dívida”, diz Antonio Pedro Leão Teixeira, sócio da área de crédito da corretora JGP.

Para Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA, o mercado deve continuar com atividade forte na segunda metade do ano, mas provavelmente concentrado nos meses de julho a setembro, por causa do período eleitoral. A expectativa dele é que o volume de debêntures efetivamente distribuídas no mercado cheguem a R$ 40 bilhões. Considerando outros títulos de dívida, como CRIs e CRAs, o montante deve ser de cerca de R$ 50 bilhões no segundo semestre e de R$ 150 bilhões no ano.

Muitas das empresas que emitiram debêntures tentaram aproveitar a melhora do ambiente para antecipar a rolagem de dívidas e alongar o perfil do endividamento, segundo Mariano Andrade, da gestora Polo Capital. Outras, tentaram se antecipar ao movimento das eleições. “Ainda há muita incerteza sobre como será a pauta com uma eventual vitória do Lula, que ainda não fez o gesto de tranquilizar o mercado, como os governos de esquerda no Chile e na Colômbia fizeram”, afirma Andrade. “As companhias estão tentando, de alguma forma, organizar seus passivos para estarem preparadas independentemente de como vai ser o resultado da eleição.”

Pelo lado dos investidores, os fundos têm visto muito dinheiro novo chegando. Levantamento feito pela JGP mostra que fundos com mais de 50% do patrimônio investido em crédito privado captaram, em média, R$ 11 bilhões por mês na primeira metade de 2022. Entre as gestoras independentes, o volume médio de captação foi de R$ 2,4 bilhões mensais no mesmo período.

Esse movimento tem como pano de fundo a alta da taxa Selic, que já está em 13,25%, e torna a aplicação em renda fixa mais atrativa do que em ações. Além disso, o ambiente de inflação ainda pressionada, que impacta a receita das companhias, e os riscos de uma recessão global castigam adicionalmente o mercado acionário. Assim, as debêntures também passaram a ser uma opção para empresas que estavam prontas para uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), mas que optaram por pausar os planos.

Esse cenário desafiador, de inflação, juros e atividade fraca, também teve efeito direto sobre o mercado internacional de dívida. Com a alta dos juros pelo Federal Reserve e, consequentemente, dos Treasuries, o mercado de bônus passou por uma forte correção. Instabilidade que eleva o custo de captação no exterior e torna o mercado local de dívida mais interessante para as empresas que precisam se financiar.

A combinação de fluxo destinado a ativos de crédito privado e ausência de alternativas de financiamento explica, em grande medida, a disposição das companhias em acessar o mercado local de dívida mesmo com a alta da Selic encarecendo a operação. Ao mesmo tempo, tem equilibrado o spread, que é a taxa paga acima do CDI na emissão das debêntures, e permitido o alongamento dos prazos desses papéis para as empresas de baixo risco de crédito. “Com a Selic alta, o mercado de crédito não tem concorrente, e deve continuar funcionando bem”, diz Gilberto Paim, sócio e gestor dos fundos de crédito da Galapagos Capital.

Mas, para ele, essa dinâmica pode colocar alguns preços no mercado em um nível incompatível com o risco de algumas companhias. “O mercado primário está emitindo a spreads baixos e a prazos longos, e por isso temos preferido comprar papéis no mercado secundário, mais curtos mas com um spread mais adequado”, explica. “Prefiro manter uma duration menor na minha carteira porque, se as taxas abrirem, a gente está mais conservador”, afirma.

Vivian Lee, da Ibiúna Investimentos, também não acredita que esse movimento de queda do spread vai continuar. “O mercado está em um momento em que os spreads não devem caminhar para níveis ao redor de 1%, como vimos antes da pandemia”, diz. “A absorção pelos fundos de crédito em junho já foi menor em algumas emissões que estavam testando spreads mais baixos que os ‘deals’ nos primeiros meses de 2022, o que mostra que, apesar da captação líquida positiva, muitos gestores pararam de corroborar com o fechamento de spread generalizado nas emissões primárias.”

Por Rita Azevedo e Lucinda Pinto, do Valor Econômico, de São Paulo.