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Com incertezas, gestores focam na renda fixa
O pós-eleição aumentou o termômetro de risco e deixou marcas nas carteiras dos investidores.
E, com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o respiro foi de curta duração. A tensão aumentou à medida que as primeiras sinalizações do futuro governo foram de aumento de gastos sem que uma contrapartida fiscal seja ainda conhecida.
O resultado na matemática dos investimentos foi negativo para ações, renda fixa prefixada e atrelada à inflação, enquanto na ponta de defesa se destacaram títulos pós-fixados, dólar e ouro.
No acumulado do ano, as alternativas de renda fixa, incluindo a poupança, e mesmo a bolsa ganham da inflação projetada até novembro.
Quais foram os resultados dos índices em novembro?
Os resultados dos índices ficaram, em geral, abaixo da expectativa. Veja:
- O Ibovespa perdeu 3,06% em novembro.
- Índices ligados a empresas de consumo caíram 14,3%.
- Os do setor imobiliário perderam 16,6%
- Empresas de menor capitalização desceram 11,2%.
- Os indicadores de renda tiveram recuo de 1,18% para o IMA-B 5+, que representa uma cesta de títulos do Tesouro indexados ao IPCA, com vencimento acima de cinco anos.
Investir no Brasil ficou barato
A correção barateou os ativos brasileiros, mas, como há incertezas sobre como será a gestão do endividamento público, esse pode ser o novo prêmio exigido para carregar qualquer tipo de risco, do soberano ao crédito privado, do real às ações negociadas na bolsa.
Sem vislumbrar um contrapeso orçamentário para fazer frente às necessidades de gastos sociais, a primeira resposta foi a alta dos juros futuros.
Este movimento inverteu a trajetória de cortes esperados para a Selic – hoje em 13,75% – no ano que vem para uma alta de até 15%.
Qual foi a rentabilidade dos ativos em 2022?
No acumulado do ano, estratégias ligadas a juros, incluindo a poupança, e Ibovespa ganham da inflação.
Nesse ambiente, a lógica das estratégias ligadas a juros se mostra como uma das mais atraentes, diz Ronaldo Patah, estrategista-chefe de investimentos do UBS Consenso.
“A gente acha que o cenário para taxas de juros ainda é de queda em algum momento em 2023, apesar de o risco ter aumentado muito depois da eleição”, diz.
Dentre as classes de ativos com que a instituição compõe a sua alocação, a renda fixa pré e pós-fixada aparece com indicação “overweight” (acima do ponto estrutural) para a carteira.
“Enquanto o mercado projeta uma taxa nominal de 8% de 2024 para frente, as taxas pré, que estavam na faixa dos 12%, depois da eleição foram para 13,5%, 14%.”
O racional é que, se os 8% para a Selic se confirmarem, o investidor capture ganhos de capital com o ajuste das taxas para baixo, o que significa valorização dos papéis.
Maiores as incertezas, mais prêmios
A alta do prêmio de risco é consequência de incertezas que tendem a persistir nesta virada de ano, com as discussões para o orçamento de 2023 e de qual instrumento deve ser colocado no lugar do arcabouço fiscal atual, diz Patah.
Ele acha que o Congresso é que vai modular o debate. “Não vão ser os R$ 200 bilhões [acima do teto] e não vai ser por prazo indeterminado.”
Entre os participantes do mercado financeiro, Patah diz haver uma sensação de frustração, depois de o candidato Lula mudar o seu discurso após eleito presidente com o apoio de economistas e nomes do centro.
Mesmo depois de atenuar esse viés, enfatizando que em seus dois governos foi fiscalmente responsável, e sinalizar a intenção de trabalhar por uma reforma tributária, fica a mensagem “eu traí, mas foi sem querer”, diz. “A confiança, depois que quebra, demora um pouco para retomar.”
Por que a bolsa e o real podem ficar caros?
Há percepção de que bolsa e real estão baratos, mas, se houver piora nas contas públicas, pode haver deterioração extra.
O especialista espera que, ao longo do primeiro semestre de 2023, as taxas de juros sigam elevadas até que se tenha um modelo fiscal crível e executável, capaz de projetar uma relação dívida/PIB estável.
Ele avalia, contudo, que o pior cenário já está nos preços e vê a renda fixa com a melhor relação risco/retorno. “Não consigo achar atraente a renda variável, mas também não dá para reduzir a exposição, porque as ações estão muito baratas.” Numa carteira de perfil moderado, a recomendação é manter uma fatia de 10% em bolsa.
Como ficam os títulos indexados à inflação
Já os títulos indexados à inflação “têm menos suco” do que os prefixados porque a expectativa é que o IPCA caia para a faixa dos 4% nos próximos 12 meses, pondera Patah.
Em ativos globais, o UBS Consenso tem indicação abaixo da média por conta do ambiente complexo de aumento de juros nos EUA, risco de freio na atividade, sem um fim de ciclo ainda visível.
Na fase pré-segundo turno, a Brainvest chegou a alongar um pouco o prazo em títulos indexados à inflação. Isso tendo como base a leitura de que a base do Congresso seria de centro-direita e que Lula, de volta ao Planalto, não significaria um governo com viés radical.
Daria o suporte que as pessoas mais pobres precisam sem “destruir os pilares fiscais do país”, diz Dennis Kac, diretor de investimentos da gestora de patrimônio.
Mas essa premissa foi “por água abaixo”, com um furo no teto da ordem de R$ 200 bilhões por prazo indeterminado. Foi essa orientação que tornou o mercado disfuncional duas semanas atrás.
“O mercado está louco para dar uma colher de chá, o investidor estrangeiro quer só uma sinalização de ancoragem fiscal e agasalharia um gasto acima do teto de R$ 100 bilhões, seria mais do que suficiente para cumprir o aumento do Auxílio Brasil, para a recomposição do salário mínimo e de alguns outros programas sociais pelo primeiro ano, e depois traria uma nova âncora fiscal”, diz Kac.
Reversão de cenário
Os passos na direção oposta criaram um ambiente desafiador para investimentos.
A Selic em 13,75% ao ano deixou de ser considerada a taxa final e de incorporar cortes em 2023, para embutir novas altas.
E, com juros reais superiores a 6%, o valor considerado justo para as empresas na bolsa também foi revisado, diz Kac, com ações sendo negociadas muito abaixo da média histórica.
Isso ocorre porque a taxa de desconto usada para calcular o valor justo das companhias listadas leva em conta os juros de longo prazo.
“Uma série de ativos no Brasil foi para um preço de quase descontrole, a níveis próximos ao do segundo governo de Dilma Rousseff”, afirma Kac. “É uma dicotomia, a gente olha os ativos extremamente baratos, mas por ora não vê ‘trigger’ (gatilho) de melhora.” O resultado é que a Brainvest saiu dos títulos de prazo mais longo para entrar em indexados à inflação com vencimento em 2024 e o prefixado com resgate em 2025.
Em bolsa, manteve a posição estrutural, mas 70% da alocação está em fundos “long biased”, em que os gestores têm mais liberdade para calibrar a exposição conforme o cenário, podendo eventualmente ficar vendidos.
A gestora também ampliou a fatia em multimercados macro e sugere que o cliente mantenha a disciplina em investimentos alternativos, apesar da Selic mais gorda.
Gastos do governo geram mau humor
O Brasil ficou mais difícil e perdeu o movimento de “risk on” observado em outros mercados em novembro pelo início “atabalhoado na condução das contas públicas” pela equipe de transição, diz Carlos Calabresi, sócio da Garde.
Na fatura das estatais, a receita do bolo já era conhecida, mas o apetite por gastos do futuro governo explica o mau humor.
“A seguir essa linha, a economia vai acabar trabalhando com juros mais altos e com crescimento menor. É ruim para a bolsa e no final é bom para a renda fixa, do ponto de vista do cliente.”
A Garde reduziu as posições em Brasil por conta da volatilidade.
O gestor diz ter dúvidas de como o câmbio vai reagir.
Em tese, os juros mais altos ancorariam uma valorização do real, mas se houver a percepção de que a “dívida vai entrar numa trajetória sem volta e se coloca a solvência em risco, pode ter migração de recursos para fora do país”, diz Calabresi.
Ele lembra que as taxas dos títulos de dívida de países classificados como “grau de investimento” já não estão mais próximas de zero. É possível encontrar retornos de 5% a 6% em papéis de empresas com boa qualidade de crédito, e de 8% a 9% nas mais arriscadas.
Bolsa mais protegida
Dentro do kit pró-ativos brasileiros, Calabresi avalia que a bolsa é a posição mais protegida, não a 112 mil pontos do Ibovespa, mas a partir dos 105 mil pontos. “Mas tem que ser muito tático para atuar nos exageros. Com juros altos, crescimento baixo e fiscal pior, é difícil ver a bolsa com tendência robusta de valorização.”
O capital estrangeiro, que acumula ingressos líquidos de quase R$ 85 bilhões no secundário da B3, reduziu o passo de entrada, mas ainda não deu a meia volta, porque, de longe, os investidores avaliam o Brasil com outros olhos.
“Se começarem a analisar com mais cuidado que a agenda está com cara e cheiro de Dilma 2, talvez se preocupem”, alerta Calabresi. “Por enquanto acham que as empresas estão baratas, num mercado consumidor razoável, mas têm que olhar o resto daqui para frente e qual vai ser a política econômica. Se houver desconforto, pode ter algum fluxo de saída.”
Incertezas dominam
A incerteza é o nome do jogo, num momento em que o governo eleito negocia com o Congresso um gasto extra antes mesmo de anunciar quem vai comandar a economia, diz Eduardo Cortez, sócio-gestor da Skade Capital.
“Se põe na Fazenda alguém que não consegue ancorar, segurar os gastos depois, o país entra numa situação em que de cinco a dez anos não vai conseguir ter juros baixos e inflação sob controle.”
Inflação e juros altos
É essa combinação de inflação e juros altos que os investidores odeiam, porque as taxas futuras são o principal componente para se avaliar o preço das ações.
O gestor considera, contudo, que o gasto não vai ser no tamanho e prazo desejados pelo governo de transição. Ele acha até que Lula pode colocar na condução da economia um nome que agradará os agentes financeiros.
“Se isso acontecer, ao olhar os múltiplos das ações domésticas, industriais, fornecedoras do agro ou aquelas menos dependentes de insumos, de commodities como petróleo, há empresas num momento muito favorável se olhar só o preço.”
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