Prejuízo ao investir na bolsa de valores? Saiba como acionar o MRP e receber até R$ 200 mil

Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo da B3 teve o valor ampliado em 2024. Entenda as hipóteses de reparação

Investidores da B3, a bolsa de valores brasileira, prejudicados por determinadas ações de corretoras podem acionar o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP) para receberam de volta valores de até R$ 200 mil.

Assim, a solução administrativa antes cobria prejuízos de até R$ 120 mil, mas, desde o dia 2 de janeiro, passou a contar com o novo teto de ressarcimento. A atualização anterior do valor havia sido há nove anos, em 2015.

O MRP existe há dezessete anos para proteger investidores diante de erros cometidos por agentes da bolsa, desde a execução equivocada de uma ordem até a quebra de uma corretora.

Dessa maneira, o mecanismo foi criado por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – também responsável por aprovar o recente reajuste do teto proposto pela BSM Supervisão de Mercados, o braço de autorregulação da B3 responsável por administrar o MRP.

O fundo de onde saem os recursos para os ressarcimentos foi construído e é abastecido com aportes das corretoras e da B3.

Todos os investidores da bolsa de valores brasileira, sejam eles pessoa física ou jurídica, têm direito a acionar a ferramenta, por meio da BSM.

Não há custo nem é preciso contratar um advogado para entrar com o pedido.

Proteção para o investidor

André Eduardo Demarco, diretor de Autorregulação da BSM, explica que o MRP oferece proteção ao investidor contra os riscos de prestação de serviços das corretoras.

“O mecanismo traz proteção e credibilidade, em um mercado organizado e regulado”, afirma Demarco. “O MRP não é um ‘plus’, mas uma obrigação para o mercado de bolsa.”

Para o advogado e ex-diretor da CVM Henrique Machado, a grande lacuna de conhecimento para o investidor é como ele faz para aplicar o dinheiro.

“A pessoa entende o que é uma ação, sabe se quer comprar ou vender, qual o objetivo da operação, mas quem efetivamente opera é o intermediário, a corretora. Ser esse intermediário exige responsabilidade.”

Machado considera o MRP uma forma de aumentar a segurança e a confiabilidade no mercado de capitais. “É um mecanismo que sai barato e que estimula o investimento, especialmente dos pequenos investidores.”

Flavio Conde, analista da consultoria de investimentos Levante, aponta que o valor máximo de ressarcimento pelo MRP estava “defasado” e que já era hora de atualizá-lo.

“O mercado cresceu bastante nos últimos anos, por causa da taxa de juros menor e de melhorias como o Novo Mercado, mas faltam novos incentivos para atrair o investidor. O MRP é um mecanismo interessante e positivo.”

Critérios para o novo reajuste

O novo valor, de R$ 200 mil, decorre de estudo estatístico da BSM que considera fatores como o valor de pedidos de ressarcimento anteriores, dados sobre a quebra de corretoras e projeções de como esses números devem se comportar.

Não há uma periodicidade nem um indexador pré-definidos para que os reajustes aconteçam. Essa foi a segunda alteração no valor máximo de ressarcimento desde a criação do MRP, em 2007. Na época, o teto era de R$ 70 mil.

O professor de Finanças da FIA, Marcos Piellusch, considera importante o aumento para R$ 200 mil. “As pessoas, de fato, podem ter prejuízos maiores do que os R$ 120 mil anteriores”, diz Piellusch.

“O valor atualizado é suficiente para proteger os investidores pessoa física.” Esse é o perfil majoritário daqueles que recorrem ao MRP.

Demarco, da BSM, explica que o valor máximo de ressarcimento leva em consideração, prioritariamente, aquele investidor mais “vulnerável” aos riscos, ou seja, a pessoa física.

A rapidez na análise dos pedidos é uma das vantagens de recorrer à medida administrativa em vez de acionar a Justiça – ainda que o investidor possa seguir os dois caminhos de forma complementar.

A CVM estabelece prazo máximo de 100 dias para a análise do caso pela BSM. Se o pedido for indeferido, o investidor pode recorrer à CVM, que tem outros 180 dias para tomar uma decisão.

Em caso de negativa da CVM ou para casos com prejuízos maiores que R$ 200 mil, a saída é a Justiça.

Quando o investidor pode recorrer ao MRP?

A resolução da CVM que instituiu o mecanismo de ressarcimento prevê seis hipóteses em que o investidor pode recorrer para reaver prejuízos.

São elas:

  • A execução de ordens de forma infiel, ou seja, diferente do determinado pelo investidor;
  • O uso inadequado de ativos por parte da corretora;
  • A entrega ao investidor de ativos ilegítimos ou de circulação restrita;
  • A não legitimidade de documentos para a transferência de ativos;
  • A inadequação das operações ao perfil do investidor;
  • O encerramento de atividades da corretora.

Henrique Machado, advogado e ex-diretor da CVM, afirma que cerca de 90% dos casos se enquadram em três situações: execução infiel de ordem, liquidação de corretora e falha de ‘suitability’, ou seja, de adequação da operação ao perfil do investidor.

Homem observa ações da Bolsa de Valores de São Paulo
Painel mostra desempenho do mercado de ações na B3, a bolsa brasileira – Foto: Daniel Texeira/Estadão Conteúdo

Nesse último ponto vale lembrar que, ao começar a relação com uma corretora, todo investidor preenche uma ficha informando o nível de conhecimento dele sobre o mercado de capitais, o histórico de investimentos e o apetite para risco.

Assim, se um cliente deixou claro no documento que não está disposto a perder o valor principal investido, por exemplo, a corretora precisa ter meios para impedi-lo de executar operações arriscadas.

De acordo com dados da BSM, falhas nas plataformas são a forma mais comum de execução errada da ordem do cliente por parte da corretora.

Esse problema foi responsável por 28% das reclamações recebidas pelo órgão de autorregulação ao longo de 2023.

Na hipótese de quebra da corretora, o risco de prejuízo se concentra nos valores mantidos pelos clientes na conta corrente da corretora, não no dinheiro que está investido.

Em quais casos não se aplica?

O Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (MRP) vale para casos em que o investidor teve prejuízo causados pela operação da corretora, não pela oscilação do mercado de capitais.

Ao aplicar dinheiro em ativos negociados na bolsa de valores, mesmo o investidor de perfil conservador assume que há um risco maior do que em opções de renda fixa, por exemplo.

Assim, nada relacionado à rentabilidade ou falta de rentabilidade dos ativos pode ser reclamado ao MRP.

Da mesma forma, não está no escopo desse tipo de ressarcimento a desvalorização de ativos de uma empresa listada na B3 que venha ter problemas financeiros ou mesmo quebrar.

Assim, respeitado esse requisito, o MRP oferece cobertura para negociações feitas em bolsa com valores mobiliários, como a compra e venda de ações, fundos imobiliários ou outros fundos fechados listados e derivativos.

O mecanismo não abrange operações no mercado de balcão nem com títulos públicos do Tesouro Direto, CDBs, LCIs e LCAs ou fundos de investimentos abertos distribuídos pelas corretoras.

Valor médio ressarcido ao investidor é de R$ 14,5 mil

De janeiro a dezembro de 2023, a BSM analisou 464 pedidos no âmbito do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos. Excluindo-se os casos em que houve acordo ou em que o relato não atendeu aos requisitos do MRP, o órgão julgou 300 pedidos. Desses, 14% foram considerados procedentes, 56% improcedentes e 30% estão em fase de recurso com a CVM.

Em média, os investidores pediram ao longo do ano passado ressarcimentos de R$ 22,6 mil. O valor médio efetivamente devolvido, porém, foi de R$ 14,5 mil. No total, em 2023, a BSM ressarciu R$ 609,9 mil a investidores.

Teve prejuízo? O passo a passo para acionar o MRP

O primeiro passo para o investidor pedir ressarcimento pelo MRP de um prejuízo causado pela corretora é reunir provas do ocorrido. A BSM, que analisa as solicitações, considera cópias de documentos, ‘prints’ de tela, vídeos e gravações telefônicas que demonstrem que o agente executou uma ordem que prejudicou o cliente.

Também é importante informar dia e horário em que a falha aconteceu, quem foi o operador responsável, qual operação o investidor tentou fazer, com qual ativo e detalhar exatamente a dificuldade enfrentada.

A reclamação precisa estimar também qual é o prejuízo que a pessoa acredita ter sofrido e como ela chegou a esse valor.

A reclamação deve ser protocolada no site da BSM, por meio do preenchimento de um formulário e da anexação das provas.

O investidor vai ser informado do andamento do processo por e-mail e pode também checar o status no site da BSM.

A partir de um episódio que tenha causado prejuízo, há um prazo máximo de 18 meses para que o investidor recorra ao MRP. Reclamações feitas depois desse prazo são arquivadas.

Carolina Freitas, repórter freelancer do JOTA