Recuperação judicial das Americanas (AMER3): quais os próximos passos?

Expectativa é de que plano seja votado pela assembleia geral de credores até dezembro

A Americanas (AMER3) entrou com pedido de recuperação judicial (RJ) – instrumento que visa evitar a falência de uma determinada companhia e, com isso, levá-la a renegociar suas dívidas – após a descoberta de uma fraude contábil da ordem de R$ 20 bilhões, o que elevou a dívida da varejista para aproximadamente R$ 43 bilhões.

Depois de a Justiça fluminense aceitar o pedido de recuperação judicial no início deste ano, a Americanas passou a trabalhar em um plano para conseguir continuar com a operação, mas negociando as dívidas que possui. As questões nas quais a empresa se viu envolvida, inclusive, fez com que a B3 anunciasse nesta quarta-feira (8) que a companhia não pode mais utilizar o selo do Novo Mercado, índice máximo de governança e negociação da Bolsa.

Mas, o que vem a seguir no campo jurídico?

Segundo especialistas consultados pela reportagem, a varejista deve, agora, aprovar um plano de reestruturação da dívida com os credores, ou seja, empresas, bancos e fornecedores com os quais a companhia tem débitos em aberto.

“Após o pedido de recuperação judicial e a apresentação do plano de recuperação judicial e lista de credores, o próximo passo será a votação do plano em Assembleia Geral de Credores o que permitirá, ou não, que a recuperação siga com a tentativa de reerguer a companhia. Caso não seja aprovado, poderá resultar na decretação da falência”, explica Ana Livia Dias, advogada especialista em direito processual civil.

Os próximos passos

Os agentes do mercado aguardam ansiosamente a Assembleia Geral de Credores (AGC). Em julho, a Justiça prorrogou a proteção às Americanas por mais 180 dias, de forma que a assembleia deve ocorrer até dezembro.

“Os credores serão convocados a fim de deliberar sobre o plano de recuperação judicial apresentado pela Americanas, podendo votar a favor ou contra a proposta de pagamento. O resultado da votação implicará no futuro da recuperação judicial. Se o plano for aprovado, o juiz exercerá o controle de legalidade sobre o plano e concederá a recuperação judicial pedida pela Americanas para que os créditos sejam pagos na forma acordada”, disse o advogado Luis Felipe Ferrari.

“Já caso o plano seja rejeitado, o procedimento poderá ser convolado em falência, dando contornos mais graves ao cenário dos credores, que dependerão da existência de ativos da Americanas suficientes para a quitação dos créditos, para que haja o efetivo recebimento”, completa.

O plano da recuperação

A gestão das Americanas apresentou um plano que prevê um aporte de cerca de R$ 12 bilhões dos três principais acionistas da empresa – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira -, além da venda de ativos e conversão de dívidas em ações. Nesta semana, porém, a empresa desistiu de procurar comprador para o hortifruti Natural da Terra, mas não explicou como irá substituir o valor previsto com a venda do ativo no plano da recuperação judicial.

Além disso, a empresa ainda prevê a recompra de créditos quirografários, que não têm privilégio de pagamentos na recuperação judicial, no valor total de R$ 2,5 bilhões, e a emissão de debêntures, que são títulos de crédito emitidos pela empresa, no valor de R$ 5,9 bilhões.

Ainda segundo o plano de recuperação, a varejista pretende pagar credores trabalhistas, micro e pequenas empresas em até 30 dias após a homologação da recuperação judicial. Já para os demais credores, os prazos podem chegar a 2043, com descontos de até 80%, caso esta proposta seja aprovada pela assembleia.

A empresa ainda atualizou o plano para pagar antecipado créditos de até R$ 12 mil. “[A companhia] decidiu estender a opção de pagamento à vista, sem deságio e sem correção, a ser paga em uma parcela única após a data de homologação do PRJ, a todos os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial listados da Classe III (quirografários), titulares de créditos até o valor de R$ 12 mil”, disse, em comunicado ao mercado.

“Somente o tempo apresentará os novos cenários que a companhia vai enfrentar e se conseguirá cumprir o plano apresentado, se ele for aprovado. De toda forma, prevê-se um investimento de mais de R$ 10 bilhões para ajudar a minimizar os débitos provisionados na ordem de R$ 43 bilhões, o que certamente ajudará a companhia. Este cenário gera esperança na recuperação da companhia, já que não estão contando apenas com os descontos sobre os débitos e com o pagamento parcelado a perder de vista”, afirma Ana Livia Dias, advogada especialista em direito processual civil.

A previsão acerca da efetividade do plano da recuperação judicial é feita, de certa forma, no escuro. Isto porque a companhia não apresenta balanços contábeis desde o pedido de recuperação judicial.

“Somente com a divulgação do resultado das demonstrações financeiras auditadas será possível entendermos se há viabilidade de controle da situação vivenciada e, principalmente, a possibilidade de superação [da crise]”, afirma Ferrari.

Mesmo com a tentativa de recuperação da empresa, as ações da varejista na B3 acumulam queda de cerca de 90% neste ano. Por isso, para Fabrício Gonçalvez, analista e CEO da Box Asset Management, as ações ainda têm uma recomendação neutra, mesmo com a possibilidade de recuperação judicial.

“Essa atitude do deságio na recuperação judicial basicamente é a redução do valor das dívidas da empresa em crise. Esse plano traz pontos negativos e positivos, mas em uma situação geral beneficia mais a empresa que os credores”, disse.

Relembre o caso

A crise nas Americanas começou quando o então recém-empossado CEO da varejista, Sérgio Rial, alertou para uma possível fraude contábil na casa dos bilhões.

O primeiro fato relevante sobre o assunto foi divulgado em 11 de janeiro de 2023. Ele informava: “Foram detectadas inconsistências em lançamentos contábeis”. A informação significava, à época, que informações não constavam adequadamente nas demonstrações financeiras da empresa – balanços patrimoniais, resultados obtidos em determinado exercício e até dados de fluxo de caixa. Na época, essas inconsistências eram de R$ 20 bilhões, segundo o mesmo documento

No dia 19 de janeiro, o Grupo Americanas anunciou sua recuperação judicial. Na divulgação desta informação, a companhia informou que o total dos créditos listados nos documentos protocolados com o pedido de recuperação judicial somava, naquela data, aproximadamente R$ 43 bilhões.

A companhia admitiu fraude no balanço e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi aberta para investigar o caso, mas foi finalizada sem apontar culpados. A AMER3, ação da companhia, que estava sendo negociada a R$ 11,99, desceu a R$ 0,80 no final de janeiro e, hoje, em recuperação judicial, é negociada na casa de R$ 0,85.

Enquanto aguarda a aprovação do plano de recuperação judicial, no mês passado, a empresa, em um relatório mensal que deve enviar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), informou que vem honrando suas obrigações e que retomou o pagamento dos novos débitos de praticamente todos os fornecedores. A empresa relatou ainda que seu índice de margem bruta consolidada foi de 24,2% em agosto e que possui R$ 1,79 bilhão em caixa.

Vinicius Pereira, repórter freelancer