Onde a taxa de juros americana vai parar?

Uma conversa mais ampla sobre as taxas de juros globais é necessária, inclusive com a análise dos superciclos econômicos

Uma das discussões mais acirradas no momento é a respeito do comportamento das curvas de juros no mundo todo. Para colocar um pouco de perspectiva, investidores de renda fixa de longo prazo americana podem amargar o terceiro ano seguido de retornos negativos neste ano – algo inédito. E considerando que a taxa americana é o barômetro para o custo do dinheiro no mundo inteiro, a pergunta-chave é: onde a taxa de juros americana vai parar?

O comportamento da taxa longa depende da decisão dos membros do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), em relação à taxa básica do overnight. O Fed, por sua vez, tenta calibrar a política monetária para controlar a inflação. Ao mesmo tempo em que procura evitar um aperto que gere uma recessão.

No entanto, diferentemente de outros ciclos econômicos, estamos diante de uma mudança de regime. A discussão não deve se limitar à análise dos indicadores macroeconômicos tradicionais e ao risco de recessão americana. Mas é preciso dar um passo a mais e incorporar nas análises uma discussão de superciclo. Uma discussão que ocorre a cada duas ou três gerações.

Superciclos Econômicos

No que diz respeito a investimentos, tudo é relativo, inclusive o tempo. A definição de longo prazo é muito subjetiva, e pode variar muito a depender dos interlocutores. Digamos que um horizonte de longo prazo seja qualquer coisa entre 3 e 10 anos. Falar em cenários de longo prazo maiores que isso não faz muito sentido para a grande maioria dos investidores. A discussão de superciclos longos – como os ciclos de Kondratiev, de cerca de 50 anos – normalmente se limita ao mundo acadêmico. Conforme a famosa citação do economista John Maynard Keynes, “no longo prazo, estaremos todos mortos”.

No entanto, a história nos ensina que após longos períodos de uma ordem econômica dominante, os rumos da economia global são alterados de forma mais marcante. Obviamente, não há um prazo pré-determinado para essas rupturas, mas alguns sinais nos levam a crer que o modelo das últimas décadas se encerrou.

Após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, o mundo entrou em um período de paz marcado pela incontestável hegemonia norte-americana. De lá para cá, tivemos uma grande expansão do comércio internacional com a globalização da economia mundial, e, entre outros, uma clara tendência de queda de juros de longo prazo. A partir do ano passado essa tendência foi claramente interrompida.

A Guerra da Ucrânia alterou o cenário geopolítico

É difícil dizer o quanto um evento isolado pode ser responsável por uma mudança tão relevante. Será que foi a pandemia, o aumento das tensões entre EUA e China iniciadas com o protecionismo do Trump, o movimento de nacionalismo e populismo, a inflação global, ou será que foi a combinação de todos esses eventos que resultou nessa ruptura?

Olhando os preços de mercado, o grande choque na taxa de juros americanos ocorreu logo após o início da Guerra da Ucrânia. Coincidiu com o início do ciclo de altas de juros americanos. Essa coincidência (ou não) dificulta a percepção de fim de superciclo ou mesmo de sua causa. Isso porque não há dúvida que o início do ciclo de alta de juros deveria naturalmente fazer as taxas de longo prazo subirem. Períodos de aperto monetário fazem parte de um ciclo econômico natural.

Porém, uma das reações à guerra foi o estabelecimento de sanções contra a Rússia pelo Ocidente, e quando os Estados Unidos congelaram os ativos do banco central russo, tomaram uma decisão comprometedora e, de certa forma, mudaram a regra do jogo. A consequência imediata da Guerra da Ucrânia foi um redesenho no tabuleiro geopolítico.

Ainda é cedo para identificar as consequências dessa mudança. Uma das teses é que se trata de um impulso inflacionário, em razão de novos investimentos em cadeias logísticas, de globalização, aumento de gastos militares e tecnológicos. Uma outra especulação é que poderíamos ver mudança nos fluxos de capitais, demanda por dólares ou títulos de dívida americana, mas há pouca evidência disso por enquanto.

Sinais do mercado para a taxa de juros americana

Ainda assim, se a premissa de que estamos atravessando um ponto de inflexão de um superciclo econômico estiver correta, a análise precisa se ajustar a outras perspectivas.

Investidores experientes costumam dizer que o melhor economista é o mercado. Olhando o comportamento dos preços, a conclusão é que placas tectônicas estão movendo os mercados.

O movimento das taxas de juros americanas é a maior evidência. Já é consenso que não veremos mais taxas de juros negativas em países desenvolvidos, e, se no começo deste ano ainda se falava em taxas de dez anos entre 3% a 3,5% ao ano, agora nos aproximamos rapidamente de taxas de 5% para a Treasury de dez anos.

De olho no petróleo

Mas vemos outros sinais de que movimentos relevantes estão ocorrendo. O preço do petróleo voltou a disparar, dessa vez por um choque intencional de oferta dos sauditas e russos. Aumentam as possibilidades de weaponization. O que impede a OPEP de um choque maior? Não sabemos o que o bloco árabe menos alinhado com os americanos significa no médio e longo prazo para o preço das commodities. No mínimo, aumenta o prêmio de risco.

Um outro Titanic do mercado é o BOJ. O banco central japonês é o único, entre os países desenvolvidos, que ainda não iniciou um ciclo de alta de juros. Mas é uma questão de tempo, ou o risco do yen desvalorizar eternamente. O mais difícil é prever quais os impactos nos preços dos ativos japoneses e na demanda de investidores japoneses por investimentos estrangeiros quando o BOJ retirar o seu controle das curvas de juros.

Um outro destaque é no mercado de trabalho. Estamos vendo um movimento há muito esquecido em países desenvolvidos: greves. Após os choques inflacionários pós pandemia e alimentados pelo excesso fiscal dos governos, vemos a volta dos sindicatos. O aumento do poder de barganha do trabalhador pode ser algo estrutural, o que significa mais pressão inflacionária no futuro.

Ter paciência faz parte do jogo

Tem muita coisa acontecendo, em toda parte, ao mesmo tempo. A sensação é que estamos no meio de uma tempestade e só teremos uma visão clara do que ocorreu a posteriori. O mundo precisa se ajustar a um regime de juros mais elevados, a mudanças nas prioridades estratégicas no tabuleiro geopolítico, e a maiores níveis de prêmio de risco.

O aumento das incertezas e da volatilidade abre espaço para aproveitar oportunidades táticas de curto prazo, mas não parece ser o momento ideal para assumir posições muito arriscadas ou grandes posicionamentos estruturais de longo prazo. Se ainda não temos um ponto de referência para o custo do dinheiro, fica difícil dizer se um ativo está negociando em níveis atrativos ou não. Melhor ter a flexibilidade para se posicionar quando finalmente encontrarmos pontos de equilíbrio para as taxas de juros globais.