Mercado está parado e investidor internacional não quer saber do Brasil em 2024, dizem especialistas

Força da economia americana está dragando liquidez do mundo neste ano, afirmam gestores

A economia brasileira tem neste momento uma boa história para contar. Ela envolve empresas baratas, inflação baixa, Selic em queda e PIB para cima, Mas, apesar disso, o investidor internacional não tem interesse em ouvi-la.

Somente neste ano, o saldo entre o que o ‘gringo’ aplicou e sacou na B3 está negativo em R$ 22 bilhões, entre janeiro e março. Um flagrante desinteresse que, para entender os porquês, a reportagem procurou investidores institucionais sediados dentro e fora do país.

‘Sem graça’

Para eles, o mercado brasileiro está “sem graça” frente a outros emergentes, como Índia e México, que devem crescer mais neste 2024. Há também uma dúvida sobre a trajetória fiscal do país, que não parece caminhar para as metas de zerar o déficit, como prometido em 2023.

Mas, para além disso, há uma outra razão, completamente independente do Brasil, e que explica a falta de dólares na bolsa local. Trata-se do desempenho dos Estados Unidos.

Com a economia aquecida, inflação persistente e mercado de trabalho turbinado, a maior economia do mundo opera, neste momento, como uma bomba de sucção de dinheiro. O mercado dos Estados Unidos está, literalmente, dragando a liquidez dos investidores pelo mundo.

Investidor internacional ‘parado’

“Está tudo meio parado agora”, afirma Ricardo Almeida, ex-presidente da Bradesco Asset Management, sobre o fluxo de investidor estrangeiro.

Hoje, ele é responsável pelos fundos de ações da ASA Investments, gestora do bilionário Alberto Safra. E tem sofrido com a falta do apetite internacional no Brasil.

“80% do nosso mercado é dinheiro de estrangeiro. Sem ele, como hoje, a coisa não anda”, diz Almeida.

Fed segue imprevisível

A questão está toda relacionada ao aquecimento do mercado americano. Mesmo com os juros no intervalo de 5,25% a 5,50% – o maior patamar desde 2001 -, a economia segue em alta rotatividade.

Sem um recuo, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não dá início ao ciclo de cortes dos juros. E nessa toada, os investidores preferem tocar de lado, investindo naquilo que consideram mais seguro. Como é o caso dos ativos em negociação nos Estados Unidos.

Mercado internacional: investidor está em dúvida

Em janeiro deste ano, 80% dos analistas do mercado sediados nos Estados Unidos esperavam por um primeiro cortes de juros em março. Agora, em abril, 50% acreditam que a tesoura de Jerome Powell, presidente do Fed, vai começar a entrar em ação apenas em junho.

discurso de Powell; juros eua
Jerome Powell, presidente do Federal Reserve. Foto: Leah Millis/File Photo/Reuters

Como a queda de juros nos Estados Unidos está demorando mais que o que se previa, banqueiros de investimento ressaltam que o mercado de ações está bem seletivo. E os fluxos de dinheiro enviados para mercados emergentes estão, literalmente, parados.

“Com o bom resultado do S&P e os juros das Treasuries de 10 anos, o investidor internacional não vem para a bolsa”, afirma Marcos Kawakami, líder de renda variável do banco francês BNP Paribas.

Em 12 meses, o S&P 500, índice da maior bolsa do mundo, sobe quase 28%. Vai sendo carregado nas costas pelas empresas de tecnologia, principalmente pelo desenvolvimento de softwares de inteligência artificial (IA). Somente as ações da Nvidia Corp, fabricante de microprocessadores, valorizou-se 225% no último ano.

Já a taxa da T-Note de 10 anos, o título de dívida americana mais líquido do mercado, encerrou o pregão desta segunda-feira (1) em alta de 4,324%, ante 4,200% da última sexta-feira. Sem contar que ele encerrou o ano passado abaixo dos 3,90%.

Investidor sabe quem tem oportunidade

Segundo os investidores profissionais, não faltam oportunidades para ganhar dinheiro no Brasil ou em qualquer outro emergente. O estrangeiro sabe disso. Mas tem muito risco envolvido nesse momento.

“Tem guerra, tem uma crise no mercado imobiliário da China. E tem essa dúvida de quando o banco central americano vai começar a cortar os juros”, explica Thomas Monteiro, que lidera, da Espanha, o time de análises de investimento do Investing.com.

Bruno Corano, da Corano Capital, uma hedge fund de Nova York com US$ 2 bilhões, conta que hoje o interesse sobre o Brasil é perto de nulo nos Estados Unidos. “Eu encontro gestores de bancos aqui no prédio onde eu trabalho. Ninguém fala no Brasil”, diz.

Para ele, isso faz muito sentido. “Eu ganhei dinheiro com a Petrobras no governo Dilma porque sabia que a empresa não iria quebrar”, conta. “Mas, hoje, com as oportunidades daqui, não tem porque ir para os emergentes. Nem para mim que sou brasileiro”, conta.

Nem brasileiro quer saber da bolsa

Gilberto Kfouri, responsável por renda fixa e pelos multimercados do BNP Paribas, comenta que as ações brasileiras, neste momento, não fazem sucesso nem entre os próprios brasileiros.

“Com as Bs pagando perto de 6%, não faz o menor sentido. Lógico que essa taxa não vai continuar assim”, afirma. Ele se refere às NTN-Bs, títulos de dívida atreladas ao IPCA.

Assim como Ricardo Almeida, da ASA, Kfouri relembra que os fundos de ações e multimercados continuam sangrando – e isso pelo terceiro ano seguido. “Os fundos de renda fixa, com crédito, estão captando bastante, Quem quer risco neste momento?”, diz Kfouri.