Inflação de julho divide mercado sobre futuro da taxa Selic

Mesmo com alta de 0,12%, IPCA de julho divide mercado sobre possível aceleração dos cortes na taxa Selic de 0,75 p.p.

O mercado financeiro amanheceu dividido nesta sexta-feira após a divulgação de dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de julho, pelo IBGE. A inflação encerrou o mês passado em alta de 0,12%, acima da expectativa de 0,08% de analistas. Mesmo acima do esperado, os novos dados da inflação abrem margem para que o Banco Central acelere futuros cortes da Selic, a taxa básica de juros, até o final do ano, dizem economistas ouvidos por nós da Inteligência Financeira.

Para outros especialistas, no entanto, ainda é muito cedo para saber se a inflação de serviços, no centro do debate, deve continuar em queda progressiva até dezembro. E se a inflação de julho é uma surpresa “muito positiva” a ponto de interferir na projeção de 11,75% dos juros ao final do ano.

Corte da Selic pode acelerar por inflação em serviços

De acordo com economistas, o BC pode ganhar uma margem maior para cortar a Selic até o final do ano. O principal motivo seria a queda de inflação em serviços, a mais resiliente entre núcleos medidos pelo IPCA.

Segundo dados do IBGE, apesar de julho ter registrado um aumento do IPCA, o índice em serviços sofreu uma queda de 0,33 ponto percentual. A taxa saiu de um patamar de 0,62% para 0,25%. O núcleo inclui preços de passagens aéreas, aluguel e condomínio e gastos com automóveis, por exemplo.

A economista da Galápagos Capital, Tatiana Pinheiro, aponta que a inflação em serviços vem desacelerando desde abril. Em julho, a inflação atualizada em 12 meses do índice foi de 5,63% ante 6,21% em junho.

Tatiana explica o porquê desta desaceleração ser importante:

“A inflação de serviços é uma das últimas a ceder (no IPCA). Quando falamos de outros itens, principalmente os comercializados externamente, os produtores revisam as tabelas de preços com mais frequência. Já em serviços, os preços demoram mais tempo para sofrer reajustes. A política monetária demora para ser vista neste setor, em linha com a teoria econômica.”

No que isso afeta os cortes de juros?

Luca Mercadante, da Rio Bravo, observa que os dados de inflação foram positivos e apresentam “um desafio maior para o BC”. Isso porque os núcleos, ao contrário do índice geral, “melhoraram consideravelmente”, argumenta.

“Nas médias de 12 meses, os núcleos ficam acima da meta do BC, mas se aproximam mais do estipulado pela autoridade na média móvel de três meses e nos dados anualizados.”

Conforme relatório do Itaú BBA, a média móvel de três meses, dos núcleos recuou para 3,8% ante 4,8% no agregado em junho.

Para Leonardo Costa, da ASA Investments, a surpresa com a inflação de serviços deve “preliminarmente motivar revisões do IPCA de agosto para baixo”, impulsionado também pela queda em preços de automóveis e alimentos in natura.

O viés positivo “vai pelo caminho de aceleração do ciclo de cortes de juros” maiores, de 0,50 p.p. para 0,75 p.p., diz Costa. O economista da Asa prevê uma aceleração na queda da Selic a partir do quarto trimestre.

Em coro com o economista da ASA, Laiz Carvalho, do BNP Paribas, diz que o IPCA de julho deve aquecer apostas do mercado para um corte de juros de 0,75 p.p. após a reunião do Copom em setembro.

“Contudo, é importante ressaltar a volatilidade dos núcleos nas últimas leituras, o que indica que o BC deve juntar mais informações até sacramentar a dinâmica benigna dos serviços”, conclui.

Mesmo assim, por que a inflação subiu?

Conforme a explicação de Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos, a alta acima do esperado no IPCA de julho se deve pela reoneração de combustíveis aplicada pelo governo federal.

Além disso, após o programa de incentivo à indústria automotiva, o IPCA foi impactado pelo aumento de preços em novos automóveis, o segundo maior aumento de preços (0,05 p.p.) logo atrás da gasolina (0,23 p.p.).

A XP estimava uma queda de preços para novos automóveis em julho, o que não se confirmou, diz Maluf. “Com isso, parece que o efeito baixista da medida sobre o IPCA se dissipou no mês passado, contrastando com as sondagens de preços de alta frequência”, prossegue.

“Por outro lado, contribuíram de forma baixista ao índice a deflação em energia elétrica, devida aos descontos gerados por Itaipu e pela desaceleração em passagem aérea e ‘aluguel e condomínio’, cujos resultados foram conhecidos no IPCA-15.”

Aceleração de corte da Selic não é consenso no mercado

Mesmo com a surpresa positiva no mercado, ela não é “tão grande” a ponto de motivar cortes maiores na Selic. Esta é a avaliação de Helena Veronese, economista-chefe da B.Side.

Na visão da especialista, os dados corroboram com uma queda contínua da Selic no atual patamar de 0,50 p.p. “O Copom disse em sua ata que elevaria as baixas em 0,75 p.p. se tivesse surpresas positivas ou muito positivas no caminho. Os dados de hoje mostram que a inflação tem uma composição benigna, mas não é uma grande surpresa (para o mercado) também”, diz.

Tatiane Pinheiro, da Galápagos, frisa que o BC não deve depender apenas dos dados do IPCA para alterar os cortes de juros, mas também de como o Orçamento de 2024 e a aprovação do arcabouço fiscal podem impactar na ancoragem de expectativas do mercado.

A aceleração da queda da Selic depende de “um Orçamento que traga confiança” do cumprimento da meta de resultado primário do governo em 2024, afirma a economista. Ou seja, de zerar o déficit primário até o final do ano que vem

“O Orçamento do ano que vem é sempre muito importante, para além do novo arcabouço fiscal. A expectativa de longo prazo de inflação depende muito de o mercado acreditar que se é crível o alcance desse equilíbrio do resultado.”

A XP mantém sua previsão para a Selic encerrar o ano no patamar de 11,75%. “No geral, apesar da surpresa altista, a abertura do IPCA de julho e suas medidas subjacentes trouxeram sinais positivos. Ainda vemos o Copom reduzindo a taxa Selic para 11,75% até o ano de 2023”, diz o economista da corretora, Alexandre Maluf.

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