Goldman, Barclays e Citi analisam medidas de Haddad

Bancos dizem que medidas de Haddad mostram receio de cortes de gastos, mas mostram preocupação com contas públicas

Bancos comerciais e de investimento multinacionais analisaram medidas fiscais anunciadas por Haddad na quinta-feira com foco no aumento das receitas da União. Barclays, Goldman Sachs e Citi emitiram opiniões sobre as medidas nesta sexta-feira.

O Goldman Sachs avalia que o novo governo “continua a mostrar alguma relutância em adotar cortes permanentes significativos nos gastos correntes”. É o que diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs. Apesar disso, a administração Lula parece interessada em limitar o aumento projetado do déficit orçamentário em 2023, o que é positivo.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, definiu que a meta para o déficit fiscal em 2023 é na faixa de 1% a 0,5%. O conjunto completo de medidas somaria 2,3% do PIB.

Goldman: para despesas, ‘medidas são decepcionantes’

Entre os gastos mencionados, Ramos menciona isenções e subsídios fiscais “caros e mal direcionados”. Para ele, o governo permanece relutante em “reconhecer abertamente a necessidade de alcançar um superávit fiscal primário de cerca de 2% do PIB para estabilizar a dinâmica da dívida pública”.

O pacote anunciado é baseado fortemente em medidas de receitas (1,8% do PIB), aponta Ramos, muitas das quais (0,7% do PIB) não recorrentes (extraordinárias), como um programa de incentivo ao reembolso/refinanciamento de impostos em atraso (0,5%) e a apropriação de recursos não reclamados do PIS/Pasep (0,2%).

Do lado das despesas, as medidas são “decepcionantes”, diz Ramos: 0,23% do PIB de economia a partir de uma revisão de gastos — ou R$ 25 bilhões, principalmente de programas sociais para cortar pagamentos a beneficiários inelegíveis — e outro 0,23% do PIB de subexecução dos gastos do orçamento de 2023, “medida pontual e não recorrente”, destaca o economista.

Ramos viu ainda uma “crítica velada” ao Banco Central quando Haddad afirmou que o ciclo de aumento da Selic “bagunçou o sistema de crédito”.

Barclays: Passo na direção certa

O Barclays apontou em relatório que as medidas de Haddad são “um passo na direção certa” ao tentar reduzir o tamanho do déficit primário esperado para este ano. Mas que, por outro lado, o pacote é excessivamente dependentes da receita (80%), em vez de ajustes de gastos (20%), e a maioria delas é extraordinária ou incerta.

“Não constituem uma correção estrutural para efetivamente restaurar os superávits primários necessários para eventualmente estabilizar ou reduzir a trajetória da dívida pública”, afirma Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil.

O Barclays não mexeu na sua projeção de déficit primário do governo central para 2023, que está em torno de R$ 110 bilhões (1,1% do PIB), em parte porque já assumia que algumas medidas de aumento de receita seriam adotadas assim que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição fosse aprovada, além de considerar a base maior de arrecadação para 2022, os últimos parâmetros macroeconômicos e R$ 23 bilhões do PIS/Pasep.

Secemski observa que o governo estima uma melhora de 1,6% do PIB para 2024 extrapolando as medidas permanentes, o que o economista vê como potencialmente exagerado neste momento.

Ao apresentar seu pacote ontem, Fernando Haddad disse que a intenção era aproximar as receitas e despesas de 2023, às observadas no ano passado, em relação proporcional ao PIB.

Para Secemski, porém, a equipe pode estar desconsiderando o importante papel que receitas extraordinárias tiveram em 2022, como a privatização da Eletrobras, o grande pagamento de dividendos da Petrobras e os elevados royalties por causa da alta no preço do petróleo.

Algumas medidas anunciadas são “críveis e viáveis” e podem representar cerca de R$ 120 bilhões em melhoria fiscal, de acordo com Secemski. Entre elas estão a revisão da estimativa de receita para o ano – Secemski considera o incremento de R$ 36,4 bilhões razoável -, alterações nos créditos de ICMS, a incorporação de recursos “abandonados” do PIS/Pasep, a volta do PIS/Cofins sobre receitas financeiras e alguns cortes de despesas.

Por outro lado, o economista aponta que ainda há incertezas sobre a reintrodução de impostos federais na gasolina e no etanol e sobre o potencial de programas para redução do contencioso dar frutos rapidamente. O motivo seria o ambiente desfavorável para tomar medidas impopulares. Haddad mencionou ontem que a MP dos combustíveis poderia ser prorrogada além do prazo de 28 de fevereiro, caso o presidente Lula “tomasse essa decisão política”.

Sobre novos programas para reduzir os litígios e aumentar os incentivos para que os contribuintes paguem suas dívidas com o governo, dado o caráter voluntário de algumas dessas iniciativas e a incerteza relacionada aos processos legais, Secemski diz ter dúvidas sobre o “timing” e o potencial efetivo das medidas.

Ao todo, o governo vê uma oportunidade de arrecadar até R$ 50 bilhões com esses pagamentos extraordinários em 2023 e a possibilidade de implementar melhorias estruturais nesses processos que resultem em outros R$ 20 bilhões neste ano e depois de forma permanente.

O governo espera ainda uma redução de R$ 50 bilhões em gastos primários através da reavaliação de contratos e programas existentes, ao mesmo tempo em que realizaria uma execução menor do Orçamento deste ano. Para Secemski, essas medidas são parcialmente factíveis, ao menos em R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões.

Em relatório de dezembro do ano passado, o economista já apontava para riscos de subexecução orçamentária em projetos de investimento, principalmente em 2023, porque eles normalmente exigem fases de planejamento mais longas antes da implementação.

“Embora reconheçamos o aumento potencial de R$ 30 bilhões das mudanças nos créditos de ICMS, vemos os planos de corte de gastos em R$ 50 bilhões como ambiciosos (presumimos cerca de R$ 25 bilhões em subexecução). Quanto aos ganhos de eficiência no contencioso e à reintrodução dos impostos sobre os combustíveis, incorporaríamos aqueles que já foram efetivamente observados”, explica.

Projeção do Barclays para PIB em 2023

Mesmo que as iniciativas do governo sejam bem-sucedidas e consigam aproximar o déficit do governo central em 2023 do limite inferior da faixa de 0,5% a 1% mencionada ontem por Haddad como meta, o resultado ainda constituiria uma “derrapagem” fiscal relevante em relação ao superávit de 0,7% estimado para 2022, lembra Secemski.

“É provável que o declínio seja mais acentuado quando se olha para o setor público consolidado como um todo, já que os governos locais devem continuar a experimentar uma posição fiscal mais fraca nos próximos trimestres devido a cortes anteriores de impostos sobre bens essenciais”, observa.

O Barclays projeta um primário do setor público consolidado passando de um superávit de 1,3% do PIB em 2022 para um déficit de 1% do PIB em 2023. Essa variação de 2,3 pontos percentuais contribuiria para elevar a dívida pública bruta para 77% do PIB em 2023, de cerca de 74% esperados para 2022.

“Acreditamos que todos os olhos permanecerão voltados aos próximos planos relacionados ao novo arcabouço fiscal para 2024 em diante, que por lei deve ser apresentado ao Congresso até 31 de agosto, embora o ministro Haddad tenha dito recentemente que poderia ser feito até o fim de abril”, afirma Secemski.

Da mesma forma, diz, os debates sobre as diferentes propostas de reforma tributária devem ganhar importância nos próximos meses, principalmente se houver mudanças nos textos iniciais, que originalmente deveriam ser neutros em termos de receita.

Citi: governo reconhece os limites das contas públicas

O anúncio do pacote fiscal feito ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é “um sinal de que o governo reconhece os limites das contas públicas”, na avaliação do Citi.

Algumas medidas, no entanto, têm maior probabilidade de não serem implementadas, como a volta do imposto federal sobre gasolina e etanol, aponta a equipe em comentário.

“Assim, continuamos vendo que o déficit fiscal primário deve fechar este ano em torno de 1,6% do PIB, levando a dívida pública bruta para 81% do PIB no fim do ano (de 76% do PIB no fim de 2022)”, afirmam.