Medidas econômicas de Haddad: mercado vê melhora no curto prazo, só que espera mesmo nova âncora fiscal

Economistas consideram que as primeiras iniciativas apontam que o governo está comprometido em diminuir o déficit previsto para este ano

O primeiro anúncio feito pela equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contempla muitas medidas cujo impacto é difícil de estimar no momento. Ainda assim, é um primeiro passo positivo que mostra preocupação do novo governo com a situação fiscal. A avaliação é da economista-chefe do Credit Suisse, Solange Srour, para quem as medidas podem abrir algum espaço na agenda para que a discussão volte à nova regra fiscal.

Em sua avaliação, contabilizando principalmente as medidas de impacto mais certo, como a revisão dos benefícios do Auxílio Brasil, postergação do pagamento do benefício de R$ 150 por criança e a questão da retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, é possível esperar uma melhora do resultado primário em torno de R$ 100 bilhões. “Mas é um número cercado de incerteza, porque tem muita medidas cujo impacto é difícil avaliar, como o próprio ministro [Fernando Haddad] admitiu”, diz Srour, citando a mudança sobre o Carf e a denúncia espontânea.

A economista nota ainda que algumas medidas que poderiam ajudar nesse no resultado primário não estão garantidas, como a reoneração do PIS/Cofins sobre combustíveis, ou mesmo a volta do IPI, que não foi incluída neste momento, talvez por trazerem um impacto sobre a inflação. “Mas talvez possam ser usadas em algum momento posterior, mais necessário”, diz.

Srour reforça que o pacote tem como grande objetivo tentar cobrir o rombo de 2023, de R$ 231 bilhões. Nesse sentido, não traz alívio de médio prazo, “A incerteza de como passar do gasto autorizado pela PEC da Transição para 2024 continua, a gente ainda não sabe se vai haver nova regra de salário mínimo, regra de reajuste escalonado do funcionário publico, qual o ajuste no tamanho do investimento, e todo o arcabouço fiscal ainda incerto”, observa. “Então o pacote é uma boa notícia, ajuda no curto prazo o orçamento de 2023 e o governo a ter tempo para discutir como diminuir incertezas de médio prazo.”

E a nova âncora fiscal?

As medidas anunciadas na quinta trazem sinais positivos para a situação fiscal do país, na visão do economista da CM Capital Matheus Pizzani. Embora o mercado mantenha a expectativa de que a nova âncora fiscal e um plano de longo prazo do governo sejam divulgados o quanto antes, as iniciativas apontam que o governo está comprometido em diminuir o déficit previsto para este ano.

“São medidas importantes porque vai em linha com a promessa que fizeram de responsabilidade fiscal e sinaliza que buscarão mitigar o déficit em torno de R$ 230 bilhões anteriormente previsto para esse ano”, observa Pizzani. O anúncio em si é, em parte, positivo pela inserção de receitas permanentes como os créditos do ICMS. Outras medidas, no entanto, como as relacionadas ao Carf são extraordinárias. A questão é que, pensando num ano como 2023 que já aponta para um déficit elevado, é importante ter esse tipo de receita”, acrescentou.

Em relação à postura do ministro Fernando Haddad, que falou da possibilidade de encerrar o ano com superávit de R$ 11,13 bilhões, se todas as medidas derem certo, ao mesmo tempo em que, implicitamente, sinalizou que o mais provável é um déficit entre 0,5% e 1% do PIB, Pizzani avaliou que o objetivo é demonstrar bom senso quanto à realidade do cenário atual.

“Para 2023, é melhor que ele fale em déficit mais ameno, porque é improvável que gere superávit já esse ano. A fala não compromete a credibilidade que está tentando transmitir porque esta atrelando o déficit à realidade projetada. Seria muito pior se prometesse superávit esse ano diante da dificuldade de que seja efetivamente alcançado”, comenta Pizzani.

Sobre a fala de Haddad ao dizer que o anúncio é uma “carta para o Banco Central”, Pizzani acredita que a intenção indicar que o governo tentará dar à política fiscal a mesma previsibilidade e transparência que os bancos centrais buscam implementar na política monetária, antecipando informações para conduzir uma comunicação mais transparente.

“Não temos algo sofisticado para a política fiscal. Essa fala pode ser um indício de que querem tornar a política fiscal algo mais previsível ao longo do tempo como já se faz com a política monetária, pois ela é tão importante quanto para os rumos da economia e impacta, inclusive, nas decisões de política monetária”, analisa Pizzani.

‘Ações críveis e outras nem tanto’

As medidas fiscais informadas pela área econômica do governo Lula trazem algumas iniciativas críveis e outras nem tanto, na avaliação do sócio e economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros. Para ele, a equipe do ministro Fernando Haddad mantém a característica de buscar alternativas para a aumentar a arrecadação, enquanto pouco falam sobre ações mais estruturais de controle de gastos para reequilibrar as contas do governo.

“Algumas medidas são críveis, outras não. A direção é positiva, porém o anúncio não significa um plano fiscal de médio prazo. São medidas de curtíssimo prazo”, avalia Leal de Barros. “O aumento da carga tributária é crível, a exemplo do PIS/Cofins sobre receita financeira. Já receitas provenientes do Carf e denúncia espontânea são pouco críveis e já foram tentadas anteriormente”, acrescenta.

Para Leal de Barros, a meta de zerar o déficit esse ano ou ao menos mantê-lo entre 0,5% e 1% do PIB é positiva, mas assume, implicitamente, que as medidas anunciadas terão ganho parcial. “Se fossem 100% críveis, haveria superávit e não déficit”.

O economista indica que o mercado seguirá sentindo falta de medidas efetivas pelo lado do gasto. “Um plano mais sólido de reequilíbrio fiscal. Ainda falta a perna mais estrutural de revisão de gastos, cujos ‘drivers’ já são amplamente conhecidos”, afirma.

Em relação a fala de Haddad sobre a necessidade de “esperar a avaliação política” do presidente Lula para reonerar os combustíveis, o economista-chefe da Ryo Asset acredita que o governo está perdendo tempo. “A manutenção da desoneração de combustíveis fósseis é prejudicial tanto para o fiscal quanto para a agenda ambiental que o governo tanto se âncora”, diz.