- Home
- Mercado financeiro
- Economia
- Economia vai ‘andar de lado’ e inflação cairá pela metade, diz Mesquita
Economia vai ‘andar de lado’ e inflação cairá pela metade, diz Mesquita
Empresas citadas na reportagem:
Antes dos dados do IBGE divulgados ontem, Mesquita e sua equipe já previam que o PIB brasileiro entrará em 2022 pouco impulsionado. O resultado do terceiro trimestre não deve provocar grandes revisões de cenário do banco, que desde antes espera uma queda de 0,5% da economia no próximo ano. Para 2021, a atual projeção de crescimento de 4,7% pode ser ser reduzida, diz o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC).
Quanto pior o cenário inflacionário, maior a alta de juros necessária para trazer a inflação de volta para a meta
Segundo o economista, o setor agropecuário deve voltar a impulsionar o PIB somente no primeiro trimestre, mas o movimento de alta de juros, que na sua expectativa levará a taxa Selic para 11,75% no fim do ciclo, já está e continuará inibindo a atividade para conter a inflação.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual o diagnóstico da economia brasileira?
Mario Mesquita: De uma economia que pode ter suas oscilações momentâneas, mas que está basicamente andando de lado. Em 2020, houve uma contração menos intensa do que se temia. Depois, recuperou de forma relativamente rápida e nos últimos trimestres tem andado de lado. Queda de 0,4% [no segundo trimestre] ou 0,1% [no terceiro trimestre] são números que podem ser revistos. A impressão que se tira desses dados é de uma economia que está em um nível de atividade estável com mudança de composição setorial. Ainda se observa uma recuperação do setor de serviços, especialmente aqueles mais associados à normalização da mobilidade, , o que tem a ver com vacina. Por outro, estamos vendo os efeitos de restrição de oferta na indústria. Também teve uma queda importante do agro.
Valor: Recessão técnica, estagnação, estagflação. Qual desses termos se aplica melhor a economia brasileira no momento?
Mesquita: Se conversarmos novamente daqui a um ano e a inflação ainda estiver mais próxima de dois dígitos com a economia parada, aí um quadro estagflacionário vai ficar mais claro. Mas o que a gente tem é a política monetária atuando como precisa atuar. A economia reflete isso. A inflação vai cair. A gente espera que a inflação caia pela metade entre 2021 e 2022, da faixa de 10% para 5%. Não dá para olhar para a atividade sem levar em conta a inflação e a política monetária.
Valor: Pode-se dizer que a economia brasileira perdeu o ímpeto de crescimento para o pós-pandemia?
Mesquita: Eu relativizaria a falta de dinamismo agora porque o agro caiu nesse trimestre, mas no primeiro trimestre do ano que vem, provavelmente, vai ter um PIB agro forte puxando o PIB como um todo. A safra aparentemente vai ser expressiva e, da forma como o IBGE calcula o PIB do setor, o efeito disso vai ser capturado predominantemente no primeiro trimestre. Portanto, os primeiros três meses do ano que vem terão um impulso do agro e também do aumento do salário mínimo, que vai dar um alento para o consumo da população de renda mais baixa. A discussão sobre PIB vai passar por um momento mais positivo no primeiro trimestre. Mesmo assim, a gente continua com a visão que para, 2022 como um todo, o cenário mais provável é de um PIB levemente negativo.
Valor: O que vai puxar o PIB para baixo no ano que vem?
Mesquita: Temos inflação alta, mas a principal razão pela qual esperamos que a economia continue andando de lado no ano que vem, com uma pequena contração de 0,5% no fim de 2022, é a alta de juros que vem sendo implementada este ano. Isso vai reduzir a inflação de faixa de 10% neste ano para perto de 5% no ano que vem, mas haverá efeitos da política monetária sobre o crédito. Não dá para olhar para a atividade econômica sem levar em conta a inflação e a política monetária. Esperamos que a Selic chegue a um nível pouco abaixo de 12% no fim do ciclo de alta, 11,75% para ser preciso.
Valor: O Itaú irá revisar suas projeções após os dados do PIB do terceiro trimestre?
Mesquita: Talvez a gente reavalie a projeção desse ano que está com crescimento de 4,7%. Para o ano que vem, está bem calibrado a previsão de contração de 0,5% levando em conta que teremos o auxílio emergencial estendido ao longo do ano que vem. Além disso vários Estados também estão em uma situação favorável e irão gastar um pouco da sua folga fiscal. Além disso, podemos ver algum relaxamento da oferta em setores da indústria, mas a alta importante da Selic é relevante para o nosso cenário.
Valor: Após a divulgação feita pelo IBGE, cresceu mais o grupo de economistas que observam a chance de PIB negativo em 2022, algo que o Itaú já vinha apontando. O que vocês viram antes que os demais?
Mesquita: Nos últimos anos a política monetária ganhou muita tração no Brasil. Não temos mais aquele efeito de crédito subsidiado mitigando o efeito da política monetária. Não ter esses fatores mitigando aumenta a potência da política monetária, que está sendo usada de forma importante para economia do Brasil. O Banco Central tem que fazer isso [subir os juros], pois o mandato dele é controlar a inflação. Sabemos que a diferença entre inflação transitória e inflação permanente é permitir que as expectativas desancorem e o BC está lutando contra isso, mas tem como consequência um efeito na atividade econômica. Não tem como escapar. A política monetária atua sobre a inflação por diversos canais, mas não dá para conseguir isso sem algum impacto na atividade. Foi isso que nos motivou a rever. Quanto pior o cenário inflacionário, maior a alta de juros necessária para trazer a inflação de volta para a meta, o que acaba tendo impacto sobre atividade econômica.
Valor: Como o senhor avalia o desempenho da indústria, estável no terceiro trimestre, e a queda de 0,1% da formação bruta de capital fixo, que sinaliza perda de investimentos?
Mesquita: É uma queda pequena [dos investimentos]. Entre o final de 2020 e esse ano tivemos altas expressivas. O investimento é uma variável mais volátil. Porém, é uma variável que responde mal às incertezas. Quando há mais incerteza, venha de onde venha, as empresas reagem retardando os seus planos de investimento. O número específico desse trimestre não me preocupa tanto. O que me preocupa mais é a continuação de um cenário de incerteza extrema.
Valor: O que mais motiva esse cenário de incerteza?
Mesquita: Seria bom resolver finalmente a equação fiscal para o ano que vem sabendo que o tema fiscal vai continuar sendo importante por muito tempo aqui no Brasil. Se, ao menos, limitasse o tamanho do aumento dos gastos no ano que vem já contribuiria para reduzir a incerteza.
Valor: O histórico da pandemia até o momento deixa algum sinal mais forte ou mais fraco do que pode acontecer?
Mesquita: A primeira onda [da pandemia de covid-19] nem foi a onda mais letal aqui no Brasil, mas foi, do ponto de vista econômico, a mais forte porque a economia ainda não tinha aprendido a funcionar em regime de home office. A segunda onda, associada à variante de Manaus foi muito severa do ponto de vista humano, de perda de vidas. Foi trágico nesse sentido, mas muito menos intensa sobre a economia. A variante delta teve pouco efeito nos dois casos. Portanto, parece que a economia está ficando menos sensível à dinâmica da covid, mas vamos ver de novo. Agora, é mais incerteza em relação ao cenário-base.
Valor: Os dados do PIB e todo esse cenário não contradizem o otimismo da equipe econômico do governo? A narrativa oficial é que o Brasil tem tido uma reação econômica acima da média mundial em meio à pandemia…
Mesquita: Os economistas são muito bons ou discordar entre si. Se dois economistas se reúnem, saem com três projeções sobre o mesmo número. É normal esse debate. Alguns enfatizam um ou outro aspecto. Por exemplo, o lado mais otimista não vê a política monetária tão potente como a gente enxerga. São debates que estão dentro do quadrado, do debate típico entre economistas sobre conjuntura.
Valor: O ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste que quem apostar em queda do PIB em 2022 vai errar feio…
Mesquita: O debate sobre projeções é sempre algo muito rico. Nós fazemos o melhor trabalho com os dados que a gente tem, mas é uma projeção. A gente sempre tenta acertar, mas eu não comento as projeções oficiais ou de outras casas.
Valor: O desempenho do PIB pode impactar na eleição do ano que vem ou é a eleição que vai impactar mais no PIB?
Mesquita: Se olhar historicamente, tem ano eleitoral que a economia acelera e ano eleitoral que a economia desacelera. Não tenho uma evidência muito clara de eleição sendo positiva ou negativa para atividade econômica no país. Um indicador que começou a ser usado nos Estados Unidos há muito tempo e usamos por aqui também é um indicador de desconforto econômico, formado simplesmente pela soma de desemprego com inflação nos últimos 12 meses. Esse indicador é mais importante para opinião pública do que o PIB. As pessoas sentem mais desconforto com desemprego alto e PIB é apenas uma estatística que a maioria nem entende direito. Isso não só no Brasil, acontece no mundo inteiro. Dito isso, a gente não vê uma queda do desemprego no ano que vem. Vemos até uma pequena alta. Mas a inflação deve recuar de 10% para 5%. Esse indicador de desconforto econômico tende a estar menor daqui a 12 meses do que está agora. Se isso vai ser determinante para o resultado da eleição, aí é uma coisa mais para os analistas políticos, mas isso é mais importante do que a trajetória do PIB em si.
Valor: Antes de chegar em 2022, ainda temos o quarto trimestre de 2021. O que podemos esperar?
Mesquita: A gente espera um PIB do quarto trimestre também próximo de zero. O impacto da incerteza fiscal, todo esse noticiário, tem dois lados. De um, tem um estímulo fiscal direto, ou seja, o governo vai gastar mais, vai transferir recursos para as famílias, um ponto positivo para a atividade no curto prazo. Por outro, houve uma piora das condições financeiras, pressão sobre a moeda, alta das taxas de juros de mercado, queda dos preços das ações, coisas que tem um efeito contracionista. E, com a depreciação do real e a pior perspectiva de inflação, é preciso que o Banco Central reaja de forma mais intensa com a política monetária. A própria comunicação do Banco Central mudou do período antes da mudança fiscal para cá. Em termos líquidos devemos ter um efeito levemente contracionista, o que ajuda a explicar a modesta recessão que esperamos no ano que vem.
Leia a seguir