- Home
- Mercado financeiro
- Economia
- Desajuste fiscal pode custar R$ 430 bi em 2023
Desajuste fiscal pode custar R$ 430 bi em 2023
O Brasil pode ter de arcar com uma conta adicional de R$ 430 bilhões em 2023, o equivalente a 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Esse “cheque” que os cofres públicos podem ter de enfrentar no ano que vem decorre das medidas que estão sendo adotadas este ano ou previstas para 2023, sendo composto pelo furo no teto de gastos, perdas de arrecadação, custos financeiros e outros riscos.
Na edição de agosto do Boletim Macro, do FGV Ibre, os economistas Bráulio Borges e Manoel Pires alertam que, diante do tamanho da conta, a solução de curto prazo parece ser o “waiver” fiscal – licença temporária das regras fiscais para organizar o Orçamento até haver discussão mais madura sobre a situação das finanças públicas.
“Falar de desafio fiscal em 2022 já passou. Agora o relevante é falar de 2023”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro. “Os impactos das escolhas que estão sendo feitas ao longo deste ano e o choque internacional terão desdobramentos.”
Na seção sobre política fiscal, Borges e Pires lembram que a ideia de uma licença temporária tem ganhado força como solução para o problema fiscal do Brasil, que vai além do teto de gastos. Do lado do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes já ressaltou a necessidade de um “waiver” fiscal para manter gastos sociais. Da parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Nelson Barbosa, que o auxilia, tem aventado a hipótese de licença fiscal no início de um eventual governo petista.
“Tal diretriz decorre do acúmulo de problemas orçamentários e riscos fiscais que surgiram e que ampliam a incerteza”, escrevem os economistas no Boletim Macro.
Eles dividem o “cheque” de 2023 em quatro categorias. A primeira são despesas não cobertas no Orçamento e que colocam em xeque o teto de gastos, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, o reajuste do funcionalismo e a revisão das despesas discricionárias. Essa conta ultrapassa R$ 120 bilhões, cerca de 1,2% do PIB.
Outra parte diz respeito a medidas com impacto negativo sobre a receita e que afetam apenas o resultado primário, mas não o teto de gastos. Por exemplo, recentes desonerações e o reajuste da tabela do Imposto de Renda que podem custar para o governo federal mais de R$ 25 bilhões permanentes. “Se considerarmos [também] a normalização da arrecadação do setor de petróleo, estimada em R$ 62 bilhões, o total chega a R$ 86 bilhões (mais de 0,8% do PIB)”, afirmam.
Há também eventos com impactos financeiros negativos, tais como a elevação da taxa de juros e a suspensão do pagamento das dívidas dos Estados. Borges e Pires argumentam que isso leva a uma piora do déficit nominal pela elevação do pagamento de juros líquidos. Somados, esses dois eventos poderiam ter custo fiscal da ordem de R$ 77 bilhões, por volta de 0,7% do PIB.
O último componente são eventos ainda incertos, mas com potencial de grande impacto nas finanças públicas. Como os precatórios e a compensação que o governo deve fazer aos Estados por ocasião do corte de impostos, que pode chegar perto de R$ 144 bilhões, ou 1,4% do PIB.
“Essa é uma estimativa com base em questões com impacto relevante, que geram discussão judicial e afetam o governo. Não necessariamente é um passivo fiscal imediato ou que irá se gastar 4,2% do PIB”, diz Manoel Pires.
Para Pires, há uma piora do déficit fiscal, porque grande parte dos eventos previstos no Boletim tem probabilidade de acontecer. Mas o impacto fiscal pode ser menor do que 4,2% PIB dependendo de decisões do governo de adiar reajuste servidores, tabela IR, ou de aumentar tributos sobre combustíveis no ano que vem etc. “Na verdade isso é um desafio fiscal que está colocando em xeque regras fiscais, podendo ter reversão e piora do resultado primário do ano que vem. Ainda não há perspectiva de controle fiscal certo.”
“Esse ‘waiver’ ganha força com a necessidade de se fazer algum freio de arrumação”, diz Pires. “O tamanho dele dependerá do que o próximo governo acha que é importante dentro de sua linha política e o que acha que consegue segurar ao longo do tempo em sua estratégia de equilíbrio fiscal.”
Borges argumenta que o mercado parece vir indicando que estaria disposto a aceitar um ‘waiver’ de R$ 70 bilhões. “Se essa prorrogação do Auxílio Brasil em R$ 600 é da ordem de R$ 60 bilhões, na prática é como se o mercado aceitasse isso, mas dissesse que todo o resto terá de ser revertido.”
Ele considera que isso seria complicado do ponto de vista político e poderia minar a lua de mel que um novo governo tem em início de mandato, quando possui mais capital político para articular propostas junto ao Congresso.
“Acho que um ‘waiver’ em torno de 1%, 1,5% do PIB parece ser válido levando em consideração que isso compra tempo para equacionar bombas fiscais em janeiro de 2023, ao mesmo tempo em que se desenha novo arcabouço fiscal para o Brasil”, diz. Um bom prazo para essa licença acabar, afirma Borges, seria fim de agosto de 2023, quando é enviado ao Congresso o Projeto de Lei Orçamentária de 2024.
Borges lembra, contudo, que a ideia de “waiver” fiscal não é nova. O governo de Michel Temer ampliou a meta de déficit primário em 2016 e o teto de gastos passou valer apenas a partir de 2017.
“Houve uma revisão bastante expressiva da meta de resultado primário para 2016, pouco antes da aprovação do teto de gastos. Passou de um superávit de R$ 30,5 bilhões para um déficit de R$ 163,9 bilhões”, lembra. “Essa mudança de R$ 194,4 bilhões equivale a 3,1% do PIB de 2016. Olhando para a despesa efetiva do governo central, ela foi de 19,9% do PIB em 2016, contra 19,4% em 2015.”
O chamado Grupo dos Seis – formado pelos economistas Bernard Appy, Pérsio Arida, Francisco Gaetani e Marcelo Medeiros, pelo advogado Carlos Ari Sundfeld e pelo cientista político Sérgio Fausto – tem uma proposta de regra fiscal provisória enquanto se discute um novo arcabouço.
No documento “Contribuições para um governo democrático e progressista”, entregue para os presidenciáveis, eles defendem uma revisão do regime fiscal que contemple regras fiscais, reformulação das regras orçamentárias e a redução da rigidez dos gastos. Até que se tenha claro qual será a nova regra, propõem um programa especial de gastos como meio de antecipar a redução futura de gastos obrigatórios.
Silvia Matos acredita que parte dessa dor de cabeça fiscal poderia ter sido evitada se o governo atual tivesse feito uma política social mais focalizada.
“Você dá mais impulso fiscal para 2022, ganha em termos de PIB. Mas, no fim das contas, acaba tendo mais inflação e juros para o ano que vem”, argumenta. “Então é uma herança bem maldita para o próximo governo. Há uma pressão muito alta por gastos, e uma parte disso está contratada.”
Borges e Pires escrevem no Boletim Macro que, se a licença fiscal for mesmo o caminho a ser seguido, é preciso um acordo político porque “o cenário de juros e inflação ainda requer muito cuidado”.
“A dúvida é se poderemos ou não reduzir juros em 2023. Vai depender se a inflação vai ceder”, afirma Silvia.
Para o FGV Ibre, as políticas fiscal e a monetária, a geopolítica e a normalização das condições sanitárias são as quatro principais forças que moldarão o desempenho da economia neste ano e no próximo.
O instituto afirma que, apesar de a atividade ter surpreendido para melhor na primeira metade de 2022, não há como não temer que os próximos semestres sejam um período muito desafiador para o consumo das famílias e a economia em geral.
Em junho, os indicadores de alta frequência mostraram resultado positivo pelo lado dos serviços, mas desaceleração no varejo e na indústria. Com isso, o FGV Ibre revisou o crescimento do PIB no segundo trimestre de 0,8% para 1,0%, ante o primeiro trimestre. Na comparação em relação ao mesmo período do ano anterior, a revisão passou de 2,7% para 2,9%.
O PIB do setor de serviços no segundo trimestre teve revisão de 0,2% na variação trimestral (e 3,1% na anual) para 0,6% (e 3,8%), em relação ao último Boletim Macro. O desempenho da construção civil também foi revisado, de -2,2% para 1,8% na variação trimestre contra trimestre e de 2,5% para 8,5% na comparação com igual período de 2021.
Também houve revisões para cima no PIB da indústria no segundo trimestre (de 0,2% para 0,9% trimestre contra trimestre e de -0,6% para 0,3% na anual), no consumo das famílias (de 1,4% para 2% e o de 4% para 4,5%) e no consumo do governo (de -0,6% para 0,1% e de 1,0% para 2,0%).
Foram revisados para baixo as projeções para o segundo trimestre do setor agropecuário (de 6,4% para 2,5% na variação trimestre contra trimestre e de 6% para 1% na anual), e o investimento (de 4,0% para 3,1% e de 0,4% para -0,9%).
Apesar das mudanças, o instituto manteve as projeções de crescimento do PIB de 1,7% em 2022 e de contração de 0,3% em 2023.
O Boletim Macro alerta que há em curso um processo de desaceleração da atividade, que se soma ao alto nível de incerteza na economia, alimentada pelo calendário eleitoral.
“Estímulos fiscais e reduções temporárias de preços de energia e de outros preços administrados devem ajudar neste segundo semestre, mas perderão força, ou inverterão o sinal, em 2023”, afirma. “Os efeitos contracionistas da política monetária se tornarão cada vez mais fortes, mesmo que o BCB comece a reduzir a Selic ainda em 2023, como aposta o mercado.”
Nesse contexto, a desaceleração da economia mundial deve impactar negativamente os preços das commodities, e o efeito da normalização das condições sanitárias deve perder importância.
Leia a seguir