Briga de Musk com executivos do Twitter expõe desconforto sobre futuro da rede social
A apreensão nas fileiras do Twitter se deve à expectativa de que demissões e mudanças significativas nas operações da empresa façam parte da agenda de Musk
Os ataques públicos do chefe da Tesla, Elon Musk, a altos executivos do Twitter provocaram temores entre seus funcionários de que aconteça uma grande limpeza na empresa de mídia social assim que ele concluir sua aquisição, acertada em US$ 44 bilhões.
O empresário de tecnologia se engajou em uma guerra verbal com dirigentes e ex-dirigentes do Twitter desde segunda-feira, quando a diretoria da empresa aceitou sua audaciosa oferta para torná-la privada.
Ele dirigiu críticas a algumas figuras de destaque, como a chefe de políticas do Twitter, Vijaya Gadde, e o vice-conselheiro geral, Jim Baker, apesar de ter assinado uma “cláusula de não desmerecimento”, em uma aparente tentativa da diretoria de conter os posts erráticos do empresário de tecnologia no Twitter, que contestam as políticas da empresa com frequencia.
Posts recentes de Musk provocaram uma enxurrada de reações raivosas contra os executivos do Twitter de alguns de seus 88,4 milhões de seguidores fervorosos. Depois dos incidentes, o atual executivo-chefe da empresa de mídia social, Parag Agrawal, o ex-CEO Dick Costolo e o cofundador Evan Williams entraram em ação na defesa dos funcionários.
A apreensão nas fileiras do Twitter se deve à expectativa de que demissões e mudanças significativas nas operações da empresa façam parte da agenda de Musk, segundo fontes familiarizadas com as negociações da aquisição. Um funcionário disse que todos estavam “com medo de perder seus empregos”.
O atrito entre Musk e os chefes do Twitter também expõe a diferença entre duas visões para o futuro da plataforma. A posição do novo proprietário como um “absolutista da liberdade de expressão” parece conflitar com as tentativas dos executivos do Twitter de impor uma moderação mais forte de conteúdo e proteger seu negócio de publicidade, de US$ 4,5 bilhões por ano.
Gadde, que trabalha no Twitter há mais de uma década, recebeu uma enxurrada de insultos e abusos racistas depois de Musk comentar na terça-feira que uma decisão tomada sob seu comando – impedir a distribuição de um artigo do New York Post sobre Hunter Biden, filho do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden – era “óbvia e inacreditavelmente inapropriada.”
Mais tarde, Musk postou um meme que circulava entre os seguidores de mídias sociais de direita e também tinha Gadde como tema.
“O que está acontecendo?”, escreveu Costolo em resposta ao tuíte de Musk. “Você transformou uma executiva da empresa que acabou de comprar em alvo de assédio e ameaças.”
Em um post anterior, Costolo escreveu que “bullying não é liderança”, o que levou Musk a responder: “Do que [você] está falando? Só estou dizendo que o Twitter precisa ser neutro politicamente.”
Sem citar Gadde especificamente, Agrawal escreveu: “Orgulhoso de nosso pessoal, que continua a fazer o trabalho com foco e urgência apesar do ruído.” Ao mesmo tempo, Williams disse que Gadde era “uma das pessoas mais ponderadas e de princípios que eu conheço”.
Várias pessoas da empresa ou próximas se disseram consternadas com o fato de o ex-executivo-chefe e cofundador Jack Dorsey, que trabalhou em estreita colaboração com Gadde, não ter seguido os outros executivos na defesa dela e da empresa.
O último comentário de Dorsey, que se demitiu do cargo de CEO em novembro, foi na segunda-feira, para dar seu aval à aquisição. Ele chamou Musk de “a única solução em que confio” para comandar a empresa.
O ex-diretor do Twitter Jason Goldman disse que Dorsey “queimou sua reputação” ao endossar Musk.
“Um dia depois de ele escrever este tuíte, a ‘única solução’ começa a queimar os funcionários da empresa”, criticou Goldman. “Ele sabe quem é Elon. Para ele, não esperar que ele fizesse algo desse tipo é ridículo.” E acrescentou: “Jack não defender [Gadde] parece, francamente, vergonhoso.”
Dorsey e Musk não responderam a pedidos de comentários. O Twitter não quis se manifestar sobre o assunto.
Embora os comentários de Musk tenham provocado fúria, especialistas jurídicos disseram que é pouco provável que isso inviabilize a aquisição, apesar da cláusula de não desmerecimento do contrato, que previa que Musk podia postar comentários sobre a transação no Twitter “desde que tais tuítes não falassem mal da empresa ou de qualquer um de seus representantes”.
“Minha impressão foi de que a [cláusula] era muito pouco eficaz”, disse Raffi Melkonian, advogado de governança corporativa do escritório de advocacia Wright Close & Barger, com sede em Houston. “Talvez ela fosse… um desejo.”
John Coffee, diretor do Centro de Governança Corporativa da Columbia Law School, disse que uma conclusão de que Musk violou os termos era “discutível”, já que a cláusula parecia estar relacionada especificamente à questão da transação, não à empresa de forma mais geral.
“Mas mesmo que tenha violado, os danos não são muito claros, nem o homem mais rico do mundo tremerá de medo”, disse ele. “O Twitter não gostaria de cancelar a transação, já que agora parece evidente que mais ninguém ofereceria um valor maior pelo Twitter.”
No caso de qualquer dos lados desistir do acordo, terá de pagar uma multa por rompimento de contrato de US$ 1 bilhão. Na quinta-feira, veio a público que no início da semana Musk vendera o equivalente a cerca de US$ 4 bilhões de sua participação na Tesla. Ele escreveu em um post no Twitter que “não há mais vendas de TSLA planejadas depois de hoje”.
Os posts contínuos de Musk no Twitter levaram a uma preocupação cada vez maior a respeito do futuro dos atuais dirigentes. “O que o Twitter não precisa é que a nova pessoa chegue com tal desprezo irresponsável pela gestão, tanto da comunidade em geral, mas também das pessoas que ajudam a construí-la. Isso não é um bom presságio”, disse Goldman, que fez parte da equipe fundadora da empresa.
Texto originalmente publicado no Financial Times por Dave Lee e Cristina Criddle, de San Francisco e Londres. Com tradução de Lilian Carmona.
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