Pela primeira vez, mercado de capitais é a principal fonte de crédito imobiliário; financiar vai ficar mais caro?

Saques da caderneta reduzem volume de financiamento e impactam no sonho da casa própria

Em agosto, a Caixa acendeu um alerta: a redução do estoque da poupança ameaçava comprometer o ritmo do crédito imobiliário oferecido pela instituição. Mas como funciona o financiamento imobiliário? O que investidores migrarem da caderneta para outros produtos tem a ver com a taxa que você paga ao banco para comprar seu imóvel?

“Os bancos que oferecem essa aplicação são obrigados a direcionar 65% do saldo da poupança para o financiamento imobiliário. Tanto para quem está comprando um imóvel quanto para quem está construindo”, explica Filipe Pontual, diretor executivo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Mudança no mercado de crédito imobiliário

Por um lado, há a queixa da Caixa, que há quatro meses levantou a possibilidade de pedir ao Banco Central a redução dos depósitos compulsórios.

Por outro lado, há uma transformação no mercado de crédito imobiliário intensa em andamento.

Dados da Abecip mostram que, embora a poupança tenha perdido força, o saldo total para o crédito imobiliário subiu 16% entre junho de 2022 e junho de 2023. E o motor dessa mudança foi o mercado de capitais, que pela primeira vez é a principal fonte de financiamento do crédito imobiliário no país.

De acordo com a associação, essa fonte representou um total de R$ 787 bilhões no funding de crédito imobiliário no final do primeiro semestre de 2023. Isso a partir da soma entre fundos imobiliários e produtos como LCIs, CRIs e LIGs. Enquanto isso, a participação da poupança passou a ser de R$ 738 bilhões.

Para efeito de comparação, um ano antes, os fundos imobiliários (FIIs), LCIs, CRIs e LIGs somavam R$ 534 bilhões, contra R$ 779 bilhões da caderneta.

Mas o que essa mudança está representando para o mercado de crédito imobiliário e o que é possível esperar para 2024? Para responder a essas perguntas, a Inteligência Financeira conversou com Pontual, da Abecip, e Fernando do Sacramento, CFO da Ape11.

Como funciona o financiamento imobiliário?

Para quem se pergunta como funciona o financiamento imobiliário para os bancos, é importante entender que há diferentes fontes de origem dos recursos. Como explicado pelo diretor executivo da Abecip, a poupança é uma das principais fontes das instituições financeiras para conceder o crédito imobiliário.

De acordo com o balanço apresentado em julho do ano passado, a caderneta representava ainda 36% do funding total do crédito imobiliário no Brasil. Em junho de 2021, esse percentual era de cerca de 49%. Completando a conta, aparecem os recursos do FGTS e os citados produtos do mercado de capitais.

De acordo com o relatório da poupança do Banco Central, o saldo do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) perdeu cerca de R$ 60 bilhões nos últimos dois anos. Eram pouco mais de R$ 790 bilhões depositados em dezembro de 2021, contra R$ 732 bilhões em novembro deste ano.

Um dos impactos da mudança na composição é que produtos como CRIs, LCIs e LIGs saem mais caros que a poupança para os bancos. Portanto, o que encarece a taxa cobrada dos interessados no financiamento.

“Como a poupança tem um custo mais baixo, custa menos para as instituições, isso permite que o financiamento tenha taxas mais baixas”, diz Fernando do Sacramento. “Os bancos hoje precisam misturar o funding da poupança com os recursos a taxas de mercado, que é naturalmente um preço mais caro que o da poupança”, explica Filipe Pontual.

O financiamento imobiliário vai ficar mais caro?

De acordo com o CFO da Ape11, de 8 anos para cá as taxas já subiram, passando de um patamar inicial de cerca de 8% para aproximadamente 11% ao ano. O especialista diz, no entanto, que isso não se deve apenas à perda de estoque da poupança e nem é necessariamente algo definitivo.

“É uma soma de fatores. Não é isoladamente a poupança, não é isoladamente a Selic. Tivemos uma pandemia que de forma geral acaba mudando o mercado. Também tivemos crescimento do desemprego e da inadimplência, que são fatores que afetam”, explica.

“Da mesma maneira, quando tivermos uma queda não vai ser só a Selic. Vamos ver também como ficará o saldo da poupança e os fatores de risco do mercado”, completa Sacramento, que acredita em uma retração no próximo ano. “Para 2024, acredito que vamos ter alguma movimentação de queda, mas não sabemos a velocidade nem a proporção”.

Um fator que vai entrar na conta também, diz o CFO da Ape11, é o avanço da tecnologia. Os processos mais agéis e a adoção de novas tecnologias, como ferramentas de inteligência artificial, na análise de crédito tendem a diminuir o risco. Elevar a régua de aprovação, mas permitir a oferta de taxas mais baixas a clientes aptos a obter o financiamento.

Quedas na poupança podem ter alívio em 2024

Filipe Pontual afirma que ciclos de queda na taxa de juros, como o que estamos vivendo, ajudam a atrair mais investidores para a caderneta. “Quanto mais baixa a Selic e as taxas futuras de juros, mais a poupança é competitiva e tem gente disposta a colocar dinheiro nela”, diz o especialista.

Quando a taxa básica de juros está acima do patamar de 8,50% ao ano, como atualmente, a poupança rende um percentual fixo de 6,17% mais a taxa referencial (TR). Conforme os juros caiam, esse diferencial para outras aplicações também é reduzido.

“Se os juros ficam mais baixos, mais pessoas estão empregadas, mais pessoas estão em condições de ter uma renda maior na economia e isso também permite mais poupança”, explica.

Financiamento imobiliário precisa de mais recursos, diz diretor da Abecip

“No fundo, o que vai acontecer com a poupança não dá para dizer claramente. Inflação baixa e juro baixo ajudam a poupança como ajudam a economia como um todo”, afirma Filipe Pontual à Inteligência Financeira.

Ele argumenta que um bom estoque na poupança é de fato importante, mas que o mercado de crédito imobiliário vai se beneficiar da entrada de novas fontes de recursos. E que, para isso, é preciso atrair mais investidores para os ativos do mercado de capitais que podem engrossar o caldo.

“O percentual de crédito imobiliário na economia brasileira está perto de 10% do PIB. Já há alguns anos a Abecip vem apontando que a poupança e o FGTS não seriam suficientes para nos levar além disso. E as necessidades habitacionais do nosso país exigem que esse percentual fosse maior, de 15%, até 20%”, afirma o diretor executivo da associação.

Pontual defende que o mais importante para que esse percentual suba, podendo chegar a até 25%, é que seja feita a “lição de casa” por parte do poder público.

“Para o investidor, o déficit crônico é um indicativo de inflação no longo prazo. Precisamos da confiança de que haverá estabilidade macroeconômica no nosso país, de que não haverá um gasto excessivo do governo para além do que ele arrecada”, diz ele, que defende o esforço para o cumprimento da meta de déficit zero em 2024.

“O poder do déficit zero é enorme para promover o crescimento. A responsabilidade fiscal por parte dos governos como um todo, inclusive os estaduais e municipais, consequentemente joga os juros para baixo”, argumenta.

Financiar imóvel é decisão de longo prazo

É possível fazer estimativas para os rumos da poupança e do financiamento imobiliário. No entanto, para quem se pergunta como funciona o financiamento imobiliário, os especialistas reforçam esta como uma decisão de longo prazo.

Por um lado, o momento econômico não pode fazer com que sejam ignorados fatores da vida financeira do interessado, argumenta Fernando do Sacramento.

“As pessoas quando estão adquirindo imóvels elas não têm que pensar apenas na taxa atual, mas sim prestar atenção no seu próprio momento financeiro, nas condições para manter aquele imóvel”, afirma o CFO da Ape11.

Por outro lado, Filipe Pontual reforça que a previsibilidade econômica inclusive é um fator que ajuda a expandir todo o mercado. “Construir um imóvel, financiar o imóvel e comprar o imóvel são decisões de longo prazo. Previsibilidade ajuda o cidadão que vai comprar o imóvel. E o banco também, dando a certeza de que o incorporador vai conseguir construir e vender os imóveis, que quem pegar o financiamento vai conseguir pagar”, conclui o diretor da Abecip.