Aposta esportiva não é renda extra, dizem especialistas em finanças

Sites são mercado bilionário à espera de regulamentação, mas prática pode viciar e comprometer o seu bolso e o da sua família

As apostas esportivas estão por todo lado. Nas camisas dos grandes clubes, nas redes sociais de grandes influenciadores digitais, nos intervalos publicitários na TV e no rádio, movimentando bilhões com a expectativa de retornos financeiros. Mas de cara vale um alerta: aposta esportiva não é investimento.

Trata-se de uma febre que já atingiu 3 a cada 10 torcedores brasileiros, segundo a edição 2022 da pesquisa Sport Track. O mesmo levantamento estima que as apostas representem um mercado potencial de R$ 31 bilhões anuais.

Com tamanha relevância na sociedade, o assunto atrai a atenção de planejadores financeiros e até psiquiatras. A preocupação é com o impacto dessa modalidade nas contas e na vida dos brasileiros.

De cara, especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira concordam: aposta esportiva não é investimento e não deve ser encarada como uma opção para obter uma renda extra. “É um gasto com entretenimento e deve ser visto desta forma”, diz Rodrigo Salvador, sócio da HCI Invest e planejador financeiro.

“As apostas não são investimentos de forma alguma. Elas não trazem nenhuma perspectiva de retorno para o valor investido. Também não são uma renda extra, porque não remuneram por um trabalho ou um serviço. São um jogo”, diz a educadora financeira Aline Soaper, fundadora do Instituto Soaper de Treinamentos de Desenvolvimento Profissional e Pessoal (Efinc).

Apostas esportivas são o novo day trade?

Para Rodrigo Salvador, a existência de canais, livros e cursos que prometem estratégias vencedoras para as apostas esportivas refletem a busca por uma sensação de segurança.

“Temos dois tipos de pessoas diferentes apostando hoje no Brasil. Um é o torcedor, que aposta por emoção, aposta na vitória do seu time e frequenta apenas eventualmente as plataformas. Os outros são os que apostam por estatísticas. Há uma previsibilidade maior, mas o passado não reflete o futuro. Os dados ajudam, mas não te garantem de nada”, alerta.

O planejador financeiro faz uma comparação com os riscos do day trade. Assim como na prática em que o investidor compra e vende ações ao longo de um dia na expectativa de lucrar com a valorização, Salvador alerta que o risco está na emoção.

“A pessoa aposta e perde, fica tentado fazer dinheiro rápido com outra aposta para recuperar o que perdeu, e sucessivamente. Ela vai perder mais se não souber a hora de parar”, diz. “Você tem os dados, tem as variáveis, mas a questão emocional é muito difícil de ser administrada.”

É possível apostar de forma saudável?

É necessário considerar duas perspectivas diferentes e importantes. Uma é a das finanças pessoais, e a outra é a da medicina. Psiquiatras que estudam a formação de vícios alertam para a importância de uma atenção especial para a prática.

“Quando você faz uma aposta, você tem a perspectiva de ganhar e isso faz a sua dopamina aumentar. Se você só perde isso não se mantem, mas muitas pessoas obtém pequenos ganhos ou recebem estímulos como bônus. Essa expectativa gera prazer, uma marca cerebral que pode provocar uma dependência”, explica Kalil Dualibi, psiquiatra da Associação Paulista de Medicina (APM).

Como um vício, portanto, só a autoavaliação não basta para que a pessoa conclua se está ou não no controle da situação. “A pessoa sempre acha que pode parar, mesmo que ela esteja trocando as atividades essenciais por um comportamento doentio”, diz o psiquiatra Guido Palumba.

Diante da dimensão do negócio que as apostas esportivas estão tomando no Brasil, a Inteligência Financeira questionou especialistas sobre limites para apostas de forma saudável. E quando podemos saber se essa fronteira está sendo ultrapassada.

Pelo lado das finanças, além de ter em mente que aposta esportiva não é investimento, vale a regra de ouro de dividir os recursos em caixinhas.

Deve-se ter em mente quanto da renda vai para as despesas, para os investimentos e para o lazer. Assim, é dessa última caixinha, apenas, que podem sair os recursos para atividades de entretenimento, seja ir ao cinema, jantar em um restaurante diferente ou eventualmente fazer uma aposta.

O que dizem os especialistas

Consultamos os educadores financeiros Aline Soaper e Rodrigo Salvador; e os psiquiatras Guido Palumba e Kalil Dualibi, que resumiram a questão das apostas esportivas em 6 tópicos:

  1. Aposta esportiva não é investimento nem renda extra. Encare como uma opção apenas de lazer.
  2. Defina quanto da sua renda mensal vai para entretenimento e, dentro desse montante, estabeleça um limite para apostas, sem expectativa de retorno financeiro.
  3. Não direcione todo seu dinheiro destinado ao entretenimento para as apostas. Assim, se tudo que você pode gastar com lazer está indo para isso, é um forte sinal de que você está gastando demais. Portanto, logo pode perder o controle.
  4. Não aposte se você já tem outros vícios, sobretudo os que têm estímulo oral (álcool, cerveja, comida, entre outros).
  5. Se afaste das apostas, caso fique mais tempo que o previsto jogando.
  6. Se afaste também quando sentir o impulso de descumprir compromissos para apostar. Por exemplo, deixar de pagar uma conta ou de comprometer sua reserva financeira para apostar.

Aposta esportiva é crime? Entenda o que diz a lei

Até 2018, qualquer tipo de jogo de azar estava proibido. A única exceção permitida era a de loterias, administradas exclusivamente pelo Estado. A lei nº 13.756 criou a modalidade conhecida como “aposta de quota fixa”, que os agentes privados, como os sites de apostas, podem explorar.

Portanto, apostas esportivas não são crimes, apesar de serem citadas em investigações. A Operação Penalidade Máxima apura suspeitas de manipulação de resultados para ganhos com as apostas. A investigação, que cita inclusive atletas, acelerou as discussões em Brasília sobre a regulamentação.

Nessa modalidade, define-se no momento da aposta quanto o apostador pode ganhar caso acerte o prognóstico. Aliás, este pode ser desde o resultado do jogo até outros fatores, como o atleta que irá marcar o gol e até o número de cartões amarelos e vermelhos.

Segundo relatório da consultoria legislativa do Senado Federal, a lei dava o prazo de dezembro de 2022 para o governo federal estabelecer regras detalhadas para as plataformas, mas isso não foi feito.

Em maio, o Ministério da Fazenda anunciou que fora enviada para a Casa Civil o esboço de uma medida provisória para preencher essa lacuna. Contudo, até o momento o governo não enviou o texto ao Congresso.

Segundo a Fazenda, a ideia é tributar em 30%, via imposto de renda, os prêmios recebidos pelo apostador, respeitada uma isenção de R$ 2.112,00. As empresas pagariam um tributo de 16% sobre os lucros, que seria usado para financiar educação, seguridade social e as próprias operações de combate às irregularidades.

Em entrevista recente à GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse ter a expectativa de arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões com a medida.