Como sua saúde mental pode afetar o bolso?

E vice-versa: problemas financeiros podem atingir o emocional; saiba o que fazer

Você já parou para pensar sobre a relação que existe entre a saúde mental e as finanças pessoais?

Esses dois pontos estão totalmente interligados, pode ter certeza.

Afinal de contas, a falta de dinheiro começa a gerar preocupações sobre como pagar as dívidas.

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 70% dos inadimplentes acabam desenvolvendo algum transtorno de ansiedade ou outros distúrbios por não conseguirem pagar suas dívidas.

“Diante disso, o excesso de preocupação sobre a saúde financeira acaba aumentando a circulação de hormônios no corpo como cortisol e adrenalina. E isso pode levar ao aumento de estresse, ansiedade, depressão e outras doenças da mente”, explica Valéria Meireles, psicóloga, psicoterapeuta e doutora em Psicologia Clínica com ênfase na Psicologia do Dinheiro.

O contrário também acontece

E além desses problemas, a apreensão pelo acúmulo de dívidas pode desencadear também distúrbios cognitivos (memória), gastrite, dor de barriga, enxaqueca e até mesmo doenças autoimunes.

“Isso porque o estresse é um dos maiores desencadeadores de doenças autoimunes”, esclarece Valéria.

E obviamente que o contrário também existe. Ou seja, a saúde mental pode afetar as finanças.

“Seja quando a pessoa está em um pico de euforia e sai comprando furiosamente. Ou então, está muito triste, de luto e acredita que o consumo acabará com esse sentimento de qualquer jeito”, exemplifica Vera Rita de Mello Ferreira, psicóloga e presidente da International Association for Research in Economic Psychology (Iarep).

Saúde mental pode atrapalhar as finanças

E foi exatamente o que aconteceu com a vida mental e financeira de Maria Aparecida de Oliveira, 55. Hoje empresária, Maria passou por alguns problemas que se iniciaram em meados de 2010.

Nesta época, ela começou a perceber sinais da depressão que já existia há algum tempo.

“Em um determinado dia, eu estava com uma pilha de documentos para assinar, e no meio do processo esquecia como era minha assinatura. A pessoa que estava comigo até falou para eu ir almoçar e depois voltasse para terminar. Mas, mesmo assim, não deu certo. Passou um ano até eu conseguir assinar novamente o meu nome”, lembra.

Durante esse período, Maria buscou ajuda de uma psicóloga e, em seguida, de uma psiquiatra.

No paralelo, a empresária começou a perceber que as finanças também não estavam nada bem.

Maria Aparecida de Oliveira, 55, foi diagnosticada com depressão e chegou a dever R$ 150 mil. (Foto: Arquivo pessoal)

“Eu gastava mais do que ganhava. Inclusive comprava roupas, acessórios, gastava em viagens como recompensa por trabalhar muito, ou por qualquer outra justificativa. Só não percebia que isso me afundava cada vez mais”, conta.

Diante desse total desequilíbrio, tanto na parte emocional quanto na financeira, Maria chegou a dever R$ 150 mil.

“Quando você se encontra nessa situação, sua vida financeira já não está boa. Afinal, você não tem estabilidade emocional para se controlar. Nem para parar e tentar organizar. Como vai fazer isso se você não esta emocionalmente organizada?”, afirma a empresária.

Importante procurar um auxílio

Aliás, a iniciativa da empresária de buscar ajuda profissional foi primordial para que ela, aos poucos, começasse o tratamento para ajustar a sua saúde mental.

Portanto, é de extrema importância procurar uma assistência e, de preferência, que essa ação possa ser feita em conjunto.

Ou seja, os profissionais da saúde juntamente com o auxílio de um planejador financeiro.

“Esse profissional irá ajudar a pensar na situação econômica do indivíduo, além de apresentar alternativas. Afinal de contas, isso pode auxiliar a pessoa a ter uma ideia, por exemplo, do tamanho do buraco onde está e também dos recursos que tem”, argumenta Vera.

Diante disso, fica o questionamento: como uma pessoa que já está endividada vai conseguir pagar por um planejador financeiro?

É aí que entram as redes de apoio, que podem vir de instituições públicas ou até mesmo de pessoas próximas, como aconteceu com Maria.

“Com a ajuda de amigos eu fui buscando soluções para conseguir, aos poucos, pagar as dívidas”, lembra.

Além disso, existem grupos de ajuda mútua chamado Devedores Anônimos. São pessoas que se encontram para falar sobre seus problemas com dívidas.

E tem, também, as instituições públicas de defesa do consumidor, como Procon (busque aquele direcionado ao Estado em que você mora) e a Defensoria Pública, que podem auxiliar nesse processo de organização financeira.

Inclusive, a ideia é não ter vergonha de procurar ajuda e conversar com pessoas próximas a respeito do que está acontecendo.

Afinal de contas, qualquer um pode passar por um problema igual. Pense nisso!

Dicas para quem tem dívidas

Dessa forma, se você está com os boletos atrasados, é primordial começar agora mesmo a tentar resolver esse problema.

Ou então, já sabe, a sua saúde mental e as finanças vão começar a dar sinais de falha.

Portanto, o primeiro passo é entender que algo precisa ser feito quando a conta do mês não fecha.

Maria Rosenberg, CCO da Pontte, indica algumas perguntas a serem feitas:

  • Faltou dinheiro para pagar aquela conta básica de consumo?
  • Não sobrou dinheiro para nada relacionado a lazer ou algo que possa lhe gerar algum prazer?

“Aí, é necessário rever como o dinheiro está sendo distribuído e procurar alternativas. Seja uma reorganização financeira com alguns cortes nos gastos ou a busca por uma renda extra”, afirma.

Depois, é entender quais são os níveis de endividamento a curto e longo prazos e quais são as opções para se livrar dessas contas que estão tirando seu sono.

“Talvez um empréstimo que te ajude a quitar tudo de uma vez possa reduzir os juros e te deixar com uma dívida só, por exemplo”, aconselha a CCO.

Tudo isso você consegue identificar ao fazer um diagnóstico das suas finanças, colocando tudo no papel para visualizar melhor o que tem acontecido por aí.

Assim, você evita cair numa cilada financeira e piorar ainda mais a sua situação.

É hora de agir!

Feito este primeiro diagnóstico de como estão as finanças, a segunda parte é a ação.

E para as pessoas endividadas, uma dessas façanhas é entender quais são as opções para começar a pagar os boletos.

Por isso, levante algumas questões para te ajudar a entender qual o melhor caminho para quitar o saldo devedor:

  • A dívida está gerando juros muito altos?
  • Os juros de renegociação valem a pena?
  • Consigo um empréstimo mais barato para quitar as outras dívidas e unir tudo em um único pagamento?

“Por isso, fale com o banco ou instituição financeira, entenda sua situação, busque alternativas que te façam parar de perder dinheiro em juros. E assim, você retoma o controle das suas finanças”, aconselha a CCO.

De olho nas finanças

Mas, se você não está passando por nenhum problema parecido, vale a dica de ficar atento a possíveis indicativos de que as suas economias não estão indo muito bem.

E isto, como bem pudemos ver, pode afetar a sua saúde mental.

“É interessante fazermos o acompanhamento de alguns qualitativos e quantitativos. Essas informações vão ajudar a fazer um diagnóstico correto da situação”, ensina Davi Ramos , sócio-fundador da Vante Invest, assessoria de investimento.

Então, anota aí:

  • Custo de vida mensal: quanto você precisa gastar para se manter no mês? Aqui você vai incluir contas como aluguel, mercado, internet, água, luz etc.
  • Dívidas: qual o montante de dívidas no seu nome? Ou seja, cartão de crédito, financiamento, empréstimos etc.
  • Reserva de emergência: quanto preciso ter guardado para garantir meu curto e curtíssimo prazo? O ideal é em torno de 6 meses do seu custo de vida mensal.
  • Ativos e Passivos: quais são as coisas que me rendem dinheiro (Ativos) e quais me custam dinheiro (Passivos). Exemplo de ativos: Empresa, Investimentos, Ferramentas de trabalho.
    Exemplo de passivos: Casa, carro, serviços de assinatura que você não usa.
  • Poupar: quanto eu consigo poupar todo o mês? Algo entre 20% e 30% da sua renda é um bom número.

“É interessante a pessoa se fazer três perguntas: Eu tenho dívidas? Eu tenho reserva de emergência? Eu consigo poupar algo? Se a resposta para uma das questões for não, sua vida financeira um dia pode afetar a sua saúde mental”, alerta Ramos.

Tem como se blindar para evitar que as finanças afetem a mente?

A resposta é sim! Para isso, mais uma vez, entra em pauta o planejamento, e claro, a inteligência financeira.

Então, confira o passo a passo para tentar impedir que as finanças afetem a saúde mental.

1. Tenha prioridades

Tenha objetivos, estabeleça prazos e trace um plano para alcançá-los. Não tome decisões no calor do momento. Esse tipo de atitude deve ser tomada com calma e de forma racional. Caso contrário, pode custar muito mais do que o esperado.

2. Maximize o longo prazo sem comprometer o curto prazo

Não escolha o que vai te remunerar pouco hoje, mas o que vai mudar seu patamar lá na frente. Ou seja, foco no longo prazo. Porém, mantenha uma reserva de emergência para superar os obstáculos no meio do caminho.

3. Não existe dinheiro fácil

Por isso, tome cuidado com promessas de rentabilidade. Ganhar muito dinheiro fácil é sempre sinal de golpe. Além disso, saiba que crises passam.

Com paciência, resiliência e criatividade é possível superar.

Com inteligência financeira, tudo acaba bem

Afinal de contas, finanças pessoais são importantíssimas para que tenhamos a verdadeira liberdade.

E, muitas vezes, o maior obstáculo para dominá-las está em nós mesmos.

Ao identificar esses pontos, fica um pouco mais fácil cuidar tanto da saúde mental quanto da financeira.

Foi assim com a Maria que, hoje, está com a saúde mental e financeira totalmente em dia.

“Ao mesmo tempo em que comecei a me tratar da depressão, fui conseguindo me organizar financeiramente”, afirma.

Inclusive, atualmente, Maria é sócia em uma empresa de desembaraço aduaneiro e frete internacional chamada Space.

De acordo com a empresária, a vida dela voltou para os eixos e ela deixou um recado para quem estiver passando pela mesma situação em que ela se encontrou.

“Por mais que possa parecer não haver saída, que você se sinta incompetente, incapaz, que não vai conseguir sair disso, busque ajuda. Saiba que com auxílio será possível encontrar uma solução. Além disso, cuidado com o que pensa. A nossa mente é traiçoeira. Então, o pensamento dirige a gente para lugares que, algumas vezes, podem não ser tão agradáveis”, aconselha.

Colaborou com a matéria: Ana Cristina Limongi-França, professora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP).