O que dita o ritmo do mercado americano?

Dados de empresas, 'big techs', recessão, inteligência artificial, teto da dívida americana. O que o investidor deve acompanhar para ter melhores retornos?
Pontos-chave:
  • Em um momento em que é possível que tenhamos mais dúvidas do que certezas, são vários os aspectos que podem ditar o ritmo do mercado americano
  • Neste post você vai ver um balanço da temporada de resultados das empresas nos EUA para o 1T2023
  • E mais: por que o grande assunto do momento quando falamos do mercado americano é a divergência entre a performance e a expectativa do resultado das empresas?

Na semana que passou, uma das maiores cantoras de todos os tempos se foi. Tina Turner teve uma biografia, voz e música que inspiraram, inspiram e talvez seguirão inspirando gerações. Como singela homenagem, enquanto escuto seus clássicos, escrevo essa coluna semanal para conversarmos sobre o mercado americano.

Começo fazendo um balanço dos balanços nos EUA. Em geral, como de praxe, grande parte das empresas superaram as estimativas dos analistas em termos de receitas e lucros. Mas, botando em perspectiva, dá para dizer que o balanço dessa safra de resultados é mais positivo do que foi o 4T22, no qual vimos menos empresas surpreendendo as estimativas. 

O quadro, cuja fonte é Charles Schwab indica na primeira coluna o trimestre/ano, na segunda coluna quanto (%) o resultado líquido por ação superou as estimativas de mercado e na terceira, quanto (%) a receita bateu a expectativa dos analistas.

Ainda assim, a verdade é que os lucros decresceram. Vamos olhar no detalhe algumas informações.

  • As empresas do S&P 500 lucraram menos 2,2% ante o mesmo trimestre do ano anterior. No entanto, como comentei no artigo “O que esperar dos resultados do 1T23”, as expectativas eram de queda de lucro de 6,8%. Como tudo no mercado é uma questão de expectativas e realidade, a pequena queda do lucro foi bem recebida pelo mercado.
  • O dragão da inflação segue sendo “hot topic” nas divulgações de resultados, sendo mencionado pelo menos uma vez nas conferências de resultados de 290 diferentes empresas.
  • Durante a pandemia, o mundo se fechou e muitas pessoas, especialmente nos EUA, adquiriram diversos bens de consumo de maior valor (característica discricionária), aqueles que você não compra todos dias – sofá, TV, câmera, cama elástica, etc. Com a reabertura, o consumo desses produtos caiu e já vimos fracos resultados dessa classe de produtos no 1T22. Logo, com uma base de comparação baixa, o setor foi o que apresentou a maior inflexão de números (crescimento de 55% em seus lucros de forma agregada).
  • Apesar da surpresa “positiva” ou menos negativa do que o esperado, 81 empresas trouxeram uma perspectiva negativa olhando à frente, maior número desde o 3T19.

Rescessão

Agora, uma coisa me surpreendeu: contra tudo que leio sobre economia todos os dias, menos empresas citaram a palavra “recessão” em seus resultados ou conference calls. Seria algo tipo lei da atração? Melhor não falar, para não atrair?

Na verdade, 107 empresas citaram o termo “recessão” em suas teleconferências de resultados, número esse acima da média de 5 e 10 anos, de 77 e 59, respectivamente.

No entanto, esse número foi bem maior nos trimestres anteriores. Olhando setorialmente, a possibilidade de recessão foi mais presente nas teleconferências de resultados das empresas financeiras e do setor imobiliário.

Divergência entre performance e expectativa das empresas

O grande assunto do momento quando falamos do mercado americano é a discrepância entre performances e expectativas das empresas. Parece haver dois mundos na bolsa americana. Já havia comentado aqui há algumas semanas atrás que praticamente toda a alta do índice americano está se dando pelas grandes empresas de tecnologia.

O S&P 500 acumula alta de pouco mais de 8% no ano, mas veja que as sete empresas abaixo contribuíram com 12,16% de alta para o índice.

Ou seja, você tem mais de 490 empresas que, somadas, “atrapalharam” a performance do índice, ou talvez elas sejam uma melhor representação da economia?

Sim, os afortunados investidores dessas ações têm se sentido privilegiados, estão tendo um show particular em sua carteira. São realmente dois mundos.”

O que explica isso?

Essencialmente, a crença e a elevada expectativa com as possibilidades e revolução que a inteligência artificial pode criar em nosso mundo.

O PIB é uma função do capital, trabalho e a produtividade desse trabalho (a qual é uma função da tecnologia embarcada na produção).

Desde sempre foi assim. Do cavalo para máquinas a vapor, indústria, escala, automatização, tecnologia, internet, entre outros. Países cresceram usando mão de obra, capital e tecnologia.

A inteligência artificial chega como uma nova tecnologia que alimenta o otimismo sobre como as empresas podem operar de forma mais produtiva nos próximos anos. Como essa nova tecnologia pode gerar elevados ganhos de produtividade no trabalho humano nas diferentes esferas.

E quem está no cerne/centro do desenvolvimento dessas novas tecnologias? Nomes como Microsoft e o ChatGPT, Google e seus desenvolvimentos que visam competir e guardar sua posição dominante de mercado, Nvidia com seus processadores preparados para executar tais funções de inteligência artificial, Amazon e Meta também têm investido nessa área, Elon Musk já foi um entusiasta do tema e muito mais.

E é por aí que se cria essa percepção e otimismo com algumas empresas. O fato das empresas de tecnologia serem mais expostas à economia global é outro fator que ajuda, dada a percepção/expectativa de eventual recessão nos EUA.

Faz sentido?

Depois de quase 20 anos no mercado, já desisti de procurar racionalidade nele. Entendo que ele se move em certas ondas e exacerba movimentos para cima e para baixo. Inteligência Artificial parece ser realmente algo que vai mudar a nossa vida quase tal qual a própria internet o fez. Essa é a percepção hoje e confesso que até concordo com isso.

A questão é que, baseado nessa ideia, entramos no modo vale-tudo. Empresas vão crescer independente do cenário e há uma avenida a ser explorada que irá trazer crescimento de receitas e lucro – e de forma concentrada em poucas grandes empresas que estão saindo à frente nessa corrida.

Aqui é que começo a ter dificuldades para acreditar e aceitar.

De forma prática, o que essa ideia gera são perspectivas de resultados bem otimistas para as 10 maiores empresas do índice daqui para frente, ao passo que outras 490 sofrem o impacto de uma economia que desacelera e eventualmente caminha para uma recessão.

É normal o investidor ter certo apego por certas posições. Tenho recebido muitas perguntas e indagações de alguns investidores nas redes sociais sobre ser ou não a hora de vender certas posições vencedoras, em especial dessas principais techs que comentei acima.

A resposta foge ao escopo dessa coluna e tem muito a ver com perfil de investidor, mas é normal o apego, carinho e amor por posições vencedoras. Nesse sentido, penso que cabe manter a disciplina e readequar o portfólio à estratégia incialmente prevista, eventualmente reduzindo posições que ganharam muito espaço na carteira e readequando aquelas que ficaram para atrás.

Teto da dívida americana

Saindo do otimismo com a tecnologia nascente, voltamos à realidade em que ainda temos uma situação preocupante não resolvida na sala de casa da economia americana: a indefinição em relação ao teto da dívida americana.

Comentei mais detidamente no artigo “Governo Americano pode dar Calote?”. Nessas últimas duas semanas que passaram, seguimos vendo muitas conversas, mas pouco avanço em relação ao tema – aguardemos a votação final pelo Congresso dos EUA.

Entendo que o cenário base segue sendo o de uma resolução e acordo entre Republicanos e Democratas, evitando assim um calote de dívida com consequências imprevisíveis para investidores e o mercado financeiro como um todo. Mas enquanto o novo teto da dívida não é anunciado, vivemos de expectativas.

Na incerteza, o mercado espera que algum “hero”, que não vem. Com isso, vimos nessa semana que passou a agência de rating Fitch colocar os títulos do governo americano em revisão e com uma perspectiva negativa.