PEC de Transição de R$ 175 bilhões assusta mercado, que esperava um ‘waiver’ menor

Gasto de R$ 175 bilhões de PEC elaborada pela equipe de transição assusta mercado e Ibovespa despenca quase 4%

A Bolsa de Valores com a maior queda do ano (Ibovespa teve o pior pregão em 12 meses), o dólar catapultado a quase R$ 5,40 e as baixas desta quinta-feira (10) refletem o sentimento de insatisfação do mercado financeiro com as posturas da equipe de transição. A PEC de Transição deve abrir espaço para que o novo governo gaste R$ 175 bilhões para custear o piso do Auxílio Brasil, que voltará a ser o Bolsa Família, de R$ 600, além do benefício de R$ 150 por filhos abaixo de 6 anos.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não escolheu o ministro da Fazenda e, mesmo assim, já está definindo gastos extraordinários ao limite do teto, irritando os investidores.

Entretanto, o mercado esperava uma projeto de lei com previsões de gasto mais baixas. O chamado “waiver”, os gastos fora do teto, certeiro e que agradaria ao mercado financeiro seria de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões, o suficiente para pagar o Bolsa Família de R$ 600 para o ano que vem.

O que é o ‘waiver’?

Mas uma das preocupações do mercado é de um descontrole dos gastos e o “waiver” buscado pelo novo governo. O termo nada mais é do que um pedido de perdão por não cumprir uma meta. No caso, se refere a uma licença para o governo poder gastar além do orçamento de 2023

Waiver de R$ 150 a $ 100 bilhões

O economista da FGV Ibre, Braulio Borges, explica que a faixa de R$ 100 a R$ 150 bilhões seria o suficiente para pagar os adicionais R$ 200 do benefício social, além de o adicional de R$ 150 para quem tem filhos com menos de 6 anos. “Esse ‘waiver’ agradaria o mercado muito porque não interfere muito na trajetória da dívida pública”, explica Braulio.

A PEC de Transição é indicada por aliados de Lula como principal meio para custear o benefício no ano que vem, maior entrave ao Orçamento de 2023. Segundo lideranças do PT, a permissão extraordinária seria permanente.

Com a previsão de um gasto de R$ 100 bilhões, o economista do Ibre diz que a pressão da dívida sobre o PIB poderia cair.

Caso o projeto aprovasse o desembolso de R$ 150 bilhões a relação dívida sobre PIB permaneceria estável. Mas com um waiver acima disso, a trajetória da dívida aumenta, “resultado que desagrada ao mercado por gerar instabilidade de longo prazo sobre a trajetória fiscal do país”, explica Braulio.

PEC de Transição de R$ 175 bi provoca fuga na bolsa

Para a Faria Lima, dois eventos alavancaram a queda de quinta-feira (10) no Ibovespa. As críticas de Lula sobre “a tal da responsabilidade fiscal” e a coletiva de Alckmin anunciando novos nomes do gabinete de transição, como o ex-ministro da Fazenda de Lula e Dilma, Guido Mantega.

Soma-se a isso o fato de que o novo governo já está determinando gastos fora do teto sem sequer anunciar quem comandará a Fazenda entre 2023 e 2026.

“Um waiver de R$ 200 bilhões é muito ruim para os ativos de risco da Bolsa de Valores”, diz Luan Alves, analista-chefe da VG Research. “No intervalo de um mês, a curva de juros futuros subiu 1,5%, e os anúncios de ontem pressionam ainda mais a trajetória da dívida. Esse aumento nos juros acrescenta cerca de R$ 40 bilhões a serem pagos aos credores da dívida brasileira”, continuou.

O valor estabelecido pela PEC de Transição a ser gasto com Bolsa Família de R$ 600 e mais benefícios aumenta os riscos dos investimentos, o que favorece a renda fixa — porto-seguro frente à volatilidade do mercado pós-eleições. A queda na bolsa na quinta-feira (10) representa uma fuga de investidores da renda variável.

Contudo, ações de empresas que estão mais ligada aos crédito e, portanto, à taxa de juros, devem ter forte queda caso o waiver se mantenha. Com isso, varejo e construção civil são setores mais atingidos, segundo Alves. “Empresas que não dão lucro ou de pequeno porte também podem ser penalizadas”, avisa o analista.

Anúncio de PEC sem contrapeso é “estranho”

O anúncio do gasto de R$ 175 bi na PEC de Transição, pontua Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, soa “estranho”. Isso porque o governo não apontou nenhuma medida contrária para cortar gastos.

“Já antes da transição, tínhamos a tendência de uma [situação] fiscal se deteriorando nos próximos anos. Agora, sem retirar alguma desoneração ou isenção fiscal, a situação fica ainda mais delicada”, diz Cruz. Vale lembrar que Jair Bolsonaro, que fracassou na tentativa de reeleição, também prometeu um Auxílio de R$ 600. “No entanto, a retirada do benefício do teto de gastos e o uso dos R$ 175 bilhões com outros gastos, a sensação é de descontrole fiscal”.

Sem grandes rallies daqui para frente

Ian Lima, gestor de renda fixa da Porto Investimentos, salienta que a falta da nomeação de um ministro da Fazenda faz com que o “benefício da dúvida” do mercado para com Lula diminua. Basicamente, diz o gestor, não há um piloto para dirigir discussões sobre o waiver fiscal.

A impaciência provoca a alta de ativos fortes na bolsa, como o dólar. Nesse sentido, o dia de ontem foi positivo para as bolsas internacionais, acompanhando dados de uma inflação mais fraca do que o esperado nos EUA.

“Bolsas de países emergentes subiram quase 3%, enquanto aqui foi o contrário, depreciamos contra o dólar. Fomos a única região do mundo que sofreu uma performance negativa no câmbio”, diz Lima.

O texto da PEC pode ajudar o mercado a precificar os riscos e antecipar baixas menos acentuadas. Pode melhorar o humor do mercado. O gestor diz não esperar grandes rallies do Ibovespa daqui para frente.