Análise: Discurso de Bolsonaro anuncia “terceiro turno” e aumenta incerteza política

Aliados acreditam que fala a embaixadores foi provocação ao TSE, mas demonstra fragilidade da candidatura à reeleição, segundo Fábio Zambeli, do JOTA

Em discurso de quase 50 minutos a embaixadores, feito no Palácio da Alvorada e com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) traçou um panorama do “terceiro turno” que está contratado para as eleições de outubro próximo e aumentou em seu próprio núcleo político as dúvidas sobre a competitividade da candidatura à reeleição.

O presidente deixou claro a diplomatas e representantes de 50 países que não considera legítimo o sistema de votação que será usado daqui a 80 dias e criticou a possibilidade de “pronto reconhecimento” internacional do resultado das urnas.

Sem apresentar as prometidas provas de fraudes na eleição de 2014 e 2018, o chefe do Executivo reforçou o questionamento à segurança do modelo adotado pelo TSE, sabendo da inviabilidade de mudanças em tempo hábil para o primeiro turno.

A nova investida foi interpretada até por aliados do governo como uma provocação à corte eleitoral. Na visão desses mesmos interlocutores, o presidente estaria chamando os ministros do colegiado para o centro do “ringue político”, o que ajudaria na sua defesa junto aos apoiadores e na teoria de que é vítima de conspiração do Judiciário.

A fala de Bolsonaro acontece num momento em que os ministros da Justiça Eleitoral dão indicativos de que não devem tolerar ataques à instituição e disseminação de fake news até mesmo antes do início formal da campanha.

Mencionado no evento como adversário do presidente, Alexandre de Moraes deu essa sinalização ao mandar retirar do ar posicionamentos que associavam o PCC ao assassinato do ex-prefeito Celso Daniel (PT) em 2002, divulgados por bolsonaristas.

Antes, já havia determinado a Bolsonaro que se explicasse num prazo de 48 horas sobre a possível incitação de crimes de ódio, deixando o presidente indignado.

Timing

Moraes assumirá o comando do TSE no dia 22 de agosto, a duas semanas dos protestos convocados por Bolsonaro para 7 de setembro.

Como o ministro conduz inquéritos que envolvem o presidente – o das fake news e o da organização de atos antidemocráticos – e eles foram prorrogados, há expectativa entre auxiliares do governo de que novas iniciativas judiciais fechem o cerco contra o bolsonarismo.

Membros do Judiciário inclusive apostam que o inquérito dos atos antidemocráticos, que já investigou Bolsonaro por divulgar as mesmas informações repetidas aos embaixadores, pode ser o instrumento jurídico usado para reforçar as acusações contra o presidente.

Efeito colateral

Líderes do centrão consultados pelo JOTA condenaram a insistência de Bolsonaro em mudar a pauta da eleição no momento em que o governo teria ativos políticos poderosos para explorar.

Para eles, o encontro desta segunda-feira no Alvorada foi um “atestado de fragilidade eleitoral”. “O presidente passou uma imagem de que teme a derrota. Isso exatamente no instante em que o Congresso permitiu a ele um forte discurso de apelo social e econômico com a aprovação dos auxílios”, afirma um presidente de partido centrista.

O mesmo sentimento é compartilhado por integrantes da ala econômica, que vêm tentando convencer Bolsonaro a colocar a economia na linha de frente da campanha, sobretudo com a perspectiva de deflação, crescimento em patamares maiores que os esperados pelo mercado e melhora no emprego até outubro.

O time de Paulo Guedes tem atuado no comando da campanha bolsonarista para deslocar o presidente para o campo das “conquistas econômicas e sociais” da gestão, que surtirão efeito na reta final da corrida presidencial.

No diagnóstico traçado por Guedes a interlocutores, a mudança de retórica seria a única possibilidade de Bolsonaro reconquistar uma parcela do eleitorado antipetista que o apoiou em 2018, mas agora se divide entre os nomes da ‘terceira via’ e o voto nulo.

Os apelos, contudo, não têm guarida no Planalto, que opta por manter aquecida a base ideológica que assegura ao presidente os cerca de 30% dos eleitores que o apoiam fielmente desde o início da sua gestão.

(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)