Alckmin: ‘Lula terá responsabilidade fiscal e reforma tributária é prioridade’

Candidato a vice-presidente diz, em entrevista ao JOTA, que PECs que unificam impostos estão maduras e "capital político das urnas" deve acelerar votação

Principal novidade na configuração do xadrez sucessório de 2022, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) chega à reta final do segundo turno imerso numa maratona de atividades com setores organizados refratários ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu companheiro de chapa na corrida ao Planalto.

Após deixar o PSDB, partido que ajudou a fundar, e ingressar no núcleo da campanha do ex-rival, Alckmin tem procurado vencer resistências em segmentos econômicos historicamente hostis ao petista.

Falando quase sempre em tom professoral e tentando eliminar ruídos causados pelas diversas alas do PT que disputam espaço no centro do QG lulista, ele empresta seu endosso pessoal ao programa de governo e transmite uma mensagem genérica de responsabilidade fiscal e previsibilidade na gestão da economia, conceitos demandados pelo mercado.

Em entrevista exclusiva concedida ao JOTA, o ex-tucano analisa o recado das urnas em 2 de outubro, fala sobre a possibilidade de expandir apoios e aprimorar programas no segundo turno e descreve as prioridades da relação de um eventual governo Lula com o novo Congresso e o “centrão”.

Ganha relevo na retórica de Alckmin a ênfase dada à reforma tributária, que ele acredita estar madura para ser votada no Legislativo, aproveitando o calor do crédito político que será dado ao eleito no próximo dia 30.

Questionado seguidas vezes sobre eventual escalada do risco fiscal numa eventual transição de governo para o PT, o candidato a vice repete o mantra: “Ninguém vai cometer irresponsabilidade fiscal, posso assegurar. O presidente Lula tem experiência, não é neófito na política”, diz.

Ele adverte, contudo, que a pauta de largada de uma possível nova gestão lulista tentará compatibilizar o equilíbrio das contas com os gastos sociais, como a valorização do salário mínimo.

“Não são incompatíveis as medidas de eficiência econômica com a proteção social. Pelo contrário: elas se complementam. Você deve ter no mundo uma grande agenda de competitividade para fazer a economia crescer de forma sustentável e ter uma rede de proteção social, necessária e fundamental. Se a população não consumir, como a economia vai andar?”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

JOTA: Qual foi o recado das urnas em 2 de outubro? Houve frustração pelo resultado, já que se trabalhou muito pelo voto útil a fim de decidir a eleição no primeiro turno?

Alckmin: Normalmente a eleição majoritária se decide em dois turnos, até pelo pluripartidarismo que o Brasil tem. É difícil um candidato só somar a maioria imediatamente contra todos. Eram 11 candidatos. Faltou 1,47%, muito pouco. Então, o recado é claro. Eu entendo que o ex-presidente Lula foi o grande vitorioso no primeiro turno. Estamos trabalhando, com humildade para pedir votos e avançar agora nas próximas semanas, que serão decisivas.

JOTA: Os apoios de candidatos da terceira via serão suficientes para atingir a maioria dos votos?

Alckmin: Entendo que sim, são um bom caminho. A senadora Simone Tebet declarou apoio, está na campanha, já gravou, vai rodar o Brasil. O caso dela é muito importante porque ela ajudou a melhorar o nosso programa. Trouxe uma série metas para a educação, o ensino infantil, a primeira infância. No ensino médio, a sua proposta de Infância Jovem. Para a saúde também, zerar as filas que foram ocasionadas durante a Covid para especialidade, exames e cirurgias.

JOTA: O senhor diria que o ingresso dela vai permitir à campanha ajustar o programa e até detalhar mais alguns pontos?

Alckmin: O segundo turno, de forma geral, serve para aprimorar as propostas, ele permite você detalhar melhor. O ex-presidente Lula e eu fomos deputados constituintes. Nós incluímos na Constituição a necessidade do segundo turno quando não se tem maioria. É bom para o eleitor e bom para o país. E também é bom para quem for eleito, pois dá muita legitimidade.

JOTA: Mas o eleitor foi às urnas e escolheu parlamentares ligados à direita, ligados à pauta conservadora e ao presidente Bolsonaro. Na Câmara e no Senado…

Alckmin: Eu entendo que precisamos fazer uma análise mais cuidadosa. Tivemos alguns fenômenos. Primeiro, acredito que os partidos estão muito enfraquecidos, até pela fragmentação, o que exacerbou o personalismo. Em segundo lugar, a máquina do governo. Nunca houve uma utilização da máquina pública de maneira tão escandalosa. E ainda as emendas secretas. Fui deputado federal e isso nunca existiu. É uma excrescência.

JOTA: E esse quadro não pode afetar a governabilidade, em caso de vitória de Lula?

Alckmin: Quem for eleito vai ter mais de 60 milhões de votos, quase 70 milhões. Isso dá uma legitimidade muito grande. Então, no primeiro ano, ou até mesmo no primeiro semestre, você tem um esforço para dar certo, uma esperança que une a classe política.

JOTA: O Congresso ficou mais conservador e os partidos do centrão saíram fortalecidos na Câmara e no Senado. O senhor é a favor de uma composição com o centrão, especialmente com o presidente Arthur Lira? Acha possível governar sem essa coalizão?

Alckmin: Eu sempre defendo a conversa partidária. O Brasil precisa diminuir o personalismo e fortalecer programas, propostas e partidos. Sempre o bom caminho é o do diálogo. Eu já fui deputado, sei bem qual é a dinâmica. Se você tem boas propostas, o Congresso tende a responder de forma positiva, principalmente se você aproveita o bom momento, o momento em que existe um crédito político que vem das urnas. Por isso, a urgência.

JOTA: E qual é a pauta prioritária para esse período?

Alckmin: Eu cito uma delas: a reforma tributária. Nós incluímos no programa do presidente Lula a reforma tributária. Ela é uma das reformas que podem fazer o PIB crescer mais, pois traz eficiência econômica. É parte de uma agenda de competitividade simplificar a questão tributária.

JOTA: São várias propostas complexas tramitando no Congresso. Há convergência para alguma delas, sobretudo nessa nova configuração das duas Casas?

Alckmin: Eu vejo que sim. As duas propostas que estão lá, a PEC 45 e a PEC 110 são muito parecidas. Pegam os vários tributos sobre consumo –PIS, Cofins, ICMS, CSLL, IPI, ISS e juntam num Imposto de Valor Agregado, que é o que o mundo todo faz. E nós chamamos aqui de IBS (Imposto de Bens e Serviços). Então você vai juntar seis em um só. Simplifica enormemente. Já foi bastante debatido, amplamente discutido, eu diria. São duas PECs muito maduras, bem debatidas. Claro que sempre pode aprimorar…

JOTA: Quais são os principais entraves? Havendo regra de transição, é possível melhorar o clima político?

Alckmin: Não tenho dúvida, pois a implantação é imediata, mas a distribuição federativa é ao longo do tempo. Você faz uma ‘escadinha’. É possível. Eu defendo que ela seja o princípio de uma grande agenda de competitividade no país.

JOTA: E o timing? Qual é o tempo desse debate?

Alckmin: Tem que ser rápido. Há muita liquidez no mundo. Se tivermos estabilidade política, parar com essa brigalhada toda entre poderes, se tiver segurança jurídica, responsabilidade fiscal, vai vir muito investimento para o Brasil. Com a guerra na Europa, onde o mundo vai investir? Você exclui os Estados Unidos, por razões óbvias, e a China, que é um regime de partido único. Sobram, entre os grandes, Índia e Brasil. A Índia deve crescer este ano quase 7%. O Brasil pode receber muito investimento. E precisa se inserir rapidamente no contexto da economia mundial, porque hoje é um pária em razão também do desmatamento na Amazônia, que não é feito por agricultores, diga-se, mas por grilagem de terras.

JOTA: Havia uma expectativa de que viessem a público no segundo turno mais detalhes sobre o programa econômico, inclusive sobre as regras fiscais que substituiriam o teto. Haverá algum gesto neste sentido? Como o senhor responde a quem diz que o ex-presidente Lula quer um “cheque em branco” para a economia?

Alckmin: Respondo de duas formas: primeiro, ele já foi presidente. Oito anos de superávit primário. Ano retrasado o déficit primário passou de 10% do PIB. Não pagou a dívida e gastou mais de 10% além do que arrecadou.

JOTA: Tinha o contexto da pandemia…

Alckmin: Evidente que tinha. Mas o México, por exemplo, também enfrentou a pandemia e não teve déficit, ou teve algo em torno de 3%, bem menor. Mas, voltando ao Brasil, a dívida sobre o PIB quando Lula assumiu era de 60%. Quando ele passou o cargo, transmitiu a Presidência, era de 39%. Porque o Brasil cresceu. E crescimento inclusivo.

JOTA: Esse crescimento inclusivo a que o senhor se refere é a renda do trabalhador?

Alckmin: Sim. O Brasil tem que crescer. Vai melhorar o salário mínimo. Isto é, 71% da população, aposentados ou pensionistas do INSS, ganham um salário. Imagina a pessoa viver com R$ 1.212 com inflação de alimentos a 30%. Um crescimento com estabilidade, não pode voltar a inflação. A inflação não é neutra socialmente, então tem que ter estabilidade. E como sustentabilidade, não pode destruir a Amazônia, o meio ambiente.

JOTA: O senhor disse que tinha duas respostas para o mercado…

Alckmin: A outra resposta é a agenda de competitividade: reforma tributária, acordos comerciais. O Brasil está isolado. Educação de qualidade. Custo de capital. Por que os juros são tão altos no país? É cunha fiscal? Precisa tirar. É falta de concorrência? Precisa ter mais disputa. É instabilidade política? Precisa ter estabilidade. Melhorar a economia? É preciso fazer as reformas. Infraestrutura e logística, integrar modais, desburocratizar, simplificar. É isso que chamo de agenda de competitividade.

JOTA: O fato de não ter sido divulgada uma versão final do programa de governo elevou a incerteza em diversos segmentos, que esperavam mais insumos para analisar o que Lula pensa para o futuro. Isso foi interpretado de forma negativa. Não seria oportuno divulgar algum texto, algum documento que seja compromisso com essas agendas, sobretudo a fiscal?

Alckmin: Todo dia você está agregando propostas. Aliás, foi uma grande participação no programa. As diretrizes do programa estão bastante claras. Três palavras: credibilidade, estabilidade e previsibilidade. Eu acho que é possível acrescentar novos pontos, a campanha no segundo turno é curtinha, mas está indo bem e sou otimista quanto aos avanços.

JOTA: Falando em previsibilidade: o ex-presidente Lula quer investir em obras, quer usar bancos públicos para estimular a economia, quer reajustar o salário mínimo, quer isentar quem ganha até R$ 5.000 do imposto de renda. E ainda vai precisar encontrar espaço no orçamento para manter os programas sociais. A conta não fecha.

Alckmin: Isso já foi feito. Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando ele era presidente, o salário mínimo teve ganho real de 30%. Com Lula, foi mais de 60% de ganho real. E fez superávit primário, com a inflação sempre dentro da meta. É possível. Se o Brasil estiver crescendo, é possível. Ninguém vai cometer irresponsabilidade fiscal, posso assegurar. O presidente Lula tem experiência, não é neófito na política. Sabe o que é governo e sabe também dos desafios.

JOTA: E cabe tudo no Orçamento, já tão comprometido?

Alckmin: Não são incompatíveis as medidas de eficiência econômica com a proteção social. Pelo contrário: elas se complementam. Você deve ter no mundo uma grande agenda de competitividade para fazer a economia crescer de forma sustentável e ter uma rede de proteção social, necessária e fundamental. Se a população não consumir, como a economia vai andar? Veja um exemplo: infraestrutura e logística, por exemplo, não precisam necessariamente de dinheiro público. Energia também. Pode ser feito via PPPs e concessões. O que falta? Falta planejamento no país. Planejamento, bons projetos e segurança jurídica. Assim você vai ter muito recurso privado para financiar e ajudar o país.

JOTA: Caso Lula obtenha o terceiro mandato, é viável ter um conselho de economistas independentes, por exemplo, para subsidiar as decisões do ministro da Fazenda, de toda a equipe econômica?

Alckmin: Importante. O governo moderno tem que ouvir. Não é autocracia. Quanto mais ouvir, menos você vai errar. Uma vantagem do presidente Lula é essa: ele ouve bastante. É a sociedade participando, não só o Estado.

JOTA: O ex-presidente tem dito que vai governar, caso eleito, pessoas de todos os setores. O senhor acredita nisso ou a tendência é uma ocupação mais política?

Alckmin: Ele já montou ministério com pessoas que ele nem conhecia. Sou testemunha disso. O Furlan [Luiz Fernando Furlan], que foi para a Indústria e Comércio, o Roberto Rodrigues, da Agricultura, por exemplo, ele nem conhecia. Lula é experiente, conhece bem a dinâmica do governo. Ele está ouvindo muito e disposto a dialogar com todos os setores da sociedade.

JOTA: O senhor, caso Lula vença, terá um cargo que é de expectativa, mas existe uma possibilidade concreta de assumir missões específicas, ainda que não se fale em cargo neste momento. O senhor, que já teve divergências políticas muito objetivas com o PT e com Lula, aceitaria uma posição num ministério e em qual área teria mais afinidade?

Alckmin: Eu já fui vice em dois mandatos do Mário Covas. E também já fui titular: prefeito e governador, quatro vezes. Então eu sei exatamente como funcionam as duas posições. O vice é um co-piloto. Você trabalha em dupla. A minha disposição é ajudar. E essa mudança, que você citou, é a seguinte: eu tenho 14 anos de experiência como governador no maior estado do Brasil. Vamos juntar essa experiência à de oito anos do presidente Lula. Vamos juntar essas experiências. Minha disposição é ajudar no coletivo, não especificamente num ministério ou outro. Ajudar o governo e ajudar o Brasil. Esse é meu espírito ao entrar nessa chapa. Precisamos voltar à civilidade. Unir o país. Tem que ser com urgência, pois as coisas estão acontecendo muito rápido no mundo. E a implementação dessa agenda tem que ser rápida.

(Por Fábio Zambeli, analista-chefe do JOTA em São Paulo)